sexta-feira, 2 de março de 2012

Ninguém me Conhece: 61) A receita caiubista do 4+1

Caiubi está promovendo uma série de crônicas de caiubistas pra comemorar seus dez anos de existência. Há alguns anos escrevi um longo relato no qual mapeava a trajetória do Caiubi desde os primórdios. Não é o caso de repeti-lo (quem ainda não o leu pode fazê-lo aqui), preferi, desta feita, escrever sob um novo enfoque. O que faz um movimento qualquer ser relevante é justamente os valores que agrega e que são por ele atraídos. Zé Rodrix, quando esteve por vez primeira no Caiubi, afirmou que fazia anos que não ouvia num mesmo lugar, numa mesma noite, tamanho desfile de belas canções. E, sejamos sinceros, sem belas canções qualquer movimento musical perde seu valor, independente do número de adeptos.

1) Doutor Sabe Tudo (Marcio Policastro - Álvaro Cueva Zé Rodrix - Léo Nogueira)

E no Caiubi, além das belas canções, sempre houve uma saudável competitividade, ou seja, bastava aparecer numa dessas segundas, por exemplo, um Ricardo Soares ou um Marcio Policastro com uma nova pérola, que na semana seguinte era batata! Lá vinha um Sonekka ou um Vlado Lima com petardo à altura. O plágio existe onde não existe competência, afinal, quem sabe faz, quem não sabe copia. E no Caiubi, além das belas canções, além da saudável competitividade, sempre houve algo mais: a parceria!

E é justamente de parceria que eu gostaria de tratar nesta crônica. Ao contrário de alguns festivais nos quais os concorrentes mal se cumprimentam, o Caiubi é uma espécie de santuário onde se celebra, mais que tudo, a amizade. Claro que há desavenças, diferenças de estilos musicais, opiniões divergentes, mas nada que supere ou ofusque um clima de irmandade quase religioso. Ser caiubista é como pertencer a uma torcida organizada, com a diferença de que no Caiubi torcedor e jogadores batem bola juntos.

Existem muitos compositores por aí que desanimaram ante a falta de espaço na mídia e a falta de lugar pra mostrar seu trabalho. Esses nunca foram ao Caiubi. Se hoje as composições de Álvaro Cueva emocionam, a verve ácida de Marcio Policastro embasbaca, a língua despudorada de Vlado Lima choca e diverte, as modernas nostalgias de Affonso Moraes nos levam a um tempo subjetivo, os hits de Sonekka são cantados na ponta da língua a plenos pulmões por um público alegre e atento, enfim, tudo isso e muito mais devemos à existência do Caiubi. E, como já frisei antes, o Caiubi foi responsável pelo surgimento de vários grupos, entre eles o 4+1.

Quando a oração é boa, queremos rezá-la em qualquer lugar, não apenas na igreja. Da mesma forma, as parcerias e as amizades nascidas no Caiubi começaram a não suportar mais uma semana de espera pra serem celebradas. Assim, passamos a nos frequentar mutuamente. Um dia no apê de Álvaro, um dia no de Policastro, um dia em minha casa... E foi justamente em minha casa que nasceu a ideia de um show coletivo no qual pudéssemos mostrar as muitas canções que não parávamos de criar. O show era pretexto, pois o que queríamos mesmo era compor.

Foi assim que o extinto Saracura, de Marito Corrêa, situado no charmoso bairro paulistano do Bixiga, abriu suas portas pra receber Alê Cueva, Álvaro CuevaKana e Marcio Policastro pra um divertido show, com direito a casa lotada e um convidado mais que especial: Max Gonzaga. No repertório apenas canções nossas, individuais ou, de preferência, coletivas. Como tivemos a ideia de convidar Max, batizamos o grupo de Baião de 4+1. No show seriam os quatro mais um convidado, no repertório seriam canções dos quatro mais minha humilde (nem tanto) contribuição (nem tanto).

2) O Milagre de José (Kana Marcio Policastro - Léo Nogueira)

E o que era brincadeira foi ficando sério. Veio o segundo show, no Caiubi da rua Caiubi, com participação de Lis Rodrigues e, na plateia, entre outros, a família Rodrix, fascinada. Lá pelo terceiro ou quarto show descobrimos que já havia um grupo chamado Baião de Quatro, então, numa sacada digna de marqueteiro profissa, suprimimos o Baião e viramos simplesmente o 4+1, que, além do mais, podia ser entendido em qualquer língua do mundo (com diferentes pronúncias, obviamente).

O ato de compor em parceria é experiência que todo compositor devia ter, pois é, ao mesmo tempo, prazer com frescor de novidade e exercício de desapego (acho que acerca do desapego devo ter roubado depoimento de Zeca Baleiro), pois canções nascidas a seis, oito ou mesmo dez mãos nunca são iguais às compostas por um solitário criador. Assim, o 4+1 se especializou em criar frankensteins musicais que, no final das contas, viravam sucessos instantâneos nos shows. Foi assim que vieram ao mundo Ferramenta, Doutor Sabe Tudo (com Zé Rodrix), Cine Trash (que Poli está gravando), O Milagre de José, Tara ou Brincadeira (que Kana está gravando em seu novo disco) e muitas outras pérolas.

Àqueles que passam ou já passaram por crises de criatividade indico a parceria como remédio infalível. Os temas que surgem são os mais estapafúrdios, mas, após uma garibadinha, o resultado é empolgante. Como foi empolgante ver lotada de gente a Sala Adoniran Barbosa, no coração do Centro Cultural de São Paulo, pra assistir ao mais bem elaborado show do 4+1, com inesquecível participação de Zé Rodrix. Gravamos até um DVD pra consumo interno que deve andar por aí e já passou da hora de ir parar no youtube. Não me lembro do número exato, mas o público girou em torno de duzentas pessoas, muitas das quais cantavam junto as letras.

A ideia de gravar um CD com tais canções foi natural, assim como natural foram o desgaste e o precoce fim do grupo. Já contei essa história no texto sobre Álvaro, e ainda dói pôr o dedo nessa ferida, pois acho que, dos cinco, ninguém queria mais do que eu ver nascer esse disco. O 4+1 acabou virando uma banda que não era banda (visto ser formada por solistas) e, com seu fim, virou meio cult, meio maldita (aqui no submundo, claro), e acredito que ainda vive nos corações tanto de seus integrantes quanto de quem foi a (ou quem participou de) um ou mais daqueles shows que aconteceram num espaço de dois anos.

A amizade continuou, as parcerias, idem, só agregamos a isso tudo um elemento novo: a saudade. Por isso, vez ou outra surge a ideia de reunir a galera de novo, fôssemos uma espécie de beatles caiubistas. Contudo, de um modo ou de outro meu desejo vai se realizando, ainda que de modo fragmentado, pois Kana e Marcio Policastro, respectivamente, estão gravando cada um uma canção do 4+1, com a participação de seus integrantes, como fez anteriormente Sonekka em seu Agridoce, na canção Será que Eu Tô Viajando?.




3) Tara ou Brincadeira (Kana - Alê Cueva Marcio Policastro - Álvaro Cueva Léo Nogueira)

Bem, Caiubi é isso, esse caldeirão de emoções. E este ano promete muitas realizações: já tivemos os lançamentos dos discos de Fernando Cavallieri e Ayrton Mugnaini Jr., respectivamente; o lançamento do livro de poemas Pop Para-Choque, de Vlado Lima; vem aí outro (este, coletivo) de contos, Doido, Eu?; além de muitos discos que estão despontando por aí, vejam o time: TavitoMax Gonzaga, KanaMarcio Policastro, Lucia Helena CorrêaBárbara Rodrix... Vixe! Melhor parar, senão vou acabar, como sempre, esquecendo alguém. Ainda mais porque, com o advento do site do Caiubi, a continha, que era de somar, virou de multiplicar. E, como dizia Zé Rodrix, a panela é sem tampa!

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8 comentários:

  1. Muito bem! Gostei muito de saber os detalhes de como tudo começou. Isso ainda vai pra história. Obrigada. :))

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  2. Valeu, Anja! Na pior das hipóteses já entrou, ao menos, pra NOSSA história.

    Beijão do
    Léo.

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  3. Me lembro com a mais pura emoção! Grato pela história, que ainda escrevemos. Abs;

    Álvaro

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    1. Sim, mano Álvaro! E ainda há muito o que escrever!

      Abração do
      Léo.

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  4. CAIBUBAGEM

    (Lucia Helena Corrêa)

    Tudo o mais que ali se dissesse soaria demais...

    afogando o poema, pelo excesso.

    Assim... pra quê?

    Cantemos, apenas, com esta mesma voz,

    o melhor do nosso verso...

    esse mesmo, que dói, tortura... mas, dito,

    bendito verso, nos lava a alma....

    Tudo o mais que se sentisse seria pra transbordar

    em saudade-presente, sangue, suor e lágrima...

    na poesia que é de todos e de ninguém...

    É assim que foi -- desde sempre. E para sempre será...

    Amém!

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    1. Amém, LHC! Que mais dizer?

      Obrigadaço por este lindo de-poema-imento.

      Beijos, quatro (e mais uns),
      Léo.

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  5. Lindo poema, linda musica. E a historia do Caiubi, é pra deixar todo mundo feliz.Parabéns amigos.

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