domingo, 10 de janeiro de 2021

Esquerda, Volver: 30) Refletindo sobre a "invertida" de César

Mais uma vez, algo me vem despertar do período de hibernação bloguística. Desta feita, o tema é a resposta "pletórica" que o artista Chico César deu a um comentário de um fã em seu Instagram. Soube por um amigo, via Facebook, depois notei que o assunto se espalhara pelas redes e fiquei um tempão pensando a respeito dele, pesando os prós e contras, considerando os pesos e medidas e quetais. Por fim, ao assistir no YouTube a um vídeo de Henry Bugalho tratando também do tema (veja aqui) e principalmente depois de ler os comentários abaixo do vídeo, todos em uníssono favoráveis, me veio aquela velha comichão (é feminino; valeu, irmão!) de meter a mão em vespeiro. E aqui estou novamente, tirando o pó do blogue e arregaçando as mangas, pronto pra ser Madalena, sabedor de que lá vem pedra. Antes, vamos à nascente:

Primeiro, escreve o fã: "Safra recorde em 2020. Parabéns, Chico César. Ótimas músicas. Carinhosamente te pediria para evitar as de cunho político-ideológico. Tu és muito maior que eles todos. Tu não deves nada a eles. Eles que te devem. Tuas mãos são limpas. Não as coloque no fogo por nenhum deles." Na sequência, a resposta de Chico: “@..., por favor, todas as minhas canções são de cunho político-ideológico! Não me peça um absurdo desse, não me peça para silenciar, não me peça pra morrer calado. Não é por ‘eles’. É por mim, meu espírito pede isso. E está no comando. Respeite ou saia. Não veja, não escute. Não tente controlar o vento. Não pense que a fúria da luta contra as opressões pode ser controlada. Eu sou parte dessa fúria. Não sou seu entretenimento, sou o fio da espada da história feito música no pescoço dos fascistas. E dos neutros. Não conte comigo para niná-lo. Não vim botar você pra dormir, aqui estou para acordar os dormentes.” (fonte: esta... mas há outras)

Antes de qualquer coisa, reconheçamos: que lindeza de resposta! Poética, refinada e afiada, enfim, certeira como a lança de um velho cavaleiro medieval. E talvez aí resida o que considero algo que não ajuda a melhorar as relações de nossos tempos tão (antis)sociais. Vejam o que Trump causou recentemente(!). Explico: tivesse Chico aproveitado a oportunidade pra escrever um texto não direcionado a um único fã, sem apontar pra esse coitado seu "cala a boca", e sim escrito exatamente a mesma coisa, mas pra fãs em geral que porventura pensem como o sujeito acima, eu aplaudiria; entretanto, intervindo como advogado do diabo, vejo que o fato de personalizar, de responder individualmente a um anônimo — ainda que equivocado —, é um tanto desproporcional, muita munição pra pouco alvo. Tanto que no Instagram o infeliz comentarista virou o Judas da vez e Chico o épico herói.

Ou seja, Chico, como dizem hoje, "lacrou", jogou pra plateia, deu exposição ao anônimo e assim o deixou à mercê da ferocidade dos esquerdistas do bem sedentos não de justiça, mas de vingança. Reparem que o comentário do sujeito é até carinhoso. Quisesse Chico "acordar os dormentes" ou, no caso, o dormente, poderia ter ido menos na jugular. Pregando pra convertidos, Chico afasta um equivocado fã, mas, em compensação, desperta outros temporariamente dormentes. Algo que me parece pensado, de quem sabe os riscos e é consciente de que, na atualidade, pra que um artista não seja esquecido precisa fazer barulho. Do outro lado da "trincheira", Carlos Bolsonaro não teria feito melhor. Pra quem estampou na capa de seu mais recente disco que O amor é um ato revolucionário, essa resposta me soa mais bélica que revolucionariamente amorosa.

É interessante também notar como a fama muda a relação entre o artista e seu público. Quem não tem muitos fãs procura tratar a todos gentilmente, pois cada um deles é importante. Já aquele que dispõe de milhares (ou milhões, sabe-se lá) pode se dar ao luxo de jogar alguns na fogueira, pois não lhe farão falta. Não quero aqui julgar Chico, de cuja obra sou profundo admirador, caso contrário estaria, como ele, personalizando a crítica. Uso apenas o assunto como exemplo. Em tempos de guerra declarada entre a direita e a esquerda, creio serem importantes gestos de afeto na direção do outro lado, ou jamais chegaremos novamente à paz. Incitar os que já estão a nosso lado pode não ser o artifício mais inteligente. Os inimigos são os crápulas que estão no poder, não os equivocados que os consideram mitos. Afinal, entre estes estão muitos de nossos amigos, parentes ou até mesmo pais e irmãos (exceção feita aos fascistas de fato e aos malas de espírito).

Voltando a Chico, entendo que deve ter passado não por poucas e boas, mas muitas e más, e o fato de ter vencido e ser hoje um formador de opinião torna perfeitamente compreensível que toda a revolta que cresceu dentro de seu coração ele não tenha como reprimir vez por outra. Vez em quando acontece comigo também. Só não acho produtivo. Não à toa, tenho ouvido ao longo dos anos relatos de amigos, parceiros ou simplesmente conhecidos que já tiveram contato pessoal com Chico e se frustraram com sua postura um tanto ou quanto desproporcionalmente arrogante, como no caso da "invertida" acima. No final das contas, como já disse um querido parceiro, somos todos miseravelmente humanos. E daqui a cem anos, entre Chicos Césares e Fagners, entre Robertos Carlos e Chicos Buarques, o que vai prevalecer é a obra. Falando na de Chico, o César, já até escrevi sobre ela antes (aqui).

A César o que é de César e a Chico o que é de Chico. Aos tiranos, nossas armas; aos iludidos, nossa rede na hora da queda.


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10 comentários:

  1. Excelente reflexao, parceiro! Nos tempos antisociais as águas nao estao pra rede!

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  2. Concordo. Você de caneta na mão é foda. Esta excelente. Os sábios dizem "O QUE VEM DEBAIXO NÂO ME ATINGE".

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  3. Boa reflexão. Interessante "... Quem não tem muitos fãs procura tratar a todos gentilmente, pois cada um deles é importante..."
    Aqui tem muito o que pensar.
    Beijos!

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  4. Em tempos de extremismo, um texto nescessário

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  5. Muito Boa Reflexão! Abraços e Felicidades, prezado amigo Léo!

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