Não era minha intenção colocar esse figura entre Poli e Gabo, mas foi a única foto dos dois juntos que achei... |
Sim, em festa. Contrariando, inclusive, um de seus mais preciosos filhos na Terra, Chico Buarque, que, há alguns anos, talvez só pra caetanear, digo, contrariar, profetizou o fim da canção. E por que em festa? O que pertence ao reino das notas é difícil de explicar com palavras, mas, como sou teimoso, vou tentar. Estou aqui embevecido; se eu contar, vocês não vão acreditar, mas tenho a impressão de que meus pés pairam a dois ou três centímetros do chão. E não é efeito do vinho! Se bem que poderia ser, visto que o primeiro milagre do filho dEle foi justamente transformar água em vinho. Mas não, não é por isso. É porque num curto espaço de tempo (tempo dos homens, claro) tive duas amostras de Seu glorioso poder. Bem, pra ser sincero, desde que Chico "caetaneou", venho tendo razoáveis demonstrações do poder dEle, mas...
... mas dessa vez foi diferente, pois se trata de um duplo milagre. E foi TÃO diferente, que faço questão de, assim que possível, embrulhar esses dois milagres num único pacote e enviá-lo ao endereço do moço que outrora pediu ao Pai que afastasse dele aquele cálice. Este, garanto, ele vai ter prazer em sorver, gota a gota, nota a nota. Tá bom, tá bom! Dois parágrafos e meio de mistério estão de bom tamanho, né? Demos nomes aos bois. Melhor dizendo, chamar de bois é quase uma ofensa. Não entendo muito de gado, mas posso dizer que, na igreja de Meu Deus, esses dois são tipo aqueles bois vistosos, de alta estirpe, que os fazendeiros adquirem só pra emprenhar suas mimosas. Sim, porque a música que emana desses dois sujeitos é de deixar Deus babão que nem pai de primeira prole.
Refiro-me a (por ordem alfabética, pra não gerar rivalidade) Gabriel de Almeida Prado e Marcio Policastro. Agora explico o milagre: há um punhado de dias, Policastro me deu de presente (via e-mail, que nós somos sujeitos modernos) seu primeiro CD, Pequeno Estudo sobre o Karma, masterizado. Nesse dia, minha fé em Deus renasceu. Claro, após as palavras de Seu buarqueano cristinho, eu já andava um tanto descrente, mas o Karma de Policastro foi uma tijolada certeira em meu neoateísmo. Passei semanas me embebendo dele, pedindo perdão de meus pecados. Aliás, até agora, quando escrevo, ainda me sinto um tanto inebriado (não do vinho, mas) desse Karma. E não é que hoje, por similar percurso, recebo o golpe de misericórdia em meu recém-falecido ateísmo?
Refiro-me a A Língua e a Alma, de Gabriel de Almeida Prado. Daí, senti-me o próprio Pedro, quando Deus lhe falou que ele era pedra etc. e tal. Ou, como cantaria o grande Guilherme Rondon, "é felicidade demais"! E a felicidade é maior porque se trata de dois cantautores que, com seus respectivos trabalhos, estreiam em disco. Como disse acima, da blasfêmia buarqueana pra cá, já ouvi muita coisa que me deixou em estado de êxtase, como os novos discos de Luhli, Tavito, Affonso Moraes e muitos outros, só que estes são macacos velhos que já sabem celebrar a missa com o violão nas costas. Incluo nessa lista Affonsão porque, apesar de ter lançado seu primeiro disco só há pouco tempo, conhece do riscado desde antes de eu nascer. E olha que não sou exatamente um moço, pobre moço...
Mas com os dois pês, Policastro e Prado, a coisa é diferente. Apesar de o primeiro ter superado o grau de excelência 4.0 e o segundo se encontrar na excelente fase 2.5, ambos estão dando ao Universo seus primeiros trabalhos. E aqui, com a mão sobre a Bíblia, venho afirmar que o primeiro trabalho de cada artista costuma resultar mais em aprendizado que em alegria; e é justamente aí que Poli-Prado dão o pulo do gato. Estou aqui há uma eternidade (tempo dos homens, claro) repetindo a celebração como se estivesse no cinema assistindo a sessões múltiplas de Kurosawa ou Fellini. Exagero? Talvez; sou dado a exageros, mas não creio que seja o caso, quando venho por esta trazer a boa-nova e lhes afirmar que habemus duas novas obras-primas. Quem viver ouvirá!
Sou um cara ansioso. E, com o passar do tempo, se não aprendi a vencer a ansiedade, ao menos aprendi a... ceder a ela. É por isso que, em vez de esperar que os respectivos discos fossem prensados e viessem a público oficialmente, já meti os pés pelas mãos e resolvi escrever sobre eles. Pelo menos – como um antibuarque –, amanhã, quando esses dois trabalhos estiverem estourando por aí, vocês irão se lembrar de que fui o primeiro a profetizar. Mas por que escrever sobre os dois CDs ao mesmo tempo? Porque os considero complementares. O de Gabriel é solar, o de Marcio é noturno; o primeiro é lírico, o segundo é ácido; o primeiro é alegre, o segundo é nervoso; um é o positivo, o outro é o negativo; um diz que o mundo é mau, mas é uma maravilha, e o outro diz que já é hora de abrir sua caixa de pandora...
E é nesse pingue-pongue blues/rock, yin/yang (não me perguntem quem é qual), que os dois opostos se atraem, cada um expondo seu eu nu e cru, sem constrangimentos; pelo contrário, ambos vêm prontos pra incomodar, tal é o teor de rara verdade em vias de entrar por ouvidos tão mal-acostumados após tantas audições de mentiras perfumadas. É, meus caros! O som desses dois é a retumbante prova de que Deus está vivo, principalmente porque, nas entrelinhas de ambos trabalhos, o diabo está à solta, ministro que é do livre-arbítrio. Eu, fosse vocês, compraria os dois CDs ao mesmo tempo e iria intercalando uma canção de cada. Gabriel traz o sonho, a ficção; Policastro, o pesadelo, o terror. Contudo, por vezes as posições se invertem, como quando este diz "quero você, nem que seja apenas pra desorientar" e aquele constata que "o pai quer que seu filho caia no mesmo buraco".
Notaram? Se a vida não é uma ciência exata, menos ainda são esses dois trabalhos, que, em tempo (e é bom que se diga), tiveram como copilotos Daniel Pessoa do lado de Gabriel e Edu Malta do de Policastro. Fora os músicos, parceiros e demais tripulantes. Pra terminar, é preciso enfatizar que os dois álbuns que, in vitro, esperam o momento de vir à luz são dois incomensuráveis exemplos de que a boa escola brasuca de letra de música é como o samba: agoniza, mas não morre. Ou seja, quando – depois de tanto ouvirmos em música(?) sons semelhantes aos proferidos pelos neandertais – não esperávamos que mais nada de poético pudesse surgir na música brasileira, eis que esses dois moços (ambos ótimos letristas, independentemente das parcerias muitas) vêm mostrar aos tomés que, sim, ainda é tempo de milagres! Duvidam? Ponham o dedo aqui:
"Eu sou assim de tanto comer raios de sol"; "hoje eu não vou me defender [...], deixei o meu tanque de guerra na garagem"; "porque errar é humano e eu costumo exercer esse meu lado"; "no futuro eu só vejo o escuro de onde eu vim"; "respirar é combustível, mas é dose de veneno"; "peça ao esquadrão de fumaça que faça um X no seu paradeiro"; "que a vida abra o seu odu e me revele"; "ela é o pedaço de Bombril da minha antena"; "acho que não curto mais o teu mundinho cult"; "quero você, cair no labirinto e ali mesmo morar"; "é que o fim do mundo tá na hora de acabar"; "a palavra cruzada invadindo o oriente do meu medo"; "difícil é ser o seu próprio maestro"; "ela ofereceu um boquete ao taxista"; "e, assim, de modo indireto, ela faz desse sujeito um objeto"; "quando a dúvida assenta o medo dentro da artéria"; "esse amor é um sapato que escorrega"; "essa quentura gritante que no amor se renova"; ... "é preciso ter karma nessa hora"! Tive a falsa humildade de excluir meus versos...
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10. Sujeito Objeto
(Gabriel de Almeida Prado – Léo Nogueira)
11. Segunda Mão (participação de Kléber Albuquerque)
(Gabriel de Almeida Prado – Kléber Albuquerque)
(Gabriel de Almeida Prado – Kléber Albuquerque)
12. Rua da Saudade
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PS: Voltei aqui tempos depois desta publicação pra trazer pra vocês os dois CDs pra audição.
Ouça A Língua e a Alma na íntegra aqui:
Ouça A Língua e a Alma na íntegra aqui:
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Ouça Pequeno Estudo sobre o Karma na íntegra aqui.
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