quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Trinca de Copas: 37) Raquel Martins, Valdir Dafonseca e Vasco Debritto


Os anos não têm culpa do que fazemos com eles; portanto, quando dizemos que um ano foi terrível, nós é que fomos terríveis com ele. Há algumas exceções, e 2016 é certamente uma delas. 'Taqueopariu! O cara caprichou no bizarro, hem? Golpes, mortes, chacinas, tragédias, arrochos, desemprego, perdas de direitos... Afe! Paro por aqui antes de dizer que vou ir ali cortar os pulsos e já volto. Brincadeira, hem, seu 2016? O sr. foi tão fdp, que 2017 vai ter que fazer muita merda pra te superar! Mas a notícia boa é que se você está me lendo agora é porque conseguiu escapar das piores estatísticas. Portanto, temos motivos pra comemorar agora com música o definhamento deste miserento ano que não vai deixar saudades. Som na caixa, maestro!


1) O CARVÃO DA ALMA

Conheci há algum tempo numa das noites autorais do Caiubi uma talentosa compositora chamada Raquel Martins. Curti seu som, trocamos uma ideia e nos prometemos uma parceria futura. E ela não esqueceu a promessa. Recentemente, escreveu-me avisando que estava selecionando repertório pra um disco novo e adoraria contar com uma parceria comigo nele. Pus mãos à obra e finalizei uma letra que batizei de O Carvão da Alma, que lhe enviei por e-mail. Alguns dias depois, recebi o resultado final, uma tocante melodia que me emocionou bastante. Mais recentemente ainda, ela a interpretou em show no charmoso Teatro da Rotina. Como a filmaram, compartilho com vocês um pouquinho dessa noite que deve ter sido muito especial e essa igualmente especial parceria. A ela, pois:


O CARVÃO DA ALMA
Raquel Martins – Léo Nogueira

O rio, quando seca,
É que, em vez de ir pro mar, deságua no marasmo
E cai a peteca
Quando o lume da paixão se resume a um orgasmo

Acaba a partida

Quando o medo da derrota ganha da coragem
A dor é mais aguda
Numa carne sem cicatriz que vive só de imagem

Meu amor, afaste 

O abraço da solidão de nossa companhia
Não deixe que o guindaste
Caia violento sobre a paz de nosso dia a dia

Antes que o céu desabe

E o tédio corroa o cimento e todo o sentimento
Façamos o que nos cabe
Reencontrar na escuridão a luz do alumbramento

Drama vira trauma

E a chama se apaga
Quando a adaga no coração
Queima o carvão da alma

***

2) GRANDE CORAÇÃO

E 2016 levou também um parceiro meu: o grande Valdir Dafonseca. Não éramos muito próximos, mas havia entre nós um respeito mútuo – e admiração idem. Tanto, que fiquei feliz e lisonjeado quando em certa ocasião ele me convidou à parceria. Mandei-lhe uma letra caprichada, pensando já no samba que viria, e, pra surpresa minha, ele, sabedor de minha origem nordestina, acabou compondo um xote(!). Mas a canção da qual eu queria tratar agora é uma que tem um valor especial pra mim por motivos sentimentais. Outra querida, a grande cantora Lucia Helena Corrêa (que, se tiver sido atendida por Deus, deve estar morando hoje em Saturno), disse-me certa vez que descobrira, indo ao médico, que estava com um inchaço no coração. Não tive dúvidas e escrevi a letra em questão. Mostrei-lha, e ela adorou, só que pouco tempo depois veio a falecer. Como ela não iria mais poder cantá-la, enviei-a a outro parceiro que tivera desentendimentos com o malfadado órgão, mas ainda dessa vez a letra não virou canção. 

A verdade é que o tempo passou e eu já havia me esquecido dela quando há poucos meses me escreveu Valdir contando que a famigerada letra havia ido parar em suas mãos pelas de Lucia. E contou-me ele também que a havia musicado. E aqui é importante um parêntese: Valdir, grande sambista gravado por muita gente boa por aí (e professor de inglês nas horas vagas), era violonista, instrumento com o qual se apresentava; aliás, sua carreira discográfica começou no final da década de 1970. Porém, após um AVC que teve há alguns anos e que limitou seus movimentos do lado esquerdo do corpo, desenvolveu uma técnica que lhe permitiu trocar de instrumento: passou a tocar teclado – e apenas com a mão direita! Assim, a gravação que ora vocês ouvirão tem Valdir em voz acompanhado por si próprio ao teclado. Abusando da sinceridade, andei pensando em convidar algum amigo pra fazer um registro definitivo da canção, mas com o passamento de Valdir repensei e achei importante trazê-la pra cá como ele a concebeu. Valeu, Valdir! Onde estiver, receba meu abraço agradecido pela amizade e pelas parcerias. A ela: 

GRANDE CORAÇÃO
Valdir DafonsecaLéo Nogueira

Meu coração deu pra crescer
Já não quer mais caber em si
Um coração tão démodé
Que não se cansa de sentir
Ele não tá mais nem aí
E viciou-se no prazer

Recusa-se a bater em vão

Não sabe mais o seu lugar
Eu acho que o meu coração
Quer criar asas e voar
De madrugada, quer bailar
Enquanto sonha em ser balão

Ô, coração sem cabimento!

Ô, descabido coração!
Quer, entre cada batimento,
Arrebatar a imensidão

Marquei consulta no InCor

Pra ver se algum remédio há
Não escondi nada ao doutor
Do abecê ao beabá:
"Meu coração ficou gagá
E quer sair pelo gogó"

O tal doutor tomou-me a mão

Diagnosticou sem anestesia
Nem receitou medicação
E, sem nenhuma poesia,
Só disse o que eu já sabia
Que eu tenho um grande coração

Ô, coração sem cabimento!

Ô, descabido coração!
Quer, entre cada batimento,
Arrebatar a imensidão


PS1: O amigo Antonio Carlos entrevistou Valdir há poucos anos em sua revista eletrônica Ritmo Melodia. Vale a pena conferir (o link é este).

***

3) NO MUNDO DA LUA

Dia 27 último, aniversariou meu mano Vasco Debritto, que ultimamente anda exercitando seu lado matusalém. Estava eu pensando em quais canções trazer pra cá pra encerrar o ano, e seu aniversário me motivou a escolher uma nossa. E escolhi justo uma que nasceu de uma aposta. Tenho umas tantas parcerias com ele, quase sempre do modo mais tradicional, que é o de letrar uma melodia. Ou seja, ele me manda uma e eu componho pra ela a letra. E vez em quando ele me dizia: "Poxa, Leozinho, cê faz cada letra bonita com outros parceiros, por que não me manda uma dessas?" Expliquei-lhe que essas de que ele tinha gostado haviam nascido antes da melodia e eu as enviara a parceiros que têm o cacoete de musicar letras. Ao que ele me respondeu com outra pergunta: "E quem disse que eu não tenho?" Assim, preparei esta e lhe enviei – a tal a posta, pois na verdade eu não botava muita fé em que fosse resultar boa. E não é que ele me surpreendeu? Ouçamo-la, então. Nestes tempos de desamor, vem bem a calhar.

NO MUNDO DA LUA

Pra onde vai o meu amor,
Nas noites em que eu não amo?
Será que um disco voador
Vai colocá-lo em outro plano?

Nas noites em que o amor me falta

Onde será que ele flutua
Será que vira astronauta,
Perdido no mundo da lua?

Quando cai do meu coração,

Será que escorre pela guia?
Será que migra pro Japão?
Pois, nessas noites, lá é dia

O amor é como um cão sem dono

Igual a um gato vira-lata
Nas minhas noites de abandono
Sai o gaiato em serenata

E a minha alma segue morna

Dormindo dentro de um vulcão
Mas quando, um dia, o amor retorna
Sou eu quem perde a direção



PS2: Parabéns, Vaxquinho!

***

PS3: Curioso que esses dois parceiros cujo primeiro nome começa com a letra V tiveram a ideia de juntar o da/de ao sobrenome. Ah, em tempo: como creio que não publicarei mais nada este ano (a não ser em caráter extraordinário – o que, convenhamos, em se tratando de 2016 não seria difícil), desejo-lhes que em 2017 voltemos a estar ao volante, já que neste a experiência de ver tudo do banco de passageiros não resultou das melhores. Fé, meu povo! E mais amor, independente de ideologias. Aliás, o Amor devia ser a maior ideologia. Que tal ela pra viver?

***

2 comentários:

  1. Viva Leo, não resisti e partilhei a sua introdução no meu face, quando as coisas são boas gosto de partilhar (só oculto as más). Adorei tudo conhecia bem Waldir era um querido, no inicio demos turras por eu ser portuguesa, depois me aceitou mesmo com esse defeito e me chamava Tuga, senti muito a morte dele e fazem-me falta as nossas trocas de opinião.Parabéns você escreve mt bem . Abraço Mi Villela.

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