Não tinha a intenção de ser cabotino nesta série que se inicia (Ninguém me Conhece, conforme expliquei no texto anterior), mas estaria sendo no mínimo burro se não aproveitasse este espaço pra divulgar uma longa matéria que foi publicada domingo passado (falando de mim!) no jornal O Senador, de minha cidade, Senador Pompeu. Ainda mais porque, infelizmente, O Senador não possui edição digital. A matéria foi escrita por José Ribeiro, que, além de escrever semanalmente neste jornal a coluna Espie!, é professor de Literatura na Uece (Universidade Estadual do Ceará) e apresenta um programa em Fortaleza, pela rádio Difusora, chamado Ler e Rir, que trata de literatura e humor (!). Pra se ter uma ideia, o programa tem como vinheta de abertura a canção dos Beatles Let It Be, mas, no lugar da frase-título, ouve-se um "Ler e rir, ler e rir, ler e rir, ler e rir. Cearense sabe ler e rir". Um figuraça, como vocês lerão abaixo (a grafia para palavras estrangeiras é proposital). Mas "o cabra" é sério! É formado em Filosofia, Literatura e Jornalismo e já escreveu pra mais de 20 livros! Ei-la:
Léo Nogueira, de Senador Pompeu para o Mundo
Por José Ribeiro
caricatura feita por um artista cubano anônimo |
1) Baião de Um (Adolar Marin - Léo Nogueira)
Adolar Marin
Aqui no Ceará a arte até se banalizou, pois não tem um cearense que não seja artista. Espie! O palco é onde o cearense estiver. Desde o cabra que trabalha na roça até o adevogado, passando pelo faxineiro, pelo vendedor de coco na praia, pelo pedreiro, pelo professor, pelo cozinheiro... Até o político cearense é um artista! E não é porque eu esteja falando no masculino que estou com isso excludendo as mulheres. Não! Ave maria! Foi em solene solo cearense que nasceu a maior escritora mulher deste país: Rachel de Queiroz! E ela já escrevia num tempo em que a maioria das mulheres no Brasil era analfabeta! E, espie!, dava de quinze (sic) em muito escritor homem! E está comprovado por A + B que o pai do romance brasileiro foi ninguém menos que José de Alencar, que trouxe o índio para o protagonismo na literatura. Sem ele não haveria Machado de Assis, muito menos Guimarães Rosa. Sem falar que o maior poeta brasileiro, disparado, foi Patativa do Assaré. Sem demérito dos outros, claro.
Não vou nem falar de humor, pois Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcante, Tiririca, Falcão e mais tantos outros que fazem o Brasil mais sorridente só têm mais que o cearense comum uma coisa: a fama! Sim, porque todo cearense é humorista por natureza. Até o padre na missa faz graça. Até em velório é impossível ficar sério quando alguém lembra as presepadas do morto. E no cinema, então? Perto de José Wilker, Laurence Olivier vira um canastrão! E nós também temos nosso Spielberg: Karim Aïnoux. Repare no nome do cabra! Espie! Isso sabe ser chique! Já na área da dramaturgia, não tem pra Shakespeare, o cabra é Manuel Eduardo Pinheiro Campos, meu saudoso Manuelito! E o Xico Sá? Aquilo não vale um sibazol! E é metido a ator, escritor, cronista, galã das Iracemas da rua Agusta, em São Paulo... Espie! Mas eu não tô dizendo? Aliás, o cearense é um cidadão do mundo. Já foi encontrado cearense até na Sibéria. Cearense esquimó, então, nem se fala. A Nasa guarda a sete chaves documentos que revelam que Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, na realidade nasceu no Crato, e seu verdadeiro nome era Leonildo Armando Austregésilo Gomes. Mas isto o leitor de O Senador já sabe, pois já foi tema desta coluna. O que comprova que, onde se encontre um vivente, lá estará um cearense!
Agora, menino, se for pra falar de música, eu paro! Sim, paro! Porque aí dá vergonha! Pense no maior letrista do Brasil: Fausto Nilo. E o cabra ainda é arquiteto! Todo faceiro! E foi comprovado que a somatória de Chico Buarque mais Roberto Carlos resulta em Raimundo Fagner. Este, sim, o rei do Brasil! Não tem para ninguém! Vai de Tom Jobim a Zezé di Camargo, de Caetano Veloso a Amado Batista, de Villa-Lobos a Bartô Galeno. Este, sim, um tropicalista! Sem falar em Belchior (que ultimamente tem sido difamado pela mídia invejosa do Sudeste), Ednardo, Amelinha... e Humberto Teixeira, o verdadeiro gênio por trás de Luiz Gonzaga. E eu vou lhe falar uma coisa. Não devia, mas vou. Espie: Atualmente estou escrevendo a biografia não-autorizada de Chico Buarque de Hollanda, o ilustre cearense que é o segundo melhor compositor do Brasil. Sim, cearense! Depois de muita pesquisa, muitas entrevistas, muitos documentos averiguados, posso afirmar categoricamente que o homem da Geni é cearense!
Este ligeiro passeio por alguns dos ilustres nomes cearenses foi apenas um necessário prólogo para situar o menino Léo Nogueira no contexto desta prosa. Quem? Vocês me perguntarão. Ao que responderei que mesmo eu até bem pouco tempo nunca ouvira falar dele. Meu encontro com sua arte se deu por intermédio de um amigo em comum: o fabuloso e inédito bardo Sérgio-Veleiro (guarde esse nome!). Sergim estudou durante anos com meu filho mais velho, e, como o cabra tem uma visão de mundo de uma pessoa muito da antiga, apesar de sua pouca idade, tomei-me de afeto por ele, que acabou muito mais próximo de mim que de meu filho. Certo dia Sergim teceu calorosos elogios a um amigo que conquistara através das ondas da internete e, como eu o desconhecesse por completo, tirou de sua pasta um aparelho que toca mp3 e insistiu para que eu ouvisse uma canção chamada O Ninho da Serpente. Menino, foi paixão imediata. Fiz-lhe algumas perguntas, hábito do ofício, e acabei descobrindo que o tal do Nogueira era meu conterrâneo! Espie! Um cabra desmantelado lá dos cafundós de Senador Pompeu que viajara o mundo, casara com uma japonesa cantora de MPB (que lançara um CD com o sugestivo título Do Japão ao Ceará), e escrevia que era uma beleza! Aliás, escreve! Pois que, na flor da idade, está mais vivo que eu. Saí desse encontro que nem um lesado e me desabalei a procurar informações a respeito dele no gúgou, no iarrul, no maispeice, enfim, onde quer que tivesse o nome do desinfeliz.
E o material era farto! Averiguei que o cabra tinha para lá de 500 canções (como é que eu tinha passado a vida sem ouvi-lo?), mas cacei com método e decidi fazer um levantamento apenas de suas canções gravadas. O número caiu filadaeguamente, mas o material encontrado foi valioso. Só a japonesa sua esposa, cujo nome é Kana (mas não tô dizendo! Espie!), havia gravado clássicos relâmpagos da música brasileira em seus três CDs, como os xotes Bye, Bye Japão e Pipoca. O primeiro, inclusive, vencedor da FAMPOP, o maior festival de MPB fora do Ceará! Uma letra porreta de boa que conta em primeira pessoa a história (real) de uma japonesa caindo no forró. No verso em que ela canta "Mamãe, que diferença do Japão" eu me lasquei de rir (vou até usá-la no meu programa). Já Pipoca trata da solidão com uma abordagem moderna. Ponham sentido nestes versos: "Hoje eu comemorei meu aniversário/ coca-cola quente e pizza do congelador/ escutei Jobim/ enviei-me um e-mail/ convidei ninguém/ e ninguém veio/ [...] não é preciso navegar/ viver também não é". Arre égua! O cabra tem estilo! E foi navegar nos mares portugueses de Fernando Pessoa! Agora eu me esculhambei de chorar (porque se homem não chora, cabra safado chora!) ouvindo Pedra Branca, que, apesar de tratar da cidade de seus avós e não da sua, é de fazer um cabra desavisado perder o rumo da roça. "Minha flor plantei lá no norte/ mas um vento forte levou-a/ minha flor voou com a sorte/ e ainda agora voa". E, se a canção não fosse o que é, ainda valeria só pela rima rica levou-a/voa.
2) Triste Figura (Élio Camalle- Léo Nogueira)
Élio Camalle
Outra parceria iluminada é com o excelente compositor paulista Élio Camalle. Chamaram-me a atenção, entre tantas, Triste Figura e Vacas Magras. A primeira transporta Dom Quixote para as terras brasileiras. Vejam se não é uma obra-prima uma estrofe como esta: "Tem moinhos de vento na cabeça/ tá falando sozinho em espanhol/ cavaleiro andante às avessas/ se afogou pra salvar o pôr do sol". O bicho é violento! Risca a peixeira no chão do coração da gente, que só! Mas a minha preferida é a segunda, que se apropria de tema bíblico para retratar o desgaste de uma relação por meio de um diálogo entre homem e mulher. E aqui ele não renega o sangue. Um estropício pergunta para a mulher "pruquê que tu tá tão seca/ parece um mandacaru/ tu que era bela bisteca/ pruquê que seca ta tu?", ao que ela lhe responde "como as cabeça careca/ já foram uma cabeleira/ as vaca, as égua, as marreca/ no fim vão virar caveira/ se inté o açude resseca/ em tempos de estiage/ e os joão, os joaquim, os jeca/ vão tudo segui viagem/ o amô às vez tomém seca/ quando num é de verdade". Espie!
Com outro ótimo compositor paulista, Adolar Marin, fez um baião erudito épico chamado justamente Baião de Um, porque único. O cabra conta a história do mundo até os dias de hoje só para validar o momento de estar frente a frente com a mulher amada. Eita cantada da gota! De deixar Vinicius de Moraes roxo na tumba! Com outro paulista, Nelson Machado, fez a emocionante Estojo, que conta como um menino via, através de seus óculos de grau, "o que ninguém via". Mas o menino cresceu: "Eu não vejo mais você no espelho meu/ o rosto que me vê é velho/ Deus, a menina fugiu dos olhos seus/ com que olhos você me guia?". Vai pra lá, peste! Outra preciosidade, Hiroshima, feita com a excelente cantora carioca Clarisse Grova, trata do fim do amor eterno com versos desta envergadura: "O amor eterno morre/ não tem choro nem vela/ em Alphaville ou favela/ como o saquê vira porre/ pra samurai ou donzela/ no Ceará, no Japão/ no Rio, em Sampa, na China/ no orgasmo de quem ensina/ a bomba a estuprar o chão". Espie como o título é contextualizado de maneira sutil e ao mesmo tempo devastadora.
Outra que já se gastou no aparelho de som lá de casa é A Seta da Paixão, parceria com o baiano Ito Moreno. Esta vai na íntegra, pois o cabra gastou todo o estoque, espie: "Eu, um cabra véi desmantelado,/ um fuleiro, um safado,/ um ganzelão sem coração./ Eu, um bicho bruto, bagunceiro,/ mulherengo, cachaceiro,/ da boate pro salão./ Eu, abominave criatura,/ de peixeira na cintura/ só cançando confusão./ Eu, profissional do carteado/ logo eu, fui ser flechado/ pela seta da paixão./ Eu, que enfrentava até boi bravo/ e não dava um centavo/ pras presepada do amor./ Eu, um virgulino inguinorante,/ tô doente, delirante,/ tô comprando até fulô./ Eu, um imoral, um imundiça,/ no domingo ia na missa/ só pra ver o mulherio./ Ói cumé que eu tô fora dos eixo/ a roer, batendo os queixo/ e tremendo, sem ter frio./ Com tanto cabra besta por aí,/ por que logo eu, logo eu, logo eu?/ Balançando na rede, sem dormir./ Valha-me Deus! Valha-me Deus! Valha-me Deus!
Valha-me Deus! O espaço acabou! Mas você, senadorense, tem a obrigação de caçar essas e outras pérolas do cancioneiro brasileiro compostas por este ilustre filho de Senador, que é parceiro de nomes da mais fina cepa desta árvore grandiosa que é a música brasileira. Não que para um cearense a música tenha fronteiras. Fiquei sabendo que ele tem, fora a esposa, parceiros uruguaios, argentinos, japoneses, cubanos... Para ilustrar o gabarito do cabra, finalizo citando quatro nobres parceiros: Vicente Barreto, um baiano quase cearense de tão bom, autor de, entre tantos outros sucessos, Tropicana; o mineiro Tavito, que só faltava ser cearense para ser perfeito, autor de clássicos como Rua Ramalhete e Casa no Campo; Paquito D'Rivera, filho de Cuba, que é o Ceará do Caribe; e Zeca Baleiro, um maranhense porreta, e, em se tratando de música, o Maranhão está só a dois degraus de ser um Ceará.
Clarisse Grova
Ia me esquecendo: recebi por imêio Filho da Preta!, seu primeiro e ainda inédito romance. Por falta de tempo, ainda não terminei esta agradável leitura, e olhe que sou dos que ainda preferem o livro físico, mas averiguei que o cabra é afiado também na prosa, além de possuir grande originalidade prosopopeica. E de literatura eu entendo! Pretendo entrevistá-lo futuramente aqui no meu espaço dominical. Por ora, finalizo, antecipando o tema de minha coluna da próxima semana, com esta deixa: Jesus, todos sabemos onde nasceu. Mas Deus, que é brasileiro, nasceu no Estado do Ceará, como provarei semana que vem. Espie!
Fortaleza, 18 de julho de 2010.
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Que figurinha esse cabra, hein! Tirando todo o bairrismo, o cara é bom! Só não sei se sobra alguma coisa... hahahahaha!
ResponderExcluirBeijão!
Muito boa a matéria!!!!
ResponderExcluirMAs eu protesto! Eu também lancei Mala se alça!
:)))))))))))))))))))
Eu tb fui filadeguamente esquecido :P
Filadaeguamente é ótima, hem, Sonk? Que nem genteboíce.
ResponderExcluirRealmente faltou muita gente, o Cava, a Daisy, a Rosa dí Zinco... Mas se ele desembesta a citar todos, ia virar uma tese. Olha que eu tô bem gravado. Só esse mês chegaram dois CDs!
Danny, tirando o bairrismo "sobra eu". Hehe! Na minha parte ele não exagerou. Hahahah!!! Espie!
Beijos,
Léo.
Ô bicho doido... Ri a cântaros.
ResponderExcluirO Sonekka já que não entrou como parceiro poderia ter entrado na vez que cantou Vacas magras pra mim de frente pro mar de copacabana no Sindicato do Chopp. Em pleno Rio de Janeiro ele começou a cantarolar, não lembrou a letra toda, mas a cena me marcou.
Nunca esqueci aquele instante, a canção ficou na memória e quando voltei a Fortaleza fui atrás dessa canção. :-)
Veleiro (o sergim)
Eita bairrismo arretado!!! O Ceará só perde pro Maranhão... rsrs
ResponderExcluirBeijos, vizinho!!!
ahhh bueno!!!! pero que bien!!!
ResponderExcluirahora me dan ganas de conocer Ceará!!
pero como?? no era que dios era argentino¿???jajaj!!!
Lúcia, se a Bahia é Lutero e o Ceará é Cristo, o Maranhão deve ser São Pedro. Hahaha!!!
ResponderExcluirMarce, si has comprendido todo el texto, ya puedes hacer el examen de proficiencia (?) en portugués. Jajaja!!! Mira: Dios es brasileño, solo les dijo que era argentino para que ustedes no se quedaran com compplejo de inferioridad. Jeje!
Beijos y besos,
Léo.
pô magnânimo! seu niver e nem convidou para a bebemoration?????
ResponderExcluirParceiro,
ResponderExcluirParabéns, muitas felicidades pelo teu aniversário.
E parabéns pelo texto.
Já nos vemos.
Abraços
Daisoca:
ResponderExcluirÉ que por esses dias estou mais perto do Pedro do que de você. Hahaha!
Pedrão:
Valeu, mano! E até já!
Abração do
Léo.
Um abração Léo. Passei só pra dizer que adotei Senador Pompeu por um tempo. Acompanhe em blogdowalterlima
ResponderExcluirOlá, Walter. Como vai?
ExcluirMe deparei com esse seu comentário temporão por acaso. Grato pela visita e pela dica. Visitarei seu blogue, sim!
Abraço,
Léo.