quarta-feira, 13 de maio de 2020

Crônicas Classificadas: 48) A profecia autocumprida

Enquanto não descobrem a cura pra tal "gripezinha" (se é que não descobriram ainda), seguimos nós, artistas, arteiros & demais artimanhosos, tentando ao menos tornar mais leve o fardo que todos ora carregamos, que, obviamente é mais pesado pra uns que pra outros. Deixemos que fale o velho Gabo (o outro, viu, Gabriel?):


A profecia autocumprida
Por Gabriel García Márquez

por Francisco Daniel
Imagine você um povoado muito pequeno onde há uma senhora velha que tem dois filhos, um de 17 e uma de 14. Está servindo-lhes o café da manhã e tem uma expressão de preocupação. Os filhos lhe perguntam o que aconteceu e ela lhes responde:

— Não sei, mas amanheci com o pressentimento de que algo muito grave vai acontecer em nosso povoado.

Eles riem da mãe. Dizem que são pressentimentos de velha, coisas que acontecem. O filho sai pra jogar bilhar, e, no momento em que vai matar uma bola facílima, o outro jogador lhe diz:

— Aposto um peso que você não consegue.

Todos riem. Ele ri. Dá a tacada e não mata a bola. Paga seu peso e todos lhe perguntam o que houve, se era uma jogada fácil. Responde:

É verdade, mas estava preocupado com uma coisa que minha mãe me disse hoje de manhã sobre algo grave que vai acontecer em nosso povoado.

Todos riem dele, e o que ganhou a aposta volta pra casa, onde está com sua mãe ou uma neta ou, enfim, um parente qualquer. Feliz com seu peso, diz:

— Ganhei este peso numa aposta com Dámaso do modo mais simples porque ele é um tonto.

— E por que ele é um tonto?

— Porque não pôde matar uma bola facílima. Estava preocupado porque sua mãe amanheceu achando que algo muito grave vai acontecer em nosso povoado.

— E sua mãe lhe diz:

— Não zombe dos pressentimentos dos velhos porque às vezes se concretizam.

Uma parente ouve isso e sai pra comprar carne.

Ela diz ao açougueiro: "Me dê um quilo de carne" e, no momento em que ele a está cortando, diz: "Pensando bem, me corte dois quilos, porque andam dizendo que algo grave está pra acontecer e o melhor é estar preparado." O açougueiro lhe entrega sua carne e quando outra senhora chega pra comprar um quilo de carne, ele lhe diz: "É melhor levar dois porque algumas pessoas apareceram por aqui dizendo que alguma coisa muito grave vai acontecer e estão se preparando e comprando coisas." Então, a velha lhe responde: "Tenho vários filhos, acho melhor eu levar quatro quilos..."

Ela sai levando os quatro quilos, mas, pra não encompridar o conto, direi que o açougueiro em meia hora vende toda a carne, mata outra vaca e a vende toda enquanto vai espalhando o boato. Chega o momento em que todo o povoado está esperando que algo aconteça. Todas as atividades são paralisadas e de repente às duas da tarde alguém diz:

— Percebeu o calor que está fazendo?

— Mas aqui sempre fez calor!

Neste povoado fazia tanto calor que os músicos tinham seus instrumentos remendados com piche e tocavam sempre na sombra porque se ficassem sob o sol seus instrumentos cairiam aos pedaços.

— Mas a esta hora nunca fez tanto calor — diz um.

— Mas às duas da tarde é quando faz mais calor.

— Sim, mas não tanto como agora.

No povoado deserto, na praça deserta, de repente um passarinho pousa e começam a dizer:

— Tem um passarinho na praça.

E todo mundo chega espantado pra ver o passarinho.

— Mas, pessoal, os passarinhos sempre pousaram aqui.

— Sim, mas nunca a esta hora.

Chega um momento em que a tensão é tanta entre os habitantes do povoado, que todos estão desesperados pra ir embora, mas não têm coragem de sair.

— Eu sou muito macho — grita um. — Fui!

Pega seus móveis, seus filhos, seus animais, joga-os numa carreta e atravessa a rua central, onde todo mundo o vê.

Até que todos dizem: "Se ele pôde, nós também podemos."

E começam a desmantelar literalmente o povoado.

Levam as coisas, os animais, tudo.

E um dos últimos a abandonar o povoado diz: "Que a desgraça não venha a cair sobre o que resta de nossa casa", e então a incendeia e outros também incendeiam suas casas.

Fogem num tremendo e verdadeiro pânico, como num êxodo de guerra, e entre eles vai a senhora que teve o presságio e diz a seu filho, que está a seu lado: "Viu, filho? Não disse que algo muito grave ia acontecer em nosso povoado?"


***

A seguir, o original:


La profecía autocumplida 
Por Gabriel García Márquez

Imagínese usted un pueblo muy pequeño donde hay una señora vieja que tiene dos hijos, uno de 17 y una hija de 14. Está sirviéndoles el desayuno y tiene una expresión de preocupación. Los hijos le preguntan qué le pasa y ella les responde:

–No sé, pero he amanecido con el presentimiento de que algo muy grave va a sucederle a este pueblo.

Ellos se ríen de la madre. Dicen que esos son presentimientos de vieja, cosas que pasan. El hijo se va a jugar al billar, y, en el momento en que va a tirar una carambola sencillísima, el otro jugador le dice:

–Te apuesto un peso a que no la haces.

Todos se ríen. Él se ríe. Tira la carambola y no la hace. Paga su peso y todos le preguntan qué pasó, si era una carambola sencilla. Contesta:

–Es cierto, pero me ha quedado la preocupación de una cosa que me dijo mi madre esta mañana sobre algo grave que va a suceder a este pueblo.

Todos se ríen de él, y el que se ha ganado su peso regresa a su casa, donde está con su mamá o una nieta o, en fin, cualquier pariente. Feliz con su peso, dice:

–Le gané este peso a Dámaso en la forma más sencilla porque es un tonto.

–¿Y por qué es un tonto?

– Porque no pudo hacer una carambola sencillísima. Estaba con la idea de que su mamá amaneció hoy con la idea de que algo muy grave va a suceder en este pueblo.

Y su madre le dice:

– No te burles de los presentimientos de los viejos porque a veces salen.

Una pariente oye esto y va a comprar carne.

Ella le dice al carnicero: “Deme un kilo de carne” y, en el momento que la está cortando, le dice: "Mejor córteme dos, porque andan diciendo que algo grave va a pasar y lo mejor es estar preparado”.  El carnicero despacha su carne y, cuando llega otra señora a comprar un kilo de carne, le dice: “Mejor lleve dos porque hasta aquí llega la gente diciendo que algo muy grave va a pasar y se están preparando y comprando cosas.” Entonces la vieja responde: “Tengo varios hijos, mejor deme cuatro kilos…”

Se lleva los cuatro kilos y, para no hacer largo el cuento, diré que el carnicero en media hora agota la carne, mata a otra vaca, se vende toda y se va esparciendo el rumor. Llega el momento en que todo el mundo en el pueblo, está esperando que pase algo. Se paralizan las actividades y de pronto a las dos de la tarde alguien dice:

– ¿Se ha dado cuenta del calor que está haciendo?

-¡Pero si en este pueblo siempre ha hecho calor!

Tanto calor que es pueblo donde los músicos tenían instrumentos remendados con brea y tocaban siempre a la sombra porque si tocaban al sol se les caían a pedazos.

– Sin embargo –dice uno–, a esta hora nunca ha hecho tanto calor.

-Pero a las dos de la tarde es cuando hace más calor.

-Sí, pero no tanto calor como ahora.

Al pueblo desierto, a la plaza desierta, baja de pronto un pajarito y se corre la voz:

“Hay un pajarito en la plaza.”

Y viene todo el mundo espantado a ver el pajarito.

–Pero señores, siempre ha habido pajaritos que bajan.

–Sí, pero nunca a esta hora.

Llega un momento de tal tensión para los habitantes del pueblo, que todos están desesperados por irse y no tienen el valor de hacerlo.

–Yo sí soy muy macho –grita uno–. Yo me voy.

Agarra sus muebles, sus hijos, sus animales, los mete en una carreta y atraviesa la calle central donde todo el pueblo lo ve.

Hasta que todos dicen: “Si este se atreve, pues nosotros también nos vamos.”

Y empiezan a desmantelar literalmente el pueblo.

Se llevan las cosas, los animales, todo.

Y uno de los últimos que abandona el pueblo dice: “Que no venga la desgracia a caer sobre lo que queda de nuestra casa”, y entonces la incendia y otros incendian también sus casas.

Huyen en un tremendo y verdadero pánico, como en un éxodo de guerra, y en medio de ellos va la señora que tuvo el presagio. Le dice a su hijo, que está a su lado: “¿Vistes mi hijo, que algo muy grave iba a suceder en este pueblo?”

***


PS1: Dedico esta publicação a minha querida amiga Ana Vega, que foi quem me apresentou este conto, que ganha mais contundência nos dias atuais. O link que ela me enviou, onde encontrou o conto, é este.

PS2: Meu amigo Carlos D'Orazio me lançou a seguinte questão: "Muito bom, mas, se você fizer uma comparação com a pandemia atual, defenderá o argumento dos negacionistas que dizem que o pânico é pior que o coronavírus, que chamam só de uma gripezinha." Por um momento, achei que ele podia ter razão, mas raciocinei profundamente sobre o teor do conto e lhe respondi: "Há que estar atento, meu caro D'Orazio, porque aqueles que acham que há algo quando não há nada são os mesmos que acham que não há nada quando há algo."


***

4 comentários:

  1. Perfeito! Muito pertinente esse conto e suas reflexões.

    ResponderExcluir
  2. Excelente, Léo! Parabéns pelas suas reflexões e ao Carlos D'Orazio pelas dele. Antes de ler seu segundo P.S., eu estava justamente pensando o que ele escreveu, mas você tem toda a razão!

    Beijos!

    ResponderExcluir