Hoje revisava um livro didático que versava acerca da história recente da poesia brasileira (mais precisamente da Semana de Arte Moderna até os dias correntes), suas influências, seus expoentes, afluências e afluentes, quando me peguei jogado sem paraquedas num céu de brigadeiro, digo, de poetas, esbarrando em Bandeiras, Quintanas, Drummonds, Joões Cabrais e tudo o mais... e olha que voltei pra casa ainda (di)vagando ao sabor dos ventos de suas primeiras páginas...
... e percebi que este blogue que se denomina O X do Poema raramente trata de poesia. Já expliquei no primeiro texto que aqui postei (este) as razões (e as limitações) que me levaram a tal escolha, já que na verdade eu pretendia mais rasurar impressões musicais que poéticas. Mas, convenhamos, música e poesia são artes irmãs, e estão mais vizinhas do que pensamos. Vinicius de Moraes está aí como divisor de águas pra não me deixar mentir.
Sempre digo que não gosto de nomenclaturas e tipos nenhuns de restrições. Não vai mudar o que faço saber se sou compositor ou letrista, se sou letrista ou poeta, se sou poeta ou prosador (ou fingidor); o que importa é se faço bem o que faço e com sinceridade, com o coração na ponta da lâmina. Mario Quintana certa vez escreveu que "pertencer a uma escola poética é o mesmo que ser condenado à prisão perpétua". Li isso hoje, admito, mas caiu como uma luva!
E acabei me vendo rabiscar uns versos que, praticamente contra minha vontade, saíram um tanto antimusicais, rebeldes, querendo dizer o que eles queriam dizer. Assim, levado por eles meio que como na canção de Paulinho da Viola ("não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar"), tentei ao menos ajudá-los a me guiar, pra que eu tivesse um pouco de voz nessa autoria. Ao fim deles, percebi que um nascimento se dá um tanto assim, à revelia dos progenitores. Afinal, acho que nem Deus sabia que o mundo ia dar no que deu (ao deus-dará). Eis o poema (poema?) que me saiu a fórceps:
REBENTAÇÃO
Ei, você, que se diz poeta!
Alto lá com essa caneta!
O papel aceita tudo
Carta, confissão, haicai, receita
Ele é seu criado mudo
E, calado, tudo aceita
Numa folha em branco tudo/nada cabe
O papel não tem opinião
Não importa o quão você se gabe
Ele, dócil, vai te dar razão
Ei, você, que se diz poeta!
Alto lá com essa caneta!
Antes do poema, pense
Comos e porquês, pra quem, pra quando
Quando você se convence
Pode estar só se enganando
Numa folha em branco morre/nasce um verso
Mas papel nenhum vai lhe dizer
Se é um verso bom ou se é o inverso
Ele existe só pra seu prazer
Ei, você, que se diz poeta!
Alto lá com essa caneta!
Pr'onde vai tão confiante?
Rima, redondilha, alegoria
Tudo posto, quem garante
Que resulte em poesia?
Uma folha em branco o mundo outrora era
Rebentou quando um poeta quis
Poesia é o fruto de quem gera
Poeta é quem é, não quem se diz
***
P.S. Como a interpretação de texto hoje em dia anda um tanto em baixa, e antes que alguém sem pecados resolva me atirar pedras, quero dizer que não sou contra o direito de cada cidadão de cometer uns versos no silêncio da alcova, protegido pelas quatro paredes de sua timidez. Escrever (não só versos) é exercício salutar, e todos deviam malhar tal região tão esquecida nas academias, mas daí a se julgar poeta há uma longa estrada a ser percorrida. O problema é que há muitos que "se dão ares", agem com empáfia, arrogância mesmo, como se fossem seres iluminados. Depois, quando vamos ver, tal atitude não se justifica em versos...
Digo mais: poesia (e a arte em geral) é como uma mulher, jamais vai se dar de bom grado a um arrogante. Pode até ser por este violada, que não compactuará com seu gozo. Mas não confundam arrogância com vaidade, pois esta não é condenável; temos muitos vaidosos por aí, time do qual nosso genial Caetano Veloso é camisa dez. A vaidade é o orgulho de saber-se bom na medida exata, a arrogância é enxergar-se com lentes de aumento. Claro que esta é apenas minha opinião. E, já que comecei com Quintana, com Quintana termino: "O profeta diz a todos: 'eu vos trago a verdade', enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: 'eu te trago a minha verdade.'"
***
Brilhante... como sempre, meu amigo Leo. Que saudade! LHC
ResponderExcluirLucia, a poesia aproxima o que a geografia afasta.
ExcluirBeijos,
Léo.
Cadê a poesia?
ResponderExcluiraquele verso que rondava tonto
entre a prosa e o conto
na procura, no encontro
que em mim acontecia
onde se escondeu a poesia?
em qual trincheira de palavras
bunker de fonemas
foi a poesia - desespero
e calmaria - se abrigar?
Que medo ou covardia
levou a poesia
a fugir desnorteada
antes de nascer o dia
no meio da madrugada
Que sentido sentimento
invadiu a casa fria
apagou a fogueira
quando em mim ela ardia
que ferido passarinho
vasculhou as gavetas
e manchou de tinta-sangue
o canto da camarinha
Cadê minha poesia?
cadê meu verso preso?
meu sentido sentimento
minha fogueira apagada
meu ferido passarinho
minha gaveta violada
meu sorriso em silêncio
Cadê minha poesia?
Sergio-Veleiro
http://sergioveleiro.wordpress.com
Você navega nela, Veleiro. Tá de blogue novo, é? nem avisa pros pobres...
ExcluirCometo versos
ResponderExcluirComo quem comete
Um pequeno pecado
Eles, tal crianças levadas
Saem quando menos espero
Mostro-os
Encabulada
Não lhes faço festa
Sei que, pra poeta
Falta-me muito feijão e arroz
Porém, no final, afirmo feliz
Sou apenas uma aprendiz
Dannoca, poesia é o que há por dentro da embalagem. Se você sabe disso, pode economizar o feijão com arroz, já tá no caminho certo. Tristes são aqueles que acham que poesia é o que há POR FORA DA EMBALAGEM...
ExcluirAprendizes somos todos, graças a Deus! Porque quem sabe tudo, esse tá fazendo hora-extra e ocupando a carteira de tanto aluno sem vaga nessa escola. rsrs
Beijos, de aprendiz pra aprendiz,
Léo.
Nossa!!! Comentes mult poético,mural dos bons!
ResponderExcluirSendo assim lá vai (Danny, I am also a learner)
...
Meu doce companheiro
De noites mal dormidas
Se me faltas, sou vela perdida.
Se me atropelas a alma
De versos e prosas,
Me domas como meu dono.
Nas rimas puras de meus versos
Imprimo suas palavras
Sopradas ao relento,
São líricas secretas
De seus cantos cedidos.
Tu és como o vento
Que me chama lá fora...
Olha que isso aqui tá parecendo o grupo da Lúcia Santos! Hahaha!
ExcluirBonito, bonita Lucinda!
Beijo,
Léo.
Precisa falar mais alguma coisa? Esta tudo dito e eu: assino em abaixo,rs!
ResponderExcluirValeu, Marta!
ExcluirBeijão do
Léo.
Maravilha, Léo! Sempre há poesia em cada postagem sua, mas gostei de ver poema desta vez. E ótimo poema, parabéns!
ResponderExcluirNão resisto e te deixo uns versos meus também:
EM TREMENTES
Entrementes traço
retas no redondo
voo marimbondo
beijo beija-flor.
Entrementes tremo
veias estremeço
veios pelo avesso
afogo no fogo.
Entrementes trinco
rompo meu allegro
quase desintegro
sísmica me cismo.
Entrementes troco
verbo pelo verso
sobre o submerso
mel amor emerge.
Entrementes truco
foco a estrela rara
visto a vista clara
vértice horizonto.
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(Esther Alcântara/2009 - poema musicado por Lio de Souza)
Oi, Esther! Estamos nos devendo aquela cervejaria, né?
ExcluirOlha que vou postar mais poemas por aqui. Os versos falam mais que simples opiniões.
Beijos,
Léo.
Na cara da natureza vejo os traços da beleza de um poema: Tudo é poesia.
ResponderExcluirSalve,Léo, poetas e poetisas presentes.Abraços
Valeu, Pedrão! E por falar em poeta, chegando mais um!
ExcluirAbração,
Léo.