segunda-feira, 7 de março de 2022

Esquerda, Volver: 32) Mamãe, falei merda!

Fazia tempo que eu não passava por aqui, mas o assunto do momento, o áudio vazado de Arthur do Val, do canal Mamãefalei, me deu comichões e passei alguns dias lutando contra a vontade de vir escrever uns impropérios contra ele. A sorte foi que bebi pouco estes dias, então consegui "segurar a onda". Nesse meio tempo, vi muitos youtubers indignados — alguns de modo bem hipócrita —, tanto de esquerda quanto de direita, vi o próprio vídeo de desculpas de Arthur, ouvi os áudios "autovazados" de seu colega de viagem Renan Santos — que, segundo o próprio Arthur, viaja anualmente ao exterior pra fazer turismo sexual, tendo até desenvolvido técnicas que lhe facilitam "dar o bote" — e cheguei à conclusão de que praticamente todos os prismas da questão foram fartamente dissecados.

Então decidi passar por aqui pra tentar analisar o fato por outro ângulo — o do neocancelado —, e tentei me pôr no lugar do próprio Arthur. Como sou ficcionista, gosto de imaginar o que pensam pessoas de quem discordo. Então, a primeira coisa que pensei foi que Arthur soube ver nesse conflito uma oportunidade pra vestir a capa de herói empreendendo uma viagem arriscada no intuito de, fazendo o bem a uma população longínqua que sofre os horrores da guerra, aumentar o número de seus seguidores e, consequentemente, eleitores, visto que era pré-candidato ao governo de São Paulo. Percebam, estou fazendo essas conjecturas me pondo no lugar dele e cheguei a essa conclusão porque nunca o vi ter uma iniciativa semelhante dentro de seu próprio país; muito pelo contrário, na cidade onde ele é atualmente deputado estadual é conhecido por perseguir pessoas que fazem o que ele procurou fazer na Ucrânia, como o padre Júlio Lancellotti. Contraditório, não? Os pobres de sua cidade, onde ele cumpre mandato, não merecem seu respeito e sua generosidade, mas os de outro país sim?

Não vou me estender muito nesse ponto; sigamos. Eu já fui jovem, já tive companheiros de futebol e de mesa de bar, já disse asneiras como as que proferiu Arthur, já fui pra baladas com amigos e, tímido como sempre fui, pensei em embebedar garotas pra que fosse visto por elas como mais interessante etc. Entretanto, como além de tímido sempre fui também covarde, jamais consegui transformar pensamentos em atos e morria de inveja dos amigos "bons de lábia", cujas conquistas pareciam a meus olhos impossíveis proezas. Sob esse aspecto, admito que quase me compadeci de Arthur e tive pena dele por seu tiro no pé. Coitado, depois de toda essa odisseia que ele pensou que o fosse cobrir de glória, transformá-lo num imbatível super-herói e fazer de sua corrida ao governo uma barbada... morreu pela boca. Aliás, pela língua.

Agora, saio da mente de Arthurzinho e volto pra minha pra continuar a análise. O mundo me deu muita porrada e por meio dela me ensinou que eu precisava me desconstruir pra depois me reconstruir, caso contrário correria o risco de virar um ridículo tiozão arcaico engolido pelo próprio preconceito. Precisei reconhecer minha homofobia, meu racismo, meu machismo e outros "ismos" e "ias" e humildemente tratá-los. A música e a literatura — ofícios que exerço — me ensinaram muito, assim como minhas amizades — não só — nesse meio. Em relação às mulheres, aprendi que timidez e insegurança não dão a ninguém o direito de tratá-las como objeto e que ao desenvolver e aprimorar minhas competências artísticas e minha visão de mundo podia me transformar numa pessoa menos desinteressante e assim encontrar mentes afins com quem eu pudesse me relacionar de forma saudável e prazerosa.

Assim, voltando a Arthur e pensando nesse processo pelo qual passei, minha pena dele minguou, pois percebi que ele, apesar de seus 35 anos e seu cargo de pessoa pública e agente do povo da cidade de São Paulo, não evoluiu, não entendeu as mudanças de seu tempo; admitiu que teve falas de moleque, mas não compreendeu que não foram apenas as falas: ele também é ainda um moleque. Lentidão que tem atrapalhado seu crescimento não só intelectual, mas também como ser humano. Sem falar nas facilidades de uma vida burguesa que moldaram seu caráter falho e o fizeram crer que o dinheiro lhe confere privilégios que o tornam superior a outras camadas da sociedade que, economicamente falando, ele vê como sendo de subcidadãos. E foi aí que ele se deparou com seu calcanhar de aquiles e, sem querer — ou sem perceber —, demonstrou também seu racismo.

Explico: o Brasil, todos sabemos, é o resultado de muitas raças. Não podemos estereotipar um brasileiro. Quer dizer, até podemos, mas estaremos longe de entender a verdadeira brasilidade. Vou dar um exemplo: moro no Japão e pra mim, como brasileiro, é às vezes estranho sair às ruas e ver tantas pessoas com características físicas tão parecidas. Por quê? 1. Sinto falta do colorido da pluralidade brasileira. E 2. os japoneses são um povo que até hoje não sofreu grande mistura étnica. Assim, voltando mais uma vez a Arthur, seu deslumbre com as ucranianas, a quem chamou de "deusas", demonstra claramente seu preconceito de raça, comum aos brasileiros brancos e endinheirados que veem beleza a sua altura apenas nas brancas — e preferencialmente loiras. As demais pigmentações pertencem, na cabeça de um cara como Arthur, à senzala; e ele, pertencente à casa-grande, não pode — e não deve — reconhecer beleza nessas mulheres, nessas brasileiras, suas concidadãs. Eu diria que Arthur, mais que ofender as ucranianas, ofendeu as brasileiras.

Entretanto, sem se dar conta ele prestou um grande serviço à sociedade brasileira — maior do que o prestado à população ucraniana com sua brancaleônica viagem —, pois arrancou sua máscara e com esse ato revelou também a todos nós os rostos escondidos de seus demais companheiros de MBL, que, com ligeiras variações, pensam como ele. Não me refiro apenas em relação às mulheres, mas à sociedade como um todo. Não à toa Kim Kataguiri declarou recentemente ser favorável à legalização de um partido nazista no Brasil. Tanto em palavras quanto em atos, esses — nem tão — jovens do MBL mostram cada dia mais a que vieram. E mostram sobretudo que, por mais que tentem se vender como a terceira via, como pensamento de mundo continuam de braços dados com o bolsonarismo. Realmente, não eram só 20 centavos.

PS: Arthurzinho, com amigos como esses de seu grupo de WhatsApp, quem precisa de inimigos, né? Já dizia um velho ditado: dize-me com quem andas...

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