quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Eu Não Vi, Mas Me Contaram...: 3) O namorado de Bebê

... sim, eram ao todo 13 fi, ô possa ser que eram 14, sabe como é? Uma ruma de gente, de modos que 12, 13 ô 14 num faz lá munta diferença, num é? O negoço é que lá nessa cidade de onde eles vinheram não devia de ter televisão, não, visse? A novela era otra. Hi hi hi! De modos que a dona Luzia deve de ter passado a maior parte da vida dela buchuda. A pois, a dona Luzia era a mãe. Uma santa mulher! Caridosa que nem ela eu tô pa vê. Vivia na igreija, dava caticismo pa essa mininada toda, e inda arrumava tempo pa dá a comunhão pos duente de dumingo. Era, sim. Acabava a missa, ela pegava as hóstia na sacristia e ia simbora, cuidar dos seus duente. Ela dizia "os meus duentim de Jesuis". E ói, cá pa nós: era mais rezadeira que muito pade por aí. Sim, porque hoje, com essas mudernidade toda, os pade num usa mais nem batina. Credo em cruz!

domingo, 26 de janeiro de 2014

Grafite na Agulha: 17) Verde esperança

Conheci Ana Vega na faculdade, pois era minha colega de classe. Em pouco tempo, devido a algumas afinidades, já éramos bastante próximos. Sua inteligência cativava e sua gargalhada aberta e franca desarmava. Notei de cara que se tratava de uma pessoa, como dizem hoje, do bem. Mas de ingênua não tinha nada. Sabia se defender muito bem, ¡sí señor! Além do mais, por ser chilena, fazia aumentar meu interesse por estar perto dela, pois assim podia treinar meu espanhol tartamudeante (ainda o é). Discreta, só alguns anos depois que havíamos terminado o curso me contou sua incrível história. Incentivei-a mesmo a escrever um livro, fosse de memórias, fosse romanceado, pois, como vocês perceberão, a muchacha escreve bem pra dedéu.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 118) A solução pros rolezinhos

Quer saber? Odeio shopping center! Sempre odiei. Desde moleque me acostumei ao ar livre, com o sol na cara, e vendo a cor do céu. Adorava zanzar horas e horas pelo centro da cidade, saindo de uma livraria e entrando numa loja de discos, saindo de uma loja de discos e entrando num sebo, saindo dum sebo e entrando num cinema. Taí, o cinema, por exemplo. Em minha juventude tive a alegria de frequentar de cabo a rabo todos os cinemas do centro de Sampa, bem ali naquele miolo que rodeia as tão famosas avenidas Ipiranga e São João. MetroMarrocosMarabá (o único que sobreviveu), PaysanduOlidoComodoro (por algum tempo, o melhor da cidade), IpirangaCinespacial (este tinha a sala redonda e com três telas) e mais uns tantos que agora me fogem à memória... Sem falar nos grandes cartazes, pintados por funcionários, verdadeiras obras-primas do trash.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 117) Fossa social

*** AVISO *** 
Se você é uma pessoa que não tem estômago pra ler textos sujos ou com palavras consideradas de baixo calão, ou seja, intrínseco-intestinais, economize seu tempo e sua pureza de alma e pare já. Se preferir continuar, depois não adianta vir me jogar pedras. Está avisado!
***

Fossa social

A merda desta cidade não é a que se esconde nos subterrâneos. Não, esta não passa de pouca merda. A acachapante, a verdadeira, a avassaladora, a lava fecal, é aquela que rasteja pela superfície, que paira nos ares, que está em todos os lugares. É esta a que realmente fede, impregna, penetra, deixando um tão insuportável cheiro em nossas roupas, que, de tão forte, chega a parecer inodoro, a ponto de não o sentirmos mais. Ou de acharmos natural que esteja em nós, transformando-nos em cidadãos-merda que perambulam por aí defecando pela boca, a plenos pulmões, seja por alto-falantes, celulares ou ondas radiodifusoras.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 116) O olhar do ex-careca

Nem bem cheguei ao trabalho, fui chamado à sala de meu chefe, que me disse que eu estava demitido. Olhei pra ele incrédulo, como se estivesse sonhando. Ele veio com aquele papinho de contenção de gastos, crise, não era nada pessoal e blá-blá-blá. Detalhe: era pessoal. Meu chefe nunca gostou de mim (nem eu dele, é verdade), acho até que durei muito. Quando entrei, ele nem trabalhava na empresa. Meu chefe, na época, era um cara legal, tranquilo. Só que, alguns anos depois, ele se aposentou, e o chefe atual (aliás, ex-chefe, visto que estou na rua) foi o escolhido. Tenho cá pra mim que o escolheram porque era o único que não sabia fazer nada. Havia entrado fazia pouco tempo (indicado por um cliente "forte") e não se encaixava em nenhum setor, daí caiu em seu colo a chefia. E agora estava ele ali, tentando manter uma expressão séria, quando na verdade eu sabia que, por dentro, estava se divertindo à custa de minha desgraça.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 115) O estranho mundo dos vencedores

Ser uma boa pessoa não significa necessariamente ser um derrotado. Conheço muita gente que possui um bom emprego, uma boa situação financeira, e nem por isso se tornou mesquinha. O problema é que hoje nos ensinam desde cedo que, pra nos tornarmos vencedores, temos de ser competitivos; daí vamos, aos poucos, tornando-nos egoístas. Confesso que tenho um preconceito ainda remanescente contra esse tipo de gente. Podemos perceber um deles nas menores coisas. Um exemplo básico dessa espécie se revela no trânsito. Já vi essa cena um milhão de vezes: um carro está saindo da garagem, o semáforo fecha, o carro que está na faixa da direita, em vez de parar pra possibilitar que o outro saia da garagem, o que faz? Dá aquela aceleradinha básica e fecha a passagem ao outro, que fica ali, em cima da calçada, esperando que o semáforo abra, o imbecil que o fechou dê partida e todo o fluxo diminua, pra só então sair.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Grafite na Agulha: 16) Os Reis do Ié, Ié, Ié!

O colaborador desta semana é o pernambucano de Recife e Olinda (isso mesmo, futuramente explicarei essa aparente disparidade) Gilvandro Filhocompositor-jornalista (ou seria jornalista-compositor?) de vasto curriculum vitaem. Pense num cabra rodado! É Gilvandro. Como jornalista, emprestou sua pena a O Globo, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio (PE), Veja etc., tendo ganhado mesmo por três vezes o Prêmio Esso de Jornalismo-NE. Como compositor, é letrista parceiro dos feras Tavito, Luhli, Marianna Leporace, Sonekka e de mais uma ruma de gente boíssima. De quebra, Gilvandro escolheu escrever sobre esta banda que simplesmente revolucionou a música do século XX. Mas deixemos que ele conte, pois poderá explicar melhor que eu. Com vocês...

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 114) As novas voices do Brazil que não conhece o Brasil

Devo estar ficando velho. Não tenho mais paciência pra certos tipos de chamarizes. Se eu fosse um cavalo, seria daqueles que insistiriam na teimosia de permanecer empacados mesmo ante um torrão de açúcar. É com esse estado de ânimo que venho escrever sobre o que não (ou)vi. Confesso: não assisti a nenhuma edição do tão comentado The Voice Brasil. Pra começo de conversa, já tomei birra do nome, que não está 100% nem em inglês nem em português. Sim, porque ou seria The Voice Brazil ou, sei lá, A Voz do Brasil. No caso da segunda opção, já temos o homônimo – e já folclórico – programa de rádio; no caso do primeiro, o público ao qual se destina acharia estranho esse Brasil com Z, visto sermos um país de monoglotas. Engraçado é que o mesmo público que acharia estranho o tal Z em nenhum momento acha estranhas as interpretações americanizadas e/ou em inglês.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Grafite na Agulha: 15) A lírica de Zeca Baleiro

Acredito que Zeca Baleiro começou a se firmar como um dos mais expressivos nomes da nova música brasileira a partir de Líricas. Claro que ele vinha em franca ascensão; Por Onde Andará Stephen Fry era um raro exemplo de estreia acertada, ainda mais se compararmos com os primeiros discos da maioria dos artistas que estão na ativa hoje; Vô Imbolá, então, seu segundo, era uma porrada ainda maior, e seguramente deve constar de qualquer lista de melhores discos das últimas décadas; só que, até então, o moço de nome engraçado e visual espalhafatoso ainda figurava apenas como uma promessa, por suas ótimas letras e suas melodias efervescentes e ritmadas. Podia ser rotulado como um novo Alceu Valença ou Zé Ramalho, ou seja, mais um compositor nordestino de brilho. E ponto.