Antes do próximo texto, umas notinhas:
1) Tomei um susto quando indagorinha percebi que tenho seguidores. Agradeço a estes e prometo que, logo o saiba, também eu irei "na cola" de alguéns.
2) Resolvi começar a escrever este blog num feriado; achei mesmo que o dito cujo ia passar batido (pelo menos "até segunda-feira, quando volto a trabalhar, morena"), portanto, todos os comentários daqueles que preferiram me responder a estar em outro lugar são louváveis (eu também preferia estar em outro lugar, claro!). Agradeço a todos pelas palavras de carinho e incentivo.
3) Um amigo me mandou um e-mail no qual me puxava a orelha por minha pretensão em querer "mudar o mundo" por meio de meus rascunhos. Expliquei-lhe (e, pra que ninguém pense assim, achei por bem explicar aqui também... olha o eco!) que, da mesma forma como meu texto anterior inteiro foi escrito com acentuado humor, aquela afirmação não poderia ter sido escrita de forma diferente. Claro que não pretendo mudar o mundo... Dá uma preguiiiiiça... Mas, se conseguir afrouxar um ou dois parafusos de uma ou duas cabeças (que não deixam de ser mundos), já me darei por satisfeito. Qualquer dia desses aproveito este espaço pra contar como uma única pessoa afrouxou –diria mesmo espanou– uma meia dúzia de parafusos deste escriba. E de forma irremediável!
Escritos os três pontos acima, faço uma pequena introdução ao texto a seguir: pra quem não sabe, existe em São Paulo um clube, chamado Clube Caiubi de Compositores, que, como o nome já explica, dedica-se à música autoral. Seus membros organizam encontros semanais em algum bar da capital (agora a Liga da Justiça é o Lua Nova, no querido e maltratado Bexiga, sempre às segundas), e lá rola palco aberto pra quixotes que, em vez de cantar aquela do Djavan, preferem mostrar canções de sua própria lavra. Também eu sou frequentador (não muito assíduo, é verdade) do clube e lá tenho uns muitos parceiros. Pela importância das ideias do Caiubi, num momento em que a tevê propagandeia vozes vazias, aproveito pra alimentar este bloguinho com um texto que escrevi, a pedido de Maria Helena Barata, a respeito do clube, faz um ano e pouco.
Caiubi: Outro Clube, Outras Esquinas.
Conheci o Caiubi na época em que frequentavam apenas três ou quatro gatos pingados, na já lendária rua Caiubi, 420. Lembro-me de que na primeira vez que ali estive havia apenas uma mesa ocupada. Não era uma segunda-feira, portanto, não havia noite autoral. Mas o clube já gerava em seus membros uma espécie de dependência, de forma que, mesmo quando não havia música, era possível encontrar sempre uns três ou quatro proseando e bebendo. Na noite em questão lá estavam Tito Pinheiro, Lis Rodrigues, Henrique Barros, Zé Edu, Sonekka e mais um ou dois que me fugiram à memória. A atmosfera era romântica, mas não no sentido amoroso, e sim no sentido de ingenuidade. Pairava no ar, senti eu, algo que me remeteu a reuniões de partido comunista. Mesmo eu não as tendo jamais frequentado, imagino que fossem assim. Gente jovem, idealista, crente num sonho. Escrevo isso não de forma pejorativa, mas com admiração.
Entre aquela noite e a segunda visita houve um hiato grande. Não porque eu quisesse, mas porque na época morava longe à beça e não tinha carro. Quando solucionei o segundo problema e voltei a entrar por aquela mágica porta, um milagre tinha se dado. A casa estava cheia! E à medida que as horas avançavam chegava ainda mais gente. E o mais incrível: os que ali se encontravam faziam silêncio absoluto e ouviam atentamente todas as canções. Minto. O silêncio não era pleno. Algumas canções eram cantadas de cabo a rabo pela plateia. Tal como Zé Rodrix, também eu me encantei com a qualidade do que ouvi naquela noite. E na terceira, e na quarta, e na undécima...
Por falar em Zé Rodrix, seria injusto negar que muito do êxito do clube deveu-se a ele, que um dia foi convidado a conhecer a casa, sentou-se e passou ao menos duas horas maravilhando-se com uma sucessão de canções ótimas. E a tal ponto maravilhou-se que passou a ser, além de frequentador, curador do grupo. E foi responsável também pela aquisição de outro caiubista ilustre: Tavito!
Sem que me desse conta, já era eu um membro do clube. Aliás, éramos. Kana também adquiriu o mesmo vício. O fato é que as segundas ficaram pequenas pra tanta gente, e acabaram inaugurando também as quartas autorais, que, durante um tempo, ficaram até mais divertidas que as segundas. Mas também não foi o bastante. Logo veio a turma do samba reclamar as terças. Acabei não indo a nenhuma delas, mas sei que nasceram pérolas lá, como uma que virou praticamente um hino, o Terço Na Terça, de Affonso Moraes. Daí pra que houvesse uma agenda diária foi um pulo, e logo as sextas viraram laboratório de muitos artistas que faziam seus shows solo pela primeira vez. Mas também as sextas-feiras viram muitos artistas consagrados, como Celso Viáfora, Luhli, Zé Rodrix, Vicente Barreto… a lista é grande. O fato é que o nome Caiubi se espalhou por São Paulo e chegou aos ouvidos de muito compositor que sonhava com algo parecido mas não acreditava que fosse possível existir tal lugar. Claro que todo local com excesso de gente acaba gerando uma certa baderna. Mas até nisso o Caiubi era privilegiado. Contava com uma varandinha maneira e uma bananeira na calçada que viviam tão cheias de retardatários quanto a casa em si. Lógico que, como tudo que é democrático, havia também algumas apresentações sofríveis. Mas a turma, em vez de vaiar e constranger alguns garotos e garotas que, ensaiando seus primeiros acordes tinham ali sua “noite cabaçal”, como dizia/diz Vlado Lima, preferiam ir fumar um cigarrinho ou tomar uma cachacinha à sombra da bananeira.
E, obviamente, o espaço físico, embora se assemelhasse muito a um coração de mãe, não foi suficiente pra comportar tantos talentos e tanta gente ávida por ouvi-los. Daí vieram noites memoráveis em palcos alheios, como no Tuca, no Crowne Plaza, no Supremo Musical, no Villaggio Café, no Centro Cultural de São Paulo e mais numa porção de casas de shows onde a trupe caiubista passou a se apresentar, ora coletivamente, ora em voos solo. Sem falar no site do Caiubi, o primeiro, que foi residência de muitos poemas, crônicas, artigos, fotos e, principalmente, canções, estas, muito bem apresentadas por Sonekka, na saudosa Radiola. Daí pra que o clube virasse matéria de jornais e de programas de TV foi um pulo.
Isso tudo falando só de música. Na última sexta-feira de cada mês, a história era a mesma, mas os protagonistas eram outros: os poetas! Sob a batuta (e a extinta pistola de água) de Vlado Lima. Pra quem não acreditava que poesia desse ibope, lá estava o famoso Sopa de Letrinhas pra converter incrédulos. Creio até que algumas noites com maior número de público se deram nessas sextas.
Como todo grande movimento, o Caiubi teve participações efetivas nos grandes festivais de seu tempo. O mais recente festival da Rede Globo teve como vencedor nada mais nada menos que Ricardo Soares, com sua singela e inspirada Tudo Bem, Meu Bem. Como se não bastasse, o 2º lugar também foi dado a um caiubista, José Carlos Guerreiro, com Morte no Escadão, interpretada pela banda mineira Tianastácia. Creio que ambos não andavam pelas bandas de Perdizes na época, até porque acho que o clube ainda era então uma ideia apenas, mas, seguramente, depois do festival, foram figurinhas fáceis no Caiubi, que os recebeu de braços abertos, ao contrário da mídia, que não só os ignorou como algumas facções dela ainda os culparam por terem ganho. O engraçado é que sabemos de muitas histórias medonhas que ocorreram nas premiações dos festivais aintigos, mas este, se não primou pelo gosto do público, ao menos não foi tendencioso.
Já no festival da TV Cultura não se pode dizer o mesmo. Pena. Porque a festa prometia ser bonita, pelo menos no que dependesse das cores laranja das camisetas caiubistas, que compareceram em peso na torcida por Max Gonzaga, Rossa Nova, Celso Viáfora, Élio Camalle (estes dois últimos, embora não fossem habitués, já haviam frequentado muito o clube à época) e, por que não?, Ito Moreno, que também aparecia por lá, ainda que bissextamente. O resultado todos sabem. E as vaias, que não cabiam na rua Caiubi 420, saíram sonoras de bocas muitas, mesmo daquelas que não vestiam laranja...
E eis que o momento tão adiado por todos chegou. O momento de procurar nova sede. Não vou entrar em detalhes, pois o ocorrido foi doloroso, pra dizer o mínimo, mas o fato é que, ao entregarmos as chaves, vimos uma bela história correr o risco de virar fumaça. Tenho a alegria de ter contribuído pra uma solução imediata, que, se não foi a melhor, ao menos deixou o clube, na ocasião, respirando, até que aparecesse local mais adequado. Na época, um de meus parceiros, Marito Correa, era dono de uma casa no Bixiga, o Saracura. Falei com ele, e, alguns dias depois, o Clube Caiubi mudava-se pra rua Treze de Maio, 180. A sociedade durou pouco, assim como durou pouco a temporada no endereço seguinte, à rua Peixoto Gomide, 1052, no piso superior da Rio Botequins, próximo ao parque Trianon, nos Jardins.
Após muitas cabeçadas, o clube mudou-se pro endereço atual, à rua Teodoro Sampaio, 1229, em Pinheiros. Desta feita, a mudança se deveu a nova sociedade, agora com o crítico Mauro Dias, que acrescentava também ao endereço seu bar Mauro Noites. E, além de Mauro e Henrique Barros, uniu-se a eles Vlado Lima. Nascia aí o Vila Teodoro.
Romantismo + administração raramente renderam bons casamentos. E mais uma vez o Caiubi se viu à beira de um colapso. Após um divórcio não lá muito amigável, eis que Vlado ficou só, dirigindo “a bagaça”, como o próprio diria. Quer dizer, só não é a palavra mais adequada, pois nesse momento os compositores mais atuantes tomaram as dores pra si, e, quando o timão parecia querer ir de encontro aos icebergs, lá estavam eles, bravos marujos em tempos de maremotos.
Conheço o Villaggio Café há anos. Foi essa charmosa casa do Bixiga que deu oportunidade pra que Kana fizesse seu primeiro show no Brasil. E muitos outros. Lá conheci também muitos parceiros, e lá tive o privilégio de apresentar muitos artistas que acabaram fazendo muitos e memoráveis shows, como Fernando Cavallieri, Tavito, Bárbara Rodrix, Marcio Policastro, entre outros. E quais não foram minha surpresa e minha alegria ao saber que, nesse novo momento de tormenta, era justamente o Villaggio quem vinha oferecer sociedade ao clube. O Villaggio, com sua tradição, trazia então ao quase mambembe Caiubi justamente o que lhe faltava: profissionalismo. E este, por sua vez, oferecia ao Villaggio o que também lhe faltava: um público cativo e fiel. Explico: o Villaggio, apesar de muitos anos de existência, sempre fora uma casa que tinha shows diferentes a cada dia, daí que o público que vinha sempre era diferente, geralmente trazido pelo artista da noite. Agora, associando-se ao Caiubi, nascia uma nova época pras duas marcas. Obviamente, como tudo que se profissionaliza, os preços sofreram certa “verticalização”, afinal, o que sempre fora um boteco com música ao vivo, agora virava a mais nova opção paulistana. E a mudança pôde-se perceber logo nos primeiros dias, fosse no charmoso resultado da reforma, fosse no telão atrás do palco, nas luzes e na variação do cardápio. Embora tudo esteja melhor que antes, estaria mentindo se dissesse que não sinto falta do clima da rua Caiubi 420, da Marta e do Dandu, do garçom baixista cujo nome me escapa, de algumas outras figurinhas que se perderam no tempo e da Itaipava geladinha, trincando. Mas paro por aqui, ou vão me chamar de nostálgico, quiçá romântico...
Uma coisa é certa: por conta do Psiu, na rua Caiubi a noitada tinha que terminar impreterivelmente à meia-noite, o que fazia a noite começar e terminar mais cedo. Atualmente as apresentações, mesmo com a bela ideia dos pocket-shows, tendem a varar a madrugada, o que, pra uma segunda-feira, afasta muito público… e alguns artistas.
No Caiubi percebi que é possível manter uma nova relação entre público e artista, pois lá, apesar de existir o palco, não existe o pedestal. Às mesas, sentam-se juntos artista e público, e com estes os laços de amizade também se cultivam, tanto que alguns chegam a desempenhar papéis importantes no clube, como filmar, colaborar na administração etc.
Lá também se formaram muitos grupos, como a Trinca Caiubi, os Tropeçalistas, o 4+1, o TONQ; também outros grupos apareceram já prontos, como o Rossa Nova; já asparcerias… ah, essas são um capítulo à parte. Não à toa, Sonekka (sempre ele) nos brindou ano passado com o novo site, que está espalhando por outras esquinas, ainda que virtuais, nosso pequeno clube da Caiubi 420.
Por falar em parcerias, e como essa história ainda vai longe, termino esse relato citando, por ordem alfabética, os parceiros que adquiri que frequentam ou frequentaram o Caiubi. São eles: Adolar Marin (caiubista bissexto), Affonso Moraes (de disco novo, maravilhoso), Alê Cueva (ou o sr. violão), Alexandre Lemos (temos duas que eu curto muito, já ele, nem tanto), Álvaro Cueva (meu querido parceiro, também do 4+1, e agora tripai), Apá Silvino (caiubista do Ceará, minha conterrânea… foi difícil laçar esta mulher!), Bárbara Rodrix (talento à flor da pele, nossa parceria é de uma empatia incrível), Clarisse Grova (caiubista carioca, grande voz, parceira prolífera), Daniel Pessoa (outro casca grossa, parceirar com ele não é pra qualquer um), Élio Camalle (meu maior parceiro, não apenas em quantidade, e meu irmão adotivo), Fernando Cavallieri (meu grande amigo de poucas parcerias), Guilherme Rondon (ano passado tive o orgulho e o privilégio de emplacar uma com ele), Ito Moreno (outro bissexto, baiano notável), Kaká Silva (ou o sr. samba), Kana (minha japinha do coração), Lalo Guanaes (voz de veludo, belas melodias, nossa Garrafas ao Mar é meu xodó), Léo Costa (assim como Bráu Mendonça, violão pra toda obra), Lis Rodrigues (minha parceirinha querida, já compusemos num só copo), Lu Farias (com a sumida Lulu fiz duas belas canções), Lúcia Santos (esta, cadeira cativa no Sopa, antes de voltar pro Maranhão, venci pelo cansaço), Luhli (outra caiubista carioca, temos uma filha única, mas bela), Madan (será um caiubista? E por que não? Afinal, falou em Madan, falou em coletivo), Márcio Bragança (outro caiubista carioca, temos também uma filha única), Marcio Policastro (um dos meus mais prolíficos parceiros, outro irmão adotivo, grande sagitariano), Marito Correa (participou do clube quando à rua Treze de Maio, temos belas canções), Nando Távora (a nata do samba paulista, não me dá muita bola, mais emplaquei uma com ele também, igualmente olvidada), Nilton Bustamante (um lorde, poeta de fazer uma por dia), Paulinho das Frases e Raul Navarro (cito estes dois juntos pois numa tarde passaram de alunos de letra a parceiros), Rafael Iasi (boa-pinta, veia pop nervosa), Rafael Leite (a voz e o violão das raízes do interior, outro talentoso sagitariano), Ricardo Moreira (simpatia, talento e humildade), Ricardo Soares (o cara!), Roney Giah (temos duas meias, o que dá o total de uma inteira, ou, na pior das hipóteses, um par pros sapatos), Sonekka (o braço direito do clube [e o esquerdo]), Tatiana Rocha (caiubista campineira.. ou será baiana? Ou será carioca?), Tato Fischer (ou o mago [não só] dos teclados), Tavito (se todos fossem iguais a você), Tito Pinheiro (o imparceirável… mas eu, teimoso, lacei-o também), Valdir da Fonseca (a elegância do samba… mas temos um xote!), Zé Edu Camargo (já demos algumas canetadas juntos) e Zé Rodrix (o papa do Caiubi!).
Outros virão.
Léo Nogueira
São Paulo, 3 de janeiro de 2009.
1) Tomei um susto quando indagorinha percebi que tenho seguidores. Agradeço a estes e prometo que, logo o saiba, também eu irei "na cola" de alguéns.
2) Resolvi começar a escrever este blog num feriado; achei mesmo que o dito cujo ia passar batido (pelo menos "até segunda-feira, quando volto a trabalhar, morena"), portanto, todos os comentários daqueles que preferiram me responder a estar em outro lugar são louváveis (eu também preferia estar em outro lugar, claro!). Agradeço a todos pelas palavras de carinho e incentivo.
3) Um amigo me mandou um e-mail no qual me puxava a orelha por minha pretensão em querer "mudar o mundo" por meio de meus rascunhos. Expliquei-lhe (e, pra que ninguém pense assim, achei por bem explicar aqui também... olha o eco!) que, da mesma forma como meu texto anterior inteiro foi escrito com acentuado humor, aquela afirmação não poderia ter sido escrita de forma diferente. Claro que não pretendo mudar o mundo... Dá uma preguiiiiiça... Mas, se conseguir afrouxar um ou dois parafusos de uma ou duas cabeças (que não deixam de ser mundos), já me darei por satisfeito. Qualquer dia desses aproveito este espaço pra contar como uma única pessoa afrouxou –diria mesmo espanou– uma meia dúzia de parafusos deste escriba. E de forma irremediável!
Escritos os três pontos acima, faço uma pequena introdução ao texto a seguir: pra quem não sabe, existe em São Paulo um clube, chamado Clube Caiubi de Compositores, que, como o nome já explica, dedica-se à música autoral. Seus membros organizam encontros semanais em algum bar da capital (agora a Liga da Justiça é o Lua Nova, no querido e maltratado Bexiga, sempre às segundas), e lá rola palco aberto pra quixotes que, em vez de cantar aquela do Djavan, preferem mostrar canções de sua própria lavra. Também eu sou frequentador (não muito assíduo, é verdade) do clube e lá tenho uns muitos parceiros. Pela importância das ideias do Caiubi, num momento em que a tevê propagandeia vozes vazias, aproveito pra alimentar este bloguinho com um texto que escrevi, a pedido de Maria Helena Barata, a respeito do clube, faz um ano e pouco.
Caiubi: Outro Clube, Outras Esquinas.
Conheci o Caiubi na época em que frequentavam apenas três ou quatro gatos pingados, na já lendária rua Caiubi, 420. Lembro-me de que na primeira vez que ali estive havia apenas uma mesa ocupada. Não era uma segunda-feira, portanto, não havia noite autoral. Mas o clube já gerava em seus membros uma espécie de dependência, de forma que, mesmo quando não havia música, era possível encontrar sempre uns três ou quatro proseando e bebendo. Na noite em questão lá estavam Tito Pinheiro, Lis Rodrigues, Henrique Barros, Zé Edu, Sonekka e mais um ou dois que me fugiram à memória. A atmosfera era romântica, mas não no sentido amoroso, e sim no sentido de ingenuidade. Pairava no ar, senti eu, algo que me remeteu a reuniões de partido comunista. Mesmo eu não as tendo jamais frequentado, imagino que fossem assim. Gente jovem, idealista, crente num sonho. Escrevo isso não de forma pejorativa, mas com admiração.
Entre aquela noite e a segunda visita houve um hiato grande. Não porque eu quisesse, mas porque na época morava longe à beça e não tinha carro. Quando solucionei o segundo problema e voltei a entrar por aquela mágica porta, um milagre tinha se dado. A casa estava cheia! E à medida que as horas avançavam chegava ainda mais gente. E o mais incrível: os que ali se encontravam faziam silêncio absoluto e ouviam atentamente todas as canções. Minto. O silêncio não era pleno. Algumas canções eram cantadas de cabo a rabo pela plateia. Tal como Zé Rodrix, também eu me encantei com a qualidade do que ouvi naquela noite. E na terceira, e na quarta, e na undécima...
Por falar em Zé Rodrix, seria injusto negar que muito do êxito do clube deveu-se a ele, que um dia foi convidado a conhecer a casa, sentou-se e passou ao menos duas horas maravilhando-se com uma sucessão de canções ótimas. E a tal ponto maravilhou-se que passou a ser, além de frequentador, curador do grupo. E foi responsável também pela aquisição de outro caiubista ilustre: Tavito!
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Sem que me desse conta, já era eu um membro do clube. Aliás, éramos. Kana também adquiriu o mesmo vício. O fato é que as segundas ficaram pequenas pra tanta gente, e acabaram inaugurando também as quartas autorais, que, durante um tempo, ficaram até mais divertidas que as segundas. Mas também não foi o bastante. Logo veio a turma do samba reclamar as terças. Acabei não indo a nenhuma delas, mas sei que nasceram pérolas lá, como uma que virou praticamente um hino, o Terço Na Terça, de Affonso Moraes. Daí pra que houvesse uma agenda diária foi um pulo, e logo as sextas viraram laboratório de muitos artistas que faziam seus shows solo pela primeira vez. Mas também as sextas-feiras viram muitos artistas consagrados, como Celso Viáfora, Luhli, Zé Rodrix, Vicente Barreto… a lista é grande. O fato é que o nome Caiubi se espalhou por São Paulo e chegou aos ouvidos de muito compositor que sonhava com algo parecido mas não acreditava que fosse possível existir tal lugar. Claro que todo local com excesso de gente acaba gerando uma certa baderna. Mas até nisso o Caiubi era privilegiado. Contava com uma varandinha maneira e uma bananeira na calçada que viviam tão cheias de retardatários quanto a casa em si. Lógico que, como tudo que é democrático, havia também algumas apresentações sofríveis. Mas a turma, em vez de vaiar e constranger alguns garotos e garotas que, ensaiando seus primeiros acordes tinham ali sua “noite cabaçal”, como dizia/diz Vlado Lima, preferiam ir fumar um cigarrinho ou tomar uma cachacinha à sombra da bananeira.
E, obviamente, o espaço físico, embora se assemelhasse muito a um coração de mãe, não foi suficiente pra comportar tantos talentos e tanta gente ávida por ouvi-los. Daí vieram noites memoráveis em palcos alheios, como no Tuca, no Crowne Plaza, no Supremo Musical, no Villaggio Café, no Centro Cultural de São Paulo e mais numa porção de casas de shows onde a trupe caiubista passou a se apresentar, ora coletivamente, ora em voos solo. Sem falar no site do Caiubi, o primeiro, que foi residência de muitos poemas, crônicas, artigos, fotos e, principalmente, canções, estas, muito bem apresentadas por Sonekka, na saudosa Radiola. Daí pra que o clube virasse matéria de jornais e de programas de TV foi um pulo.
Isso tudo falando só de música. Na última sexta-feira de cada mês, a história era a mesma, mas os protagonistas eram outros: os poetas! Sob a batuta (e a extinta pistola de água) de Vlado Lima. Pra quem não acreditava que poesia desse ibope, lá estava o famoso Sopa de Letrinhas pra converter incrédulos. Creio até que algumas noites com maior número de público se deram nessas sextas.
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Como todo grande movimento, o Caiubi teve participações efetivas nos grandes festivais de seu tempo. O mais recente festival da Rede Globo teve como vencedor nada mais nada menos que Ricardo Soares, com sua singela e inspirada Tudo Bem, Meu Bem. Como se não bastasse, o 2º lugar também foi dado a um caiubista, José Carlos Guerreiro, com Morte no Escadão, interpretada pela banda mineira Tianastácia. Creio que ambos não andavam pelas bandas de Perdizes na época, até porque acho que o clube ainda era então uma ideia apenas, mas, seguramente, depois do festival, foram figurinhas fáceis no Caiubi, que os recebeu de braços abertos, ao contrário da mídia, que não só os ignorou como algumas facções dela ainda os culparam por terem ganho. O engraçado é que sabemos de muitas histórias medonhas que ocorreram nas premiações dos festivais aintigos, mas este, se não primou pelo gosto do público, ao menos não foi tendencioso.
Já no festival da TV Cultura não se pode dizer o mesmo. Pena. Porque a festa prometia ser bonita, pelo menos no que dependesse das cores laranja das camisetas caiubistas, que compareceram em peso na torcida por Max Gonzaga, Rossa Nova, Celso Viáfora, Élio Camalle (estes dois últimos, embora não fossem habitués, já haviam frequentado muito o clube à época) e, por que não?, Ito Moreno, que também aparecia por lá, ainda que bissextamente. O resultado todos sabem. E as vaias, que não cabiam na rua Caiubi 420, saíram sonoras de bocas muitas, mesmo daquelas que não vestiam laranja...
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E eis que o momento tão adiado por todos chegou. O momento de procurar nova sede. Não vou entrar em detalhes, pois o ocorrido foi doloroso, pra dizer o mínimo, mas o fato é que, ao entregarmos as chaves, vimos uma bela história correr o risco de virar fumaça. Tenho a alegria de ter contribuído pra uma solução imediata, que, se não foi a melhor, ao menos deixou o clube, na ocasião, respirando, até que aparecesse local mais adequado. Na época, um de meus parceiros, Marito Correa, era dono de uma casa no Bixiga, o Saracura. Falei com ele, e, alguns dias depois, o Clube Caiubi mudava-se pra rua Treze de Maio, 180. A sociedade durou pouco, assim como durou pouco a temporada no endereço seguinte, à rua Peixoto Gomide, 1052, no piso superior da Rio Botequins, próximo ao parque Trianon, nos Jardins.
Após muitas cabeçadas, o clube mudou-se pro endereço atual, à rua Teodoro Sampaio, 1229, em Pinheiros. Desta feita, a mudança se deveu a nova sociedade, agora com o crítico Mauro Dias, que acrescentava também ao endereço seu bar Mauro Noites. E, além de Mauro e Henrique Barros, uniu-se a eles Vlado Lima. Nascia aí o Vila Teodoro.
Romantismo + administração raramente renderam bons casamentos. E mais uma vez o Caiubi se viu à beira de um colapso. Após um divórcio não lá muito amigável, eis que Vlado ficou só, dirigindo “a bagaça”, como o próprio diria. Quer dizer, só não é a palavra mais adequada, pois nesse momento os compositores mais atuantes tomaram as dores pra si, e, quando o timão parecia querer ir de encontro aos icebergs, lá estavam eles, bravos marujos em tempos de maremotos.
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Conheço o Villaggio Café há anos. Foi essa charmosa casa do Bixiga que deu oportunidade pra que Kana fizesse seu primeiro show no Brasil. E muitos outros. Lá conheci também muitos parceiros, e lá tive o privilégio de apresentar muitos artistas que acabaram fazendo muitos e memoráveis shows, como Fernando Cavallieri, Tavito, Bárbara Rodrix, Marcio Policastro, entre outros. E quais não foram minha surpresa e minha alegria ao saber que, nesse novo momento de tormenta, era justamente o Villaggio quem vinha oferecer sociedade ao clube. O Villaggio, com sua tradição, trazia então ao quase mambembe Caiubi justamente o que lhe faltava: profissionalismo. E este, por sua vez, oferecia ao Villaggio o que também lhe faltava: um público cativo e fiel. Explico: o Villaggio, apesar de muitos anos de existência, sempre fora uma casa que tinha shows diferentes a cada dia, daí que o público que vinha sempre era diferente, geralmente trazido pelo artista da noite. Agora, associando-se ao Caiubi, nascia uma nova época pras duas marcas. Obviamente, como tudo que se profissionaliza, os preços sofreram certa “verticalização”, afinal, o que sempre fora um boteco com música ao vivo, agora virava a mais nova opção paulistana. E a mudança pôde-se perceber logo nos primeiros dias, fosse no charmoso resultado da reforma, fosse no telão atrás do palco, nas luzes e na variação do cardápio. Embora tudo esteja melhor que antes, estaria mentindo se dissesse que não sinto falta do clima da rua Caiubi 420, da Marta e do Dandu, do garçom baixista cujo nome me escapa, de algumas outras figurinhas que se perderam no tempo e da Itaipava geladinha, trincando. Mas paro por aqui, ou vão me chamar de nostálgico, quiçá romântico...
Uma coisa é certa: por conta do Psiu, na rua Caiubi a noitada tinha que terminar impreterivelmente à meia-noite, o que fazia a noite começar e terminar mais cedo. Atualmente as apresentações, mesmo com a bela ideia dos pocket-shows, tendem a varar a madrugada, o que, pra uma segunda-feira, afasta muito público… e alguns artistas.
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No Caiubi percebi que é possível manter uma nova relação entre público e artista, pois lá, apesar de existir o palco, não existe o pedestal. Às mesas, sentam-se juntos artista e público, e com estes os laços de amizade também se cultivam, tanto que alguns chegam a desempenhar papéis importantes no clube, como filmar, colaborar na administração etc.
Lá também se formaram muitos grupos, como a Trinca Caiubi, os Tropeçalistas, o 4+1, o TONQ; também outros grupos apareceram já prontos, como o Rossa Nova; já asparcerias… ah, essas são um capítulo à parte. Não à toa, Sonekka (sempre ele) nos brindou ano passado com o novo site, que está espalhando por outras esquinas, ainda que virtuais, nosso pequeno clube da Caiubi 420.
Por falar em parcerias, e como essa história ainda vai longe, termino esse relato citando, por ordem alfabética, os parceiros que adquiri que frequentam ou frequentaram o Caiubi. São eles: Adolar Marin (caiubista bissexto), Affonso Moraes (de disco novo, maravilhoso), Alê Cueva (ou o sr. violão), Alexandre Lemos (temos duas que eu curto muito, já ele, nem tanto), Álvaro Cueva (meu querido parceiro, também do 4+1, e agora tripai), Apá Silvino (caiubista do Ceará, minha conterrânea… foi difícil laçar esta mulher!), Bárbara Rodrix (talento à flor da pele, nossa parceria é de uma empatia incrível), Clarisse Grova (caiubista carioca, grande voz, parceira prolífera), Daniel Pessoa (outro casca grossa, parceirar com ele não é pra qualquer um), Élio Camalle (meu maior parceiro, não apenas em quantidade, e meu irmão adotivo), Fernando Cavallieri (meu grande amigo de poucas parcerias), Guilherme Rondon (ano passado tive o orgulho e o privilégio de emplacar uma com ele), Ito Moreno (outro bissexto, baiano notável), Kaká Silva (ou o sr. samba), Kana (minha japinha do coração), Lalo Guanaes (voz de veludo, belas melodias, nossa Garrafas ao Mar é meu xodó), Léo Costa (assim como Bráu Mendonça, violão pra toda obra), Lis Rodrigues (minha parceirinha querida, já compusemos num só copo), Lu Farias (com a sumida Lulu fiz duas belas canções), Lúcia Santos (esta, cadeira cativa no Sopa, antes de voltar pro Maranhão, venci pelo cansaço), Luhli (outra caiubista carioca, temos uma filha única, mas bela), Madan (será um caiubista? E por que não? Afinal, falou em Madan, falou em coletivo), Márcio Bragança (outro caiubista carioca, temos também uma filha única), Marcio Policastro (um dos meus mais prolíficos parceiros, outro irmão adotivo, grande sagitariano), Marito Correa (participou do clube quando à rua Treze de Maio, temos belas canções), Nando Távora (a nata do samba paulista, não me dá muita bola, mais emplaquei uma com ele também, igualmente olvidada), Nilton Bustamante (um lorde, poeta de fazer uma por dia), Paulinho das Frases e Raul Navarro (cito estes dois juntos pois numa tarde passaram de alunos de letra a parceiros), Rafael Iasi (boa-pinta, veia pop nervosa), Rafael Leite (a voz e o violão das raízes do interior, outro talentoso sagitariano), Ricardo Moreira (simpatia, talento e humildade), Ricardo Soares (o cara!), Roney Giah (temos duas meias, o que dá o total de uma inteira, ou, na pior das hipóteses, um par pros sapatos), Sonekka (o braço direito do clube [e o esquerdo]), Tatiana Rocha (caiubista campineira.. ou será baiana? Ou será carioca?), Tato Fischer (ou o mago [não só] dos teclados), Tavito (se todos fossem iguais a você), Tito Pinheiro (o imparceirável… mas eu, teimoso, lacei-o também), Valdir da Fonseca (a elegância do samba… mas temos um xote!), Zé Edu Camargo (já demos algumas canetadas juntos) e Zé Rodrix (o papa do Caiubi!).
Outros virão.
Léo Nogueira
São Paulo, 3 de janeiro de 2009.
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Revisei alguma coisa, como o tenebroso "compomos num só copo", tirei o acento de "ideia", acrescentei um detalhe ou outro, enfim, só faltou dar o endereço virtual do clube, que pode ser considerado um myspace brasileiro, embora muito mais expansivo e democrático:
http://clubecaiubi.ning.com/
Fui. Vamos?
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Tudo bem, só esqueceu de dizer das memoráveis caronas... é duro não ser compositora!!! Amei o texto, bju
ResponderExcluirVamos! Já tô!!! rs
ResponderExcluirMuito bom o seu texto, Léo! É difícil ser prolixo e atraente ao mesmo tempo, mas você consegue. Coisa de mestre!
Beijão!
Valeu, Danny! Mas deixe que eu me defenda: como escrevi na MM, este é um texto antigo (pero no mucho) que resolvi publicar aqui, já que o assunto é importante, o espaço é generoso e os seguidores, idem. Mas o que for demais pode mandar pro lixo! Hahaha!!!
ResponderExcluirAh, faltou um parágrafo no texto acima. Ei-lo:
Também sinto saudades danadas de doídas das caronas que a Monika me dava, saudades das noites em que a Monika ficava me ouvindo chorar ao telefone, saudades das muambas que a Monika me vendia, saudades das filhas da Monika... E, por que não?, saudades do filho da... Monika. Enfim, saudades da Monika, esta criatura que, embora não seja cantora nem compositora, sempre abrilhantou (e abrilhanta) os lugares aonde vai, com sua presença carismática, sua câmera sempre atenta, e suas caronas sempre providencias (no dia em que ela está sem carro, é capaz de dividir o bilhete do metrô em dois, ou melhor, multiplicá-lo por dois). Vida longa à Monika!!!
Era este o parágrafo.
Por falar em prolixo, meu parceiro Marcio Policastro me chamou a atenção por tê-lo adjetivado como prolixo, quando na verdade é um prolífico.
ResponderExcluirQue prolixo!
Hehehehe... Você só não percebeu que, com a crítica, lhe fiz um tremendo elogio! rs
ResponderExcluirNem sempre ser prolixo é ruim. Talvez seja isso: quando se é prolífico, ser prolixo é um detalhe! :)))
Claro que percebi. Estava, coincidentemente, falando de outro caso em que a palavra prolixo apareceu, quando foi justamente usada por mim no texto acima, ao adjetivar o Policastro. Mas, como ele me deu uma dura, fui lá e troquei. Quanto ao seu elogio, tinha entendido perfeitamente. Afinal, haicai é coisa pra Lúcia Santos. Eu não consigo dizer nada com menos de um soneto. Hahaha!
ResponderExcluireste é seu texto que mais gosto. Talvez porque eu saiba quantas horas da minha vida ja dediquei a um ideal Caiubi.
ResponderExcluir(que na verdade só retribuo o que o proprio Caiubi fez com minha vida autoral)
Sonekka, o ideal caiubi está mais vivo que nunca! E você, certamente, é um dos membros mais importantes pra realização desse ideal. Agradeço a visita e o comentário. Daqui também pretendo dar minha contribuição a esses ideais que são tão nossos.
ResponderExcluirAbraços do
Léo.
O Caiubi trouxe o sonho de muita gente mais para pertinho da realidade!
ResponderExcluirPalavra de sonhador!
Adorei essa Monika, tão anônima, e tão atenta!!! né?!
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