Experimente pegar um cachorro vira-lata, atraí-lo com algum osso e tentar colocar nele uma coleira. O que acontecerá? Ele provavelmente avançará sobre você não exatamente abanando o rabinho. E por quê? Porque cão sem dono não é lá muito chegado em ser "adotado" sem que combinem com ele antes (mais ou menos como existem mendigos que não querem dormir em albergues). Em contrapartida, os cães domesticados enfiam o pescoço na coleira quase com tanta alegria como aceitam um osso. Essa é uma metáfora que cai como uma luva (pra não dizer uma coleira) pra exemplificar minha relação com o malfadado adereço do título da coluna: a gravata. Sou selvagem, bicho da rua, gosto de sentir o vento no rosto e corpo livre. Não curto nem essas cuecas apertadas que não deixam o "morador" respirar. Sou mais o bom e velho (e arejado) samba-canção.
Mas retomemos o foco: simplesmente, odeio a gravata e tudo o que ela representa da mesma forma que odeio seus coleguinhas terno, camisa de manga comprida e sapatos. Um sapato, pra andar, é quase tão desconfortável quanto um salto alto. Nota-se, portanto, que é um vestuário feito pra ser usado em escritórios (de preferência, com ar-condicionado), não pra caminhadas ao ar livre. Em resumo, é uma roupa que denota status, embora não seja cômoda — sem falar que flerta com os workaholics do neoliberalismo, que usam gravata mesmo nos churrascos a que eventualmente vão nos fins de semana (¿hay neoliberalismo? Soy contra). Admito que o traje é visualmente bonito, mas de uma beleza que, como dizem, não põe mesa. Meio como usar cachecol e camiseta pra sair num dia ensolarado. E eu sou da praticidade.
Nosso país, com seu complexo de vira-lata, sempre procurou copiar padrões estéticos estrangeiros (reparem nas árvores de Natal que compramos por aqui), e terno e gravata entram nesse pacote. E o sujeito que se veste assim já está tão condicionado que mesmo andando pelas ruas, e com sol a pino, não tira o paletó nem afrouxa a gravata. Muitos deles, quando saem do trabalho ao final do dia e vão tomar uma cerveja, ainda nessa "happy hour" não se livram da "coleira". E eu olho pro camarada e fico procurando entendê-lo, mas é algo que não logro. Às vezes penso que o lado estético, mesmo envolvendo sofrimento ou incômodo, fala mais alto. É como usar óculos escuros à noite. Ok, eu os acho bonitos também, mas eles foram criados com uma função que seu uso fora de hora ou local extrapola, é algo que vai na contramão do bom senso.
Voltando ao traje, fosse o Brasil um país com a autoestima inerente à do primeiro mundo, amparada no poder aquisitivo, acredito que já tivéssemos bolado um vestuário formal mais adequado ao clima tropical que temos; contudo, em relação à gravata em particular, nada justifica seu uso, nem o frio da Sibéria. Uma gravata é uma espécie de rabo que fica na frente e abanamos quando vemos um superior do mesmo modo que o cão abana o seu quando vê seu dono chegar. É de um ridículo ímpar. Tanto que o ato de afrouxá-la causa um prazer quase tão grande quanto o de tirar os sapatos — em meu caso, maior, pois, nas oportunidades em que me vi forçado a usá-la, chegava a ter certa dificuldade de respiração, o que atrapalhava meu desempenho profissional, visto que, quando não se consegue respirar, não se consegue pensar.
E aquela porra de nó? Quando penso nele, espontaneamente me vem à cachola um palavrão (que os poupo de ler) — em parte por incompetência minha, pois, como tenho ojeriza do artigo, nunca me empenhei com afinco em aprender a fazer seu nó. Pra mim, era meio que como aprender iídiche. Seguindo a linha de raciocínio, a escolha da gravata sempre me foi, por extensão, algo igualmente penoso. Como (considerando as devidas distâncias) um condenado à morte ter o direito de escolher como quer morrer. Se eu odeio gravata, me dá igual a que me verei obrigado a usar, se vai combinar ou não com o terno dentro do qual me verei engessado. Acho que, se eu fosse dono de alguma grande empresa, iria às reuniões de bermuda e chinela de dedo — só pra contrariar. Bom, pra ser democrático penso que devia dar a mesma liberdade a meus funcionários.
Por essas e outras não me tornei um empresário de sucesso. Melhor assim; fico com as atividades que me permitem existir e ser respeitado sem a necessidade de usar esse diabólico acessório. Afinal, pra escrever, compor, traduzir, revisar, beber, rir, jogar bola e pagar micos em geral, a gravata nunca foi de grande importância. Aliás, se eu trombasse na rua com o cara que a inventou... Peraí... Antes de matar o sujeito, é bom saber sua origem, né? Fui pesquisar e descobri que entre dois possíveis locais de origem estão a Grécia e a China, mas que o nome, tal como o conhecemos, nasceu na França, onde uma peça do vestuário de um regimento croata foi adaptada e chamada de cravate, corruptela de... croata. É, se eu já não gostava, piorou agora. Isso me lembrou que em certa ocasião eu estava num cruzeiro no Nordeste e não pude entrar num restaurante do navio porque não tinha traje a rigor. Entre Fernando de Noronha e Recife, senti-me em Londres.
Mas além da gravata há os que, como eu, preferem as alpercatas; os que têm medo de barata (né, Antoniocarlos?); a gente bem-vestida que não deixa de ser chata; a rapeize que por um prêmio delata; uma boa turma que ainda hoje é escravocrata; a galera das fragatas; as minas que são gatas; os homeopatas; as opiniões insensatas; a falta de rima da letra jota; os que acertam na lata; aqueles uns que moram em certa capital e que são chegados numa mamata; o leite e sua nata; aquela palavra que — soube agora — foi trocada pela feia escápula, ou seja, a omoplata; os que não conseguem não meter a pata; os que extrapolaram sua quota; quem desata e depois reata; aqueles tão necessários sujeitos que curtem fazer serenata; aqueles outros que não sabem do que se trata; os efeitos dos raios ultravioleta; meus irmãos vira-latas; a órfã anã e sua xota (né, Chico?); e tudo o que pode ter passado por minha cachola pra que esta prosa terminasse numa zaragata.
PS1: Escolhi a palavra de novo, porque estava com essa gravata "entalada" (metaforicamente) na garganta.
PS2: Trilha sonora (saca só, Carlos D'Orazio!): Casuarina, Gravata (Daniel Montes – Gabriel Azevedo – Sérgio Fonseca)
Nosso país, com seu complexo de vira-lata, sempre procurou copiar padrões estéticos estrangeiros (reparem nas árvores de Natal que compramos por aqui), e terno e gravata entram nesse pacote. E o sujeito que se veste assim já está tão condicionado que mesmo andando pelas ruas, e com sol a pino, não tira o paletó nem afrouxa a gravata. Muitos deles, quando saem do trabalho ao final do dia e vão tomar uma cerveja, ainda nessa "happy hour" não se livram da "coleira". E eu olho pro camarada e fico procurando entendê-lo, mas é algo que não logro. Às vezes penso que o lado estético, mesmo envolvendo sofrimento ou incômodo, fala mais alto. É como usar óculos escuros à noite. Ok, eu os acho bonitos também, mas eles foram criados com uma função que seu uso fora de hora ou local extrapola, é algo que vai na contramão do bom senso.
Voltando ao traje, fosse o Brasil um país com a autoestima inerente à do primeiro mundo, amparada no poder aquisitivo, acredito que já tivéssemos bolado um vestuário formal mais adequado ao clima tropical que temos; contudo, em relação à gravata em particular, nada justifica seu uso, nem o frio da Sibéria. Uma gravata é uma espécie de rabo que fica na frente e abanamos quando vemos um superior do mesmo modo que o cão abana o seu quando vê seu dono chegar. É de um ridículo ímpar. Tanto que o ato de afrouxá-la causa um prazer quase tão grande quanto o de tirar os sapatos — em meu caso, maior, pois, nas oportunidades em que me vi forçado a usá-la, chegava a ter certa dificuldade de respiração, o que atrapalhava meu desempenho profissional, visto que, quando não se consegue respirar, não se consegue pensar.
E aquela porra de nó? Quando penso nele, espontaneamente me vem à cachola um palavrão (que os poupo de ler) — em parte por incompetência minha, pois, como tenho ojeriza do artigo, nunca me empenhei com afinco em aprender a fazer seu nó. Pra mim, era meio que como aprender iídiche. Seguindo a linha de raciocínio, a escolha da gravata sempre me foi, por extensão, algo igualmente penoso. Como (considerando as devidas distâncias) um condenado à morte ter o direito de escolher como quer morrer. Se eu odeio gravata, me dá igual a que me verei obrigado a usar, se vai combinar ou não com o terno dentro do qual me verei engessado. Acho que, se eu fosse dono de alguma grande empresa, iria às reuniões de bermuda e chinela de dedo — só pra contrariar. Bom, pra ser democrático penso que devia dar a mesma liberdade a meus funcionários.
Por essas e outras não me tornei um empresário de sucesso. Melhor assim; fico com as atividades que me permitem existir e ser respeitado sem a necessidade de usar esse diabólico acessório. Afinal, pra escrever, compor, traduzir, revisar, beber, rir, jogar bola e pagar micos em geral, a gravata nunca foi de grande importância. Aliás, se eu trombasse na rua com o cara que a inventou... Peraí... Antes de matar o sujeito, é bom saber sua origem, né? Fui pesquisar e descobri que entre dois possíveis locais de origem estão a Grécia e a China, mas que o nome, tal como o conhecemos, nasceu na França, onde uma peça do vestuário de um regimento croata foi adaptada e chamada de cravate, corruptela de... croata. É, se eu já não gostava, piorou agora. Isso me lembrou que em certa ocasião eu estava num cruzeiro no Nordeste e não pude entrar num restaurante do navio porque não tinha traje a rigor. Entre Fernando de Noronha e Recife, senti-me em Londres.
Mas além da gravata há os que, como eu, preferem as alpercatas; os que têm medo de barata (né, Antoniocarlos?); a gente bem-vestida que não deixa de ser chata; a rapeize que por um prêmio delata; uma boa turma que ainda hoje é escravocrata; a galera das fragatas; as minas que são gatas; os homeopatas; as opiniões insensatas; a falta de rima da letra jota; os que acertam na lata; aqueles uns que moram em certa capital e que são chegados numa mamata; o leite e sua nata; aquela palavra que — soube agora — foi trocada pela feia escápula, ou seja, a omoplata; os que não conseguem não meter a pata; os que extrapolaram sua quota; quem desata e depois reata; aqueles tão necessários sujeitos que curtem fazer serenata; aqueles outros que não sabem do que se trata; os efeitos dos raios ultravioleta; meus irmãos vira-latas; a órfã anã e sua xota (né, Chico?); e tudo o que pode ter passado por minha cachola pra que esta prosa terminasse numa zaragata.
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PS1: Escolhi a palavra de novo, porque estava com essa gravata "entalada" (metaforicamente) na garganta.
PS2: Trilha sonora (saca só, Carlos D'Orazio!): Casuarina, Gravata (Daniel Montes – Gabriel Azevedo – Sérgio Fonseca)
PS3: Se você curte gravata, sem problemas, vivemos num país livre (pelo menos, aparentemente).
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Eu tb detesto salto alto!
ResponderExcluirEu também. Embora seja um ódio sem maior aprofundamento, visto que nunca o usei. rs
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