A primeira vez que ouvi falar a respeito de Renato Godá foi lendo uma crítica na Ilustrada, caderno de cultura da Folha de São Paulo, em que Ronaldo Evangelista, tal qual Pilatos, meio que na dúvida entre absolver e lavar as mãos, batia e assoprava. O cara na foto chamava a atenção, mas a dureza dos tons de cinza, digo, Evangelista, deixava subentendido que o melhor era se afastar. Estavam lá "clichê", "charme algo forçado", "chavequeiro de mão pesada" etc. Virei a página, mudei de assunto (lavei as mãos) e esqueci o moço.
1) Eu Sei (Renato Godá)
Tempos depois me deparei com ele novamente, agora na Rede Globo, mais precisamente no Som Brasil, que, então, homenageava Chico Buarque. Não me recordo bem dos demais participantes, mas o que sobreviveu daquele programa em minha lembrança foi justamente Godá. Moço bonito, como diria a Gabriela do Amado, bela voz e um charme que não me pareceu assim tão forçado. Lembrei-me da crítica e pensei em como um crítico pode afastar o público de um artista.
E me deu vontade de conhecer mais sobre ele. Cheguei a buscar seu disco em algumas lojas (sem muita gana, é verdade), mas, como não o encontrasse, novamente o acabei esquecendo. Mais algum tempo depois, encontrei-o no facebook (quando bem usadas, essas ferramentas aparentemente inúteis têm lá suas qualidades) e notei que em sua página de artista dava pra baixar gratuitamente seu "malhado" Canções para Embalar Marujos. Chegava a hora de saber se era verdade o evangelho segundo Ronaldo.
Um suspensinho básico, pra valorizar a trama: antes de falar minha opinião, e assim acabar o texto, é preciso acrescentar que nem tudo o que li sobre o moço estava de acordo com o Evangelista. Procurando Godá, enredei-me rede adentro e encontrei palavras menos duras vindas de escribas não destituídos de importância, como foi o caso do conterrâneo Xico Sá, que, a meu ver, sacou melhor a persona do cantante: "Renato Godá escreve canções de amor que reabilitam, em tempos corretos de lei antifumo, uma certa canalhice masculina com cheiro de cigarro e bourbon. [...] É compositor tirando uma onda da sua própria tristeza ou do universo que criou com a trilha sonora."
E na Bravo (o cara não é fraco, não!) João Gabriel de Lima não economiza palavras ainda mais eloquentes: "Numa época em que alguns dos novos compositores da nova música brasileira fazem tudo para soar herméticos – e só conseguem ser pedantes –, um álbum como Canções Para Embalar Marujos, de Renato Godá, se destaca na paisagem de lançamentos". Falô? Ah, como já disseram, nem vou dizer que ele bebe das fontes de Serge Gainsbourg, Tom Waits e Leonard Cohen (xi, disse!), basta dizer que, com esses elementos todos, eu já sabia, antes de ouvir, que o moço, agradasse ou não, "causava".
2) Chanson D'Amour (Renato Godá)
Finalmente, que rufem os tambores! Após a técnica de dar tensão ao texto e o artifício (manjado, eu sei) de citar este ou aquele, vamos ao que realmente importa (pelo menos pra mim, of course): minha opinião (rs)! Pois bem, uma coisa é certa, ninguém passa incólume por uma audição do supracitado disco. E eu não posso me furtar ao direito de exercer a mais pura sinceridade, afinal, este é um blogue sério, e os textos aqui publicados não são frutos de jabá (menos por idealismo que por oportunidade, enfim...). Mas deixemos de por-enquantos e vamos aos finalmentes. Contudo, tenhamos a fineza de pelo menos fazê-lo em parágrafo novo.
Resgatando a sinceridade que ficou perdida ali em cima, preciso dizer que a profissão de crítico não é das mais gratas, principalmente em se tratando de música. Imagine que um cara às vezes nem tem tempo pra absorver um trabalho e já precisa escrever sobre ele dia tal, porque senão o outro jornal publica primeiro e rouba os holofotes. E ouvir um disco, diria mais, apreciar um disco, não é coisa que possamos fazer assim rapidamente enquanto cortamos a unha encravada do pé. Há que se ter tempo. Hoje em dia, época em que as pessoas saem às ruas com seus fones de ouvidos de todos os tamanhos e cores, a música parece estar mais presente, porém, perdeu um pouco de seu encanto. Pra mim, que já nasci meio velho, ouvir um disco (CD, vá lá) é uma forma de oração (né, São Vinicius?).
E foi dessa forma que fui descobrindo Canções pra Embalar..., dando-me o prazer de ouvir e reouvir, deliciar-me com as melodias e com os belos e atemporais arranjos, sendo transportado pra um tempo um tanto vago, diria mesmo que me senti como se estivesse lendo um livro, talvez um de Cortázar, pois a ordem dos capítulos/canções não alterava a história que o disco me contava. E com o privilégio adicional de, após chegar a seu fim, não me aborrecer ante a hipótese de recomeçar o processo. Acho que assim são os grandes discos, não nos deixam em paz, não podemos abandoná-los por um bom tempo. E esse bendito grudou em mim como chiclete, mais, como droga pesada, e só o tempo mesmo pôde me fazer exercitar o desapego (a desintoxicação?).
Pra terminar, e mantendo o compromisso com a verdade, preciso dizer que uma coisa me incomodou em determinado momento da audição e me fez quase concordar em parte com o Evangelista: embora me estivesse sentindo completamente arrebatado pelo disco, vez em quando a sombra de uma dúvida me cobria o sol da certeza. Por vezes eu pensava estar sendo ludibriado, já que as letras me deixavam cismado, por não serem atuais, não retratarem meu tempo. Mas logo em seguida me pegava rebatendo: e daí? Eu não estava curtindo? Qual a necessidade de que uma letra de canção trate de assuntos atuais? Afinal, o moderninho de hoje é o arcaico de amanhã...
3) Cigarros e Café (Renato Godá)
E cheguei à conclusão de que o trabalho poderia ser mais bem apreciado se eu o entendesse como uma peça na qual um ator/cantor representa uma personagem, pois suas canções em geral falam de um mesmo cara perambulando por situações, épocas e lugares distintos. Avançando um pouco mais na sinceridade, isso não tira o brilho do trabalho, mas, de certa forma, limita. Claro que conheço apenas esse disco de Godá, mas, a exemplo de sua bela participação no Som Brasil cantando Chico, eu adoraria ver/ouvir esse talentoso artista abrindo o leque de suas possibilidades e tratando de outros assuntos em suas canções, explorando papéis menos confortáveis. Afinal, quando o ator é bom, como é seu caso, qualquer personagem é verossímil.
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Quando o ator é bom... Espia, ô do evangelho!
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Que surpresa boa, Leo, parabéns pelo trabalho e a oportunidade de rever amigos antigos como o Renato, queridíssimo! bjs
ResponderExcluirmarinacantora.mafea.com
Oi, querida! Só hoje vi que sua mensagem tinha caído no spam! Gratíssimo pela visita!
ExcluirBeijos
Tem razão, não tem como passar batido em uma audição do disco do Godá. Descobri ele na apresentação do Jô, acho que muitos conheceram por lá, quando cantou Kamikase. Lembro que eu fiquei impressionado com a qualidade da musica e aqueles versos tão refinados mas livres.
ResponderExcluirSe quiser, e nem postei só pra anunciar não, tem uma resenha do Canção no meu blog, bem antiga, qdo o disco saiu.
Renato precisa ser mais ouvido, sem dúvida. E parabéns pela sua crítica, curto muito critica musical e, infelizmente, pouco se faz no país.
Link segue, fique a vontade pra ler ou ignorar.
http://todomundomente.blogspot.com.br/2010/11/renato-goda-cancoes-para-embalar.html
Salve, Thiago! Grato pela visita e pelas palavras. Vi seu comentário já tava indo dormir, mas vou lá, sim. Valeu pelo link.
ExcluirAbração,
Léo.
gostei, bastante!
ResponderExcluirQue bom, Vanessinha! Fico contente em ter te apresentado o Godá. Ele é fera!
ExcluirBeijo,
Léo.