terça-feira, 31 de outubro de 2017

Crônicas Desclassificadas: 190) A morte (não anunciada) do e-mail

Se você for uma pessoa hipersensível, pare de ler este texto imediatamente. Bom, quer continuar? A partir de agora, está por sua conta e seu risco. Só não vá reclamar depois dizendo que eu não avisei. Seguinte: é com muito pesar — e não poucas lágrimas derramadas — que venho por esta comunicar um falecimento. Senhoras e senhores, o e-mail partiu desta pra melhor! E o pior não é que ninguém sabia; o pior é que ninguém quis nem saber! A coisa foi assim se dando aos poucos, que nem aconteceu comigo em relação à televisão. Explico: no começo, só o fato de eu estar em casa já era sinônimo de tevê ligada. Depois, o hábito foi diminuindo, diminuindo — e tanto que nunca cheguei nem mesmo a comprar uma de plasma — até que um dia, quando percebi, já não havia mais uma na sala. E... sinceridade? Nem me faz falta.

domingo, 29 de outubro de 2017

Trinca de Copas: 39) Homenagem a Marito Correa

Soube da morte de Marito num sábado, véspera de uma viagem que tinha agendado fazia tempos. As lágrimas me pegaram de jeito; dias depois, transformei-as na homenagem abaixo, num tempinho que encontrei durante essa viagem. Contudo, o tempo passou e perdi a oportunidade de publicá-la. Assim, optei por esperar que chegasse a data de seu aniversário pra fazê-lo. E eis que a data chegou e, cumprindo a promessa que fiz a mim mesmo, venho oferecer flores em morte ao mano Marito, com a consciência tranquila de quem tantas vezes lhe ofereceu também em vida. Feliz aniversário, don Maritón! A festa aí no céu dos compositores deve estar sendo de arromba!

*** 

A primeira vez que perdi um amigo pra pálida dama foi traumático. Eu era jovem, e morte era algo que não fazia parte de minha realidade. Eu não morria; meus amigos e parentes não morriam; morte era um acontecimento que passava a outros, e a maioria das vezes apenas no cinema. Creio que não fui o único. Jovens em geral têm essa ilusão de eternidade. Todos nos sentimos meio que vampiros de filmes pra adolescentes. Aí o tempo passa, a fase adulta chega como uma bigorna que caísse em nossas cabeças, e com ela chegam também os fracassos, as desilusões... e a morte.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A Palavra É: 33) Cabral

Desde tempos imemorias, de guerra ou de paz (tanto faz), o concreto fato (do índio ao sem-teto) é que o pobre paga o pato; mas tenho cá pra mim que não foi sempre assim. No princípio (muito antes de protesto e comício), o índio, mais que cidadão, era tratado como pessoa, vivia numa boa e era levado em consideração. Claro, havia uma hierarquia, mas o da alta extremidade não tinha a leviandade de não dar bom-dia a quem quer que fosse, não fazia cu-doce nem se achava the best — e isso era inconteste. Todos eram iguais perante a lei — que, aliás, como direi? ... não havia. Mas uns não ficavam de barriga vazia nem outros tinham demais. O sexo não era tabu e até o nudismo era valorizado pra chuchu. Não havia catecismo e muito menos ateus — até porque, deuses, eles tinham os seus.

domingo, 22 de outubro de 2017

A Palavra É: 32) Vampiro

Hoje é sábado. Aliás, já é domingo — passou da meia-noite. Ouço o barulho da chuva lá fora. Nessas noites, quando escrevo, componho, leio, ouço música, vejo um filme, bebo etc. (e esse etc. pode ser o que você imaginar) — às vezes mais de uma coisa ao mesmo tempo — e me lembro de que preciso dormir... me dá uma inveja danada dos vampiros. Quisera ser um deles e aproveitar a noite toda — a eternidade toda? Ir do livro de poesia ao filme clássico em preto e branco, lapidar aquele verso manco, ouvir um bolero instrumental — como faço agora — ou simplesmente bebericar uma vodca — como faço agora. A vida não é justa. Trabalhamos muito mais tempo do que gostaríamos (e ganhamos, em geral, muito menos do que achamos que merecemos), e durante esse tempo as horas se arrastam...

domingo, 15 de outubro de 2017

Crônicas Classificadas: 46) As mulheres aladas de Oliverio Girondo

Por Michael Parkes
Há algum tempo, assisti a um sensacional filme argentino chamado El lado oscuro del corazón, que conta a história de um poeta que passa a vida procurando uma mulher que saiba voar — há uma continuação igualmente fatal! Ainda pretendo escrever sobre ele. Por ora, basta dizer que esse poeta costuma seduzir suas escolhidas recitando um fragmento do poema em prosa cuja primeira parte traduzi abaixo. A curiosidade foi tanta, que pesquisei até encontrar seu autor, o argentino Oliverio Girondo, baixei o livro (Espantapájaros — espantalho em português) onde se encontra esse poema e estou me deleitando (voando?) com a leitura. Ah, quanta gente genial há por aí de cuja obra não temos nem ideia... Mas deixemos de divagações e vamos ao voo:

domingo, 8 de outubro de 2017

A Palavra É: 31) Paralelepípedo

Tenho absoluta certeza de que num belo e ensolarado domingo (ou quiçá numa segunda chuvosa) vocês ainda me verão caminhando por aí, com aquele sorrisão de orelha a orelha, de bem com a vida, assoviando um samba antigo (que eu provavelmente terei acabado de inventar) e ostentando uma camiseta (talvez roubada da lojinha de Vlado Lima) onde poderão facilmente reconhecer um "I" em inglês seguido de um enorme coração e finalizando com um charmosérrimo "paralelepípedo" tingido de arco-íris em letras garrafais. Yes, people! I love paralelepípedo! Claro, a menos que eu esteja subindo uma rua de paralelepípedos dirigindo um fusca ano ____ (preencha a lacuna) amparado por quatro pneus carecas... Como tantas vezes soeu (e doeu) acontecer em meu passado.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

A Palavra É: 30) Rede

Quando levei minha esposa (que é japonesa, pra quem não sabe) pra conhecer a cidade em que nasci (Senador Pompeu, sertão do Ceará), tive algumas surpresas em relação a seu comportamento: a primeira foi o fato de ela ter adorado o caldinho, que meus parentes ofereciam religiosamente após o farto almoço, quase como se fosse uma sobremesa, mas na verdade sendo um prato sobressalente, só pros fortes. Eu, fraco, geralmente passava. A segunda coisa foi que ela, acostumada a dormir em tatames em seu país, adorou dormir em redes. Já eu, cearense corrompido por décadas de garoa, optava pela velha e boa cama (detalhe extrarredial: lá pras bandas de meu rincão o que não rola é tempo ruim; as mesas são fartas e a recepção é sempre acolhedora. Alguns parentes ficaram, inclusive, chateados porque não deu tempo de visitarmos todos).

domingo, 1 de outubro de 2017

Grafite na Agulha: 41) A modernidade etérea de Fernando Cavallieri

Pra começar, preciso afirmar que Fernando Cavallieri é um de meus compositores favoritos e que sua discografia tem um peso na balança de meus sentimentos como poucas tiveram até hoje no decorrer de minhas quase cinco décadas de vida regadas ao amor à música. Isto posto, a informação seguinte, e mais importante que a anterior, é que a primavera de 2017 nos presenteia, depois de um triste hiato, com um disco novo de Fernando Cavallieri. Fosse o Brasil um país digno de seu povo e da cultura que aqui pulula, essa informação por si só seria capaz de gerar capas de revistas e matérias de página inteira nos melhores cadernos de cultura dos jornalões brasileiros.