Enquanto não descobrem a cura pra tal "gripezinha" (se é que não descobriram ainda), seguimos nós, artistas, arteiros & demais artimanhosos, tentando ao menos tornar mais leve o fardo que todos ora carregamos, que, obviamente é mais pesado pra uns que pra outros. Deixemos que fale o velho Gabo (o outro, viu, Gabriel?):
A profecia autocumprida
A profecia autocumprida
Por Gabriel García Márquez
por Francisco Daniel |
— Não sei, mas amanheci com o pressentimento de que algo muito grave vai acontecer em nosso povoado.
Eles riem da mãe. Dizem que são pressentimentos de velha, coisas que acontecem. O filho sai pra jogar bilhar, e, no momento em que vai matar uma bola facílima, o outro jogador lhe diz:
— Aposto um peso que você não consegue.
Todos riem. Ele ri. Dá a tacada e não mata a bola. Paga seu peso e todos lhe perguntam o que houve, se era uma jogada fácil. Responde:
É verdade, mas estava preocupado com uma coisa que minha mãe me disse hoje de manhã sobre algo grave que vai acontecer em nosso povoado.
Todos riem dele, e o que ganhou a aposta volta pra casa, onde está com sua mãe ou uma neta ou, enfim, um parente qualquer. Feliz com seu peso, diz:
— Ganhei este peso numa aposta com Dámaso do modo mais simples porque ele é um tonto.
— E por que ele é um tonto?
— Porque não pôde matar uma bola facílima. Estava preocupado porque sua mãe amanheceu achando que algo muito grave vai acontecer em nosso povoado.
— E sua mãe lhe diz:
— Não zombe dos pressentimentos dos velhos porque às vezes se concretizam.
Uma parente ouve isso e sai pra comprar carne.
Ela diz ao açougueiro: "Me dê um quilo de carne" e, no momento em que ele a está cortando, diz: "Pensando bem, me corte dois quilos, porque andam dizendo que algo grave está pra acontecer e o melhor é estar preparado." O açougueiro lhe entrega sua carne e quando outra senhora chega pra comprar um quilo de carne, ele lhe diz: "É melhor levar dois porque algumas pessoas apareceram por aqui dizendo que alguma coisa muito grave vai acontecer e estão se preparando e comprando coisas." Então, a velha lhe responde: "Tenho vários filhos, acho melhor eu levar quatro quilos..."
Ela sai levando os quatro quilos, mas, pra não encompridar o conto, direi que o açougueiro em meia hora vende toda a carne, mata outra vaca e a vende toda enquanto vai espalhando o boato. Chega o momento em que todo o povoado está esperando que algo aconteça. Todas as atividades são paralisadas e de repente às duas da tarde alguém diz:
— Percebeu o calor que está fazendo?
— Mas aqui sempre fez calor!
Neste povoado fazia tanto calor que os músicos tinham seus instrumentos remendados com piche e tocavam sempre na sombra porque se ficassem sob o sol seus instrumentos cairiam aos pedaços.
— Mas a esta hora nunca fez tanto calor — diz um.
— Mas às duas da tarde é quando faz mais calor.
— Sim, mas não tanto como agora.
No povoado deserto, na praça deserta, de repente um passarinho pousa e começam a dizer:
— Tem um passarinho na praça.
E todo mundo chega espantado pra ver o passarinho.
— Mas, pessoal, os passarinhos sempre pousaram aqui.
— Sim, mas nunca a esta hora.
Chega um momento em que a tensão é tanta entre os habitantes do povoado, que todos estão desesperados pra ir embora, mas não têm coragem de sair.
— Eu sou muito macho — grita um. — Fui!
Pega seus móveis, seus filhos, seus animais, joga-os numa carreta e atravessa a rua central, onde todo mundo o vê.
Até que todos dizem: "Se ele pôde, nós também podemos."
E começam a desmantelar literalmente o povoado.
Levam as coisas, os animais, tudo.
E um dos últimos a abandonar o povoado diz: "Que a desgraça não venha a cair sobre o que resta de nossa casa", e então a incendeia e outros também incendeiam suas casas.
Fogem num tremendo e verdadeiro pânico, como num êxodo de guerra, e entre eles vai a senhora que teve o presságio e diz a seu filho, que está a seu lado: "Viu, filho? Não disse que algo muito grave ia acontecer em nosso povoado?"
A seguir, o original:
***
A seguir, o original:
La profecía autocumplida
Por Gabriel García Márquez
–No sé, pero he amanecido con el presentimiento de que algo muy grave va a sucederle a este pueblo.
Ellos se ríen de la madre. Dicen que esos son presentimientos de vieja, cosas que pasan. El hijo se va a jugar al billar, y, en el momento en que va a tirar una carambola sencillísima, el otro jugador le dice:
–Te apuesto un peso a que no la haces.
Todos se ríen. Él se ríe. Tira la carambola y no la hace. Paga su peso y todos le preguntan qué pasó, si era una carambola sencilla. Contesta:
–Es cierto, pero me ha quedado la preocupación de una cosa que me dijo mi madre esta mañana sobre algo grave que va a suceder a este pueblo.
Todos se ríen de él, y el que se ha ganado su peso regresa a su casa, donde está con su mamá o una nieta o, en fin, cualquier pariente. Feliz con su peso, dice:
–Le gané este peso a Dámaso en la forma más sencilla porque es un tonto.
–¿Y por qué es un tonto?
– Porque no pudo hacer una carambola sencillísima. Estaba con la idea de que su mamá amaneció hoy con la idea de que algo muy grave va a suceder en este pueblo.
Y su madre le dice:
– No te burles de los presentimientos de los viejos porque a veces salen.
Una pariente oye esto y va a comprar carne.
Ella le dice al carnicero: “Deme un kilo de carne” y, en el momento que la está cortando, le dice: "Mejor córteme dos, porque andan diciendo que algo grave va a pasar y lo mejor es estar preparado”. El carnicero despacha su carne y, cuando llega otra señora a comprar un kilo de carne, le dice: “Mejor lleve dos porque hasta aquí llega la gente diciendo que algo muy grave va a pasar y se están preparando y comprando cosas.” Entonces la vieja responde: “Tengo varios hijos, mejor deme cuatro kilos…”
Se lleva los cuatro kilos y, para no hacer largo el cuento, diré que el carnicero en media hora agota la carne, mata a otra vaca, se vende toda y se va esparciendo el rumor. Llega el momento en que todo el mundo en el pueblo, está esperando que pase algo. Se paralizan las actividades y de pronto a las dos de la tarde alguien dice:
– ¿Se ha dado cuenta del calor que está haciendo?
-¡Pero si en este pueblo siempre ha hecho calor!
Tanto calor que es pueblo donde los músicos tenían instrumentos remendados con brea y tocaban siempre a la sombra porque si tocaban al sol se les caían a pedazos.
– Sin embargo –dice uno–, a esta hora nunca ha hecho tanto calor.
-Pero a las dos de la tarde es cuando hace más calor.
-Sí, pero no tanto calor como ahora.
Al pueblo desierto, a la plaza desierta, baja de pronto un pajarito y se corre la voz:
“Hay un pajarito en la plaza.”
Y viene todo el mundo espantado a ver el pajarito.
–Pero señores, siempre ha habido pajaritos que bajan.
–Sí, pero nunca a esta hora.
Llega un momento de tal tensión para los habitantes del pueblo, que todos están desesperados por irse y no tienen el valor de hacerlo.
–Yo sí soy muy macho –grita uno–. Yo me voy.
Agarra sus muebles, sus hijos, sus animales, los mete en una carreta y atraviesa la calle central donde todo el pueblo lo ve.
Hasta que todos dicen: “Si este se atreve, pues nosotros también nos vamos.”
Y empiezan a desmantelar literalmente el pueblo.
Se llevan las cosas, los animales, todo.
Y uno de los últimos que abandona el pueblo dice: “Que no venga la desgracia a caer sobre lo que queda de nuestra casa”, y entonces la incendia y otros incendian también sus casas.
Huyen en un tremendo y verdadero pánico, como en un éxodo de guerra, y en medio de ellos va la señora que tuvo el presagio. Le dice a su hijo, que está a su lado: “¿Vistes mi hijo, que algo muy grave iba a suceder en este pueblo?”
***
PS1: Dedico esta publicação a minha querida amiga Ana Vega, que foi quem me apresentou este conto, que ganha mais contundência nos dias atuais. O link que ela me enviou, onde encontrou o conto, é este.
PS2: Meu amigo Carlos D'Orazio me lançou a seguinte questão: "Muito bom, mas, se você fizer uma comparação com a pandemia atual, defenderá o argumento dos negacionistas que dizem que o pânico é pior que o coronavírus, que chamam só de uma gripezinha." Por um momento, achei que ele podia ter razão, mas raciocinei profundamente sobre o teor do conto e lhe respondi: "Há que estar atento, meu caro D'Orazio, porque aqueles que acham que há algo quando não há nada são os mesmos que acham que não há nada quando há algo."
PS2: Meu amigo Carlos D'Orazio me lançou a seguinte questão: "Muito bom, mas, se você fizer uma comparação com a pandemia atual, defenderá o argumento dos negacionistas que dizem que o pânico é pior que o coronavírus, que chamam só de uma gripezinha." Por um momento, achei que ele podia ter razão, mas raciocinei profundamente sobre o teor do conto e lhe respondi: "Há que estar atento, meu caro D'Orazio, porque aqueles que acham que há algo quando não há nada são os mesmos que acham que não há nada quando há algo."
***
Perfeito! Muito pertinente esse conto e suas reflexões.
ResponderExcluirGrato, Adriana. Bjs,
ExcluirExcelente, Léo! Parabéns pelas suas reflexões e ao Carlos D'Orazio pelas dele. Antes de ler seu segundo P.S., eu estava justamente pensando o que ele escreveu, mas você tem toda a razão!
ResponderExcluirBeijos!
Né não, Dannoca? Beijoca (pra rimar. rs).
Excluir