No começo de 2005 me deu na cachola começar a escrever crônicas regularmente. Assim, estaria preparado pra quando a Folha de São Paulo enfim me descobrisse (hoje opto por O Povo). O fato é que, como não fui descoberto, acabei me cansando. Agora resolvi aproveitar este espaço e resgatá-las. Ah, o nome da coluna era (e ainda é) Crônicas Desclassificadas. Eis a primeira:
República dos Crachás
O tempo passa e as pessoas mudam, de acordo com a moda vigente. Apesar de a moda, como no livro de Lampedusa, procurar sempre a mudança no intuito de que tudo continue como está. Que o digam as calças boca de sino, se com suas enormes bocas não forem desprovidas de língua.
O fato é que hoje me dei conta do orgulho dos crachás. Explico: não sou tão velho assim e me lembro de que até há pouco tempo quem saísse na rua ou pegasse uma condução qualquer com o tal crachá pendurado ao peito em primeiro lugar o teria feito por esquecimento e em segundo lugar seria alvo de risinhos marotos por parte de quem dele se avizinhasse. Hoje, os empregados ostentam seus crachás como se fossem troféus ganhos em campo de batalha. Afinal, um emprego com direito a crachá não é todo dia que se consegue.
Talvez eu seja um nostálgico, mas é com um pingo de tristeza que noto a falta de ambição/perspectiva dos brasileiros. Posso estar fazendo uma tempestade num copo d’água (ou num crachá), e talvez esteja mesmo. Fora os mendigos, os desempregados e os ladrões (entenda-se por ladrões o que quiser), o trabalhador hoje tem poucas opções. Ou vira camelô, ou motoboy, ou perueiro, ou as dezenas de nomes chiques e eufemísticos para a batida “vendedor”.
Sendo assim, não há porque nos envergonharmos do crachá. Pelo contrário, temos mais é que expor esse ornamento magnífico, pendurado a correntes modernas, valorosos soldados que somos nesta guerra contra o desemprego. Não importa se vendemos o que ninguém quer ou se irritamos clientes (ou não clientes) ao telefone, o que importa é o crachá, nosso passaporte para que o futuro seja exatamente igual ao presente.
Belchior, que acertou quando disse que nossos ídolos ainda são os mesmos, apenas se esqueceu de acresentar que são os mesmos, embora diferentes. Até nosso ministro da Tropicália, que, com sua aparência de mero vagabundo, bradava: “nada de crachá, meu chapa, sou um escrachado”, hoje, muito bem vestido e ministro de outras culturas, também ostenta o seu.
São Paulo, 26/1/2005.
República dos Crachás
O tempo passa e as pessoas mudam, de acordo com a moda vigente. Apesar de a moda, como no livro de Lampedusa, procurar sempre a mudança no intuito de que tudo continue como está. Que o digam as calças boca de sino, se com suas enormes bocas não forem desprovidas de língua.
O fato é que hoje me dei conta do orgulho dos crachás. Explico: não sou tão velho assim e me lembro de que até há pouco tempo quem saísse na rua ou pegasse uma condução qualquer com o tal crachá pendurado ao peito em primeiro lugar o teria feito por esquecimento e em segundo lugar seria alvo de risinhos marotos por parte de quem dele se avizinhasse. Hoje, os empregados ostentam seus crachás como se fossem troféus ganhos em campo de batalha. Afinal, um emprego com direito a crachá não é todo dia que se consegue.
Talvez eu seja um nostálgico, mas é com um pingo de tristeza que noto a falta de ambição/perspectiva dos brasileiros. Posso estar fazendo uma tempestade num copo d’água (ou num crachá), e talvez esteja mesmo. Fora os mendigos, os desempregados e os ladrões (entenda-se por ladrões o que quiser), o trabalhador hoje tem poucas opções. Ou vira camelô, ou motoboy, ou perueiro, ou as dezenas de nomes chiques e eufemísticos para a batida “vendedor”.
Sendo assim, não há porque nos envergonharmos do crachá. Pelo contrário, temos mais é que expor esse ornamento magnífico, pendurado a correntes modernas, valorosos soldados que somos nesta guerra contra o desemprego. Não importa se vendemos o que ninguém quer ou se irritamos clientes (ou não clientes) ao telefone, o que importa é o crachá, nosso passaporte para que o futuro seja exatamente igual ao presente.
Belchior, que acertou quando disse que nossos ídolos ainda são os mesmos, apenas se esqueceu de acresentar que são os mesmos, embora diferentes. Até nosso ministro da Tropicália, que, com sua aparência de mero vagabundo, bradava: “nada de crachá, meu chapa, sou um escrachado”, hoje, muito bem vestido e ministro de outras culturas, também ostenta o seu.
São Paulo, 26/1/2005.
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