quarta-feira, 1 de julho de 2020

A Palavra É: 52) Tchau

Sou um ser humano egoísta e mesquinho que ao longo dos anos tem supervalorizado sua obra pra ver se consegue equilibrar a balança, visto que como indivíduo sempre se achou o cocô da pulga do cavalo do bandido. Mas um restinho de orgulho me alerta que, como ando num momento dodói de autoflagelo e pena de mim mesmo e estou a ponto de mais uma vez ir a público expor meu ridículo, ao menos a raspa do tacho da dignidade me impele a tirar o time de campo por uns tempos antes de nele entrar, combalido, perigando tomar um particular 7 x 1 — e cheio de gols contra.

Sempre me considerei um cara bacana, um bom amigo, um cronista preocupado com temas sociais e que, além disso, procurou divulgar os "parças", mas ultimamente tenho me decepcionado com eles pois, estupefato, percebo que são eles que têm se decepcionado comigo. Entre meus parceiros mais próximos alguns me esqueceram, outros me evitam e há ainda outros que me criticam abertamente. Diz a crença popular que quando a maioria critica um único indivíduo a razão deve estar com a maioria. Portanto, tendo essa verdade como absoluta, rendo-me aos fatos e admito que o errado da história devo ser eu.

E percebam como essa afirmação tem carradas de razões, pois comecei a crônica dizendo que sou egoísta e mesquinho e no parágrafo seguinte afirmo que sou bacana, bom amigo e tal. Daí preciso acrescentar que, além disso tudo, sou também contraditório. Como somos todos em algum momento de nossas vidas. Disse-me um amigo certa vez que somos apenas ridiculamente humanos. Assim, temos dentro de nós um Jekyll e um Hyde (há alguns que levam dentro toda uma população) em pleno revezamento. E essa eterna luta atingiu dentro de mim um ápice que, confesso, cansou minha (falta de) beleza.

Por isso, venho por esta avisar a quem interessar possa que pretendo por uns tempos bater em estratégica retirada. Não é um adeus — como o título da crônica revela —, mas um até logo. Estou num momento introspectivo, sem tesão nem pra conversar com amigos. Aliás, eis aqui um ponto interessante: que amigos tenho? Desde que inventei de ser compositor, essa escolha foi me afastando dos amigos "comuns", "normais". Hoje, com raras exceções, meus amigos são todos "criadores", entre os quais alguns são esquizofrênicos, outros depressivos (alguns são as duas coisas); e o papo sempre gira em torno do universo musical que nos empurrou pra dentro dele sem, contudo, nos aceitar.

E eu, obviamente, sou mais um a reclamar do destino, de minha falta de sorte e blá-blá-blá. Chorando num muro das lamentações interno porque minhas canções não fazem sucesso, porque meus livros não vendem e ninguém lê meu blogue. Eu mesmo, lendo essas palavras, me acho ridículo. O mundo desabando e eu choramingando. Mas o egoísmo é assim mesmo. A dor de dente, quando é nossa, dói mais que um membro amputado alheio. Assim que resolvi me recolher a minha insignificância e ir jogar sal em minhas feridas ao menos longe dos holofotes.

E, enquanto isso, aproveitarei pra repensar minha vida, fazer um balanço. Provavelmente voltarei meses depois, com o rabo entre as pernas, pior do que saí, mas sinceramente preciso desse tempo. Até dia 9 de julho próximo, aos trancos e barrancos continuarei dando a cara a tapa nas redes (antis)sociais, pois mal ou bem preciso comemorar os dez anos de teimosia que me levaram a escrevinhar inúmeras inutilidades neste bloguinho; mas, depois disso, tomarei um benfazejo chá de sumiço, aspirarei um pó de pirlimpimpim que me levará quiçá pra algum lugar onde jamais estive — ou talvez de onde nunca devia ter saído.

Por isso escolhi o tchau do título como derradeira — por ora — má palavra. Que, no mais, é bem bonitinha e cheia de significados. Em italiano, por exemplo, sua irmã "ciao" costuma ser usada tanto quando se chega quanto quando se parte. E talvez eu a prefira na língua de Dante, pois, como não pretendo desencarnar tão cedo — ao menos que o corona opte por me coroar —, posso hoje dar um tchauzinho pra andare via e mais pra frente, quando menos esperarem — talvez até eu mesmo —, direi um "ciao" e voltarei com a carga toda, rejuvenescido e cheio de novas ilusões. 

Mas além do tchau me sinto às vezes anormal; outras boçal; vez em quando — e sem entender nada — com o nariz enfiado num catatau; pensativo sentado num degrau; perdido num(a) espiral; vexado ao me flagrar vivo em meu funeral; procurando meus óculos de grau; lânguido na horizontal; morrendo, mas imortal; lendo de cabeça pra baixo um jornal; desafinando num luau; fazendo cara de mau; quem sabe até ressurja em Natal; com um semblante outonal; matando a pau; brincando no quintal; virando um velho radical; conclamando (no deserto) um sarau; etc. e tal; admirando as belezas e exclamando "uau!"; dando um tapa no visual; mandando beijinho, beijinho, xablau; e de olho em meu signo zodiacal... pra me enganar sobre quando será a época oportuna pra voltar.

***

PS: Trilha sonora: Guilherme Arantes, Pedacinhos (Guilherme Arantes)


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16 comentários:

  1. Seus textos vão fazer falta. Se cuide e não demore.

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    1. Vou continuar escrevendo, Adriana. Vou dar um tempinho só de redes sociais. De todo modo, obrigado pelo interesse.

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  2. Léo, esse vírus não deu as caras agora, talvez seja a época de plantar pimenta numa casinha à beira do riacho e reinventar a Idade Media - quantos filmes bons -, sei lá, vou seguindo com as canções debaixo do braço, pronto para mostrar a quem quiser ouvir, entre elas, as nossas. Meu manifesto de admiração pelo seu talento e um até breve!

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    1. Valeu, Dimi! Boa ideia. Quem dera eu poder ir plantar qualquer coisa nessa casinha à beira de um riacho. Mas a gente chega lá, né? Abração!

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  3. Juntando esperança para todos nós.

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  4. Léo, imagina, na casa dos meus 60 fui descobrir que viver nao é nada fácil (agora dou razao a confusoes psicológicas da minha filha de 16 anos). A situaçao vigente nos trouxe mais elementos para reforçar, o que orbitava no campo da suspeita, cair no centro da visao real. Mas, te plagiando, levamos no nosso interior estes dois lobos citados por um chefe indígina qualquer (talvez inventado), um "bom e um "mal", cabendo a nós a decisao de qual alimentar. Quem sou eu na fila do pao para dar qualquer tipo de conselho, né? Mas, talvez, seja a própria vida que nos impaque as rédeas dos passos para que respiremos, revisemos as direçoes e com isso buscarmos um novo caminho para seguir. O errar e acertar faz parte desta nossa louca jornada pelo campo restrito da matéria. Aos 60 anos ainda nao consegui o equilíbrio do alimentar dos lobos, pode? Força, parça!!

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    1. Querido, obrigado pelas palavras. Você só se esqueceu de assinar, mas pelo jeitão acho que é o Edimundo, tô certo? Abração!

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    1. Curcinha, seu comentário me lembrou o nome de uma canção do Celso Viáfora: "Fica, Vá". rs

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  6. Assim falou Léo Nogueira... Até a volta...

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    1. Caro anônimo, não sou um Zaratustra, mas acho que minha palavra vale algo, né?

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  7. Léo, esse recolhimento fará bem a você, tenho certeza - e posso dizer isso com a autoridade de quem nunca participou de redes sociais, aliás, nunca teve nem celular.
    "Bye bye, so long, farewell..."
    Abraços musicais!

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    1. Miyage san, você deve ser uma figura e tanto, hem? Imagino que deva ter visto o documentário "O dilema das redes". Pelo menos você não está afetado por elas. Abração e até breve!

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  8. As vezes é bom dar um tempo, caro Leo...eu gosto de sim r, e muitos dias o maior desejo é ser invisível, viver numa cabana no mato e esquecer a existência por uns tempos.... Seus textos fazem falta, sempre acalentam tormentos, nomeiam estranhezas,ressoam em badalos de tristeza na ave-sangria... De um tempo, mas volte quando der!!! Forte abraço!!!!

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    1. Baita depoimento-poema, O Zi! Fico feliz em lê-lo. Abração e até já!

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