sexta-feira, 23 de março de 2012

Crônicas Classificadas: 16) E Ele Morreu.

Quem costuma ler meus textos neste espaço sabe que sou grande defensor dos cidadãos que passaram dos 40. Como sou novato no clube, ainda estou me acomodando, um tanto desajeitadamente, no uniforme. Porém, como aqui tenho voz, uso-a. Minha preocupação é maior ainda porque sei que as pessoas estão vivendo cada vez mais, então, se tentam enterrar um camarada com 40 anos, e esse camarada vai viver, brincando, até uns 80, significa que ele vai passar metade da vida ressuscitando, até que os "coveiros" de plantão o vençam. O que é um tiro no pé, pois o coveiro de hoje é o defunto de amanhã.


Por falar em defunto, faleceu hoje, aos 80 anos, um dos artistas mais fantásticos que este país já produziu: Chico Anysio. Humorista, ator, escritor, compositor, dublador, pintor (e outros "ores"). E cearense, como eu (ô, orgulho!). Chico, além da genialidade, tinha um coração que era até maior que seu talento. Poucos na TV lançaram tanta gente boa quanto ele. E, além do mais, Chico sabia ficar de lado pra deixar que o outro tivesse seu quinhão de brilho. Eu, que trafego no universo da música, conheço pouca gente capaz de tal ato. A maioria dos artistas hoje age como autistas, todos com carteirinha de sócios do Clube do Eu.

Chico era um cara à moda antiga, tão arraigado a seus princípios, que chegava a ser escravo deles. Contratado da Globo desde 1969, procurou manter-se fiel a ela mesmo depois de ter sido chutado pra fora de sua "grade". Fosse como um jogador de futebol dos tempos atuais teria saído pulando de canal em canal. Mas não, embora ferido em sua dignidade, lutou até o fim pelo direito de ocupar um espaço que de direito era seu. Descobri hoje, pesquisando, que ele tinha um blog (http://bloglog.globo.com/chicoanysio/), e li algumas passagens de cortar o coração nessa sua luta por provar que não estava acabado. Num texto de 2010 ele escreveu, acerca de sua torcida pela volta da Escolinha do Professor Raimundo, que "não pode ser ruim um programa que foi plagiado na China, na Coreia, na Itália, na França e mais uns dez países". 

Mas não teve jeito. Velho é velho e ponto final. Embora em tempos de politicamente correto, seja de bom-tom dizer "melhor idade". E enquanto isso os planos de saúde fazem tudo o que está a seu alcance pra que esses tais dessa idade tão melhor partam logo dessa pra... melhor! Pois, mesmo cobrando-lhes mensalidades desumanas, inversamente proporcionais aos vencimentos de um aposentado, ainda não se dão por satisfeitos. Bando de gente teimosa essa velharada que não sabe nem aceitar quando é hora de desencarnar!

Por essas e outras alguns espertos se "retiraram" no auge. Sinceramente não sei o que seria de, por exemplo, uma Elis Regina nos dias de hoje; ela, que, como Chico, não tinha medo de lançar gente nova nem de falar o que lhe vinha na cachola, duas coisas impensáveis atualmente. É, Chico, até que você demorou pra tirar o time de campo, visto que seu tempo era outro... O humor hoje, em tempos de hipocrisia e tapinha nas costas, ofende. E às vezes dá até processo! Sigamos, pois, nós, os vivos (?), com cada vez menos motivos pra rir. Mas seus ensinamentos estão aí, pra quem quiser aprender. Dois deles eu aprendi e exerço diariamente: a teimosia e o humor (embora este último eu o costume pintar com cores negras).

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Escolhi pra postar aqui uma crônica de Chico que vem a calhar, nesses tempos em que as pessoas morrem antes de morrer, quando não são mortas em vida...

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E Ele Morreu.
Por Chico Anysio

Creio que nós todos sabíamos que isto um dia aconteceria, porque é muito comum as pessoas que hoje estão vivas um dia morrerem. Acho, até, que isto fez com que fossem criados os cemitérios, momento em que nasceu a piada do “não sei para que tem muro; quem está dentro não pode sair e quem está fora não quer entrar”. E as cidades cresceram mais do que os cemitérios, porque morre-se muito nos dias atuais e não há nos cemitérios da cidade espaço bastante para enterrar as pessoas. Deitadas, pelo menos. Criaram-se as gavetas, e a gente vai levando, aguardando uma jogada milionária que possa dar aos senadores um dinheiro que valha a pena uma batalha, não por cemitérios maiores, mas por cremação após a morte. Morreu, morreu – antes ele do que eu, já dizia William Shakespeare, em Stratford-Upon-Avon, nos seus dias de mau humor, quando, sem paciência, matava todos os seus personagens nos finais das peças que ele escrevia, sem que ninguém tenha certeza de ele realmente escrever. Sequer há quem aposte em ele ter existido. Mas como essa dúvida é própria dos deuses e Bill (já na intimidade) era o deus das letras, eu estou dando a ele o mesmo crédito que os demais deuses, e isto inclui José Luiz Datena, que é apenas um mágico; consegue fazer um programa de uma hora dizendo quatro frases que ele repete, repete e repete, variando apenas as inflexões. Mas a verdade é que desta vez morreu Michael Jackson – o que para mim foi uma espécie de coisa do Nizo e seus amigos mágicos. Fala a verdade. Michael Jackson estava vivo? Depois do que apanhou de pai, depois de ter sido o motivo do final do conjunto Jackson Five? Ele continuou vivo depois das 17 operações que fez para ficar branco? (o que, aliás, conseguiu, porque mais branco do que seu rosto só a Cláudia Raia) Ele perdeu o nariz e nem assim morreu? Pode alguém seguir vivo sem nariz? Pode respirar sem nariz? Pode ficar resfriado sem nariz? O nariz não é uma peça importante naquele condomínio do Oto-rino-laringo? O nariz não é o rino? Ele desfez-se do nariz e quando isto aconteceu eu mandei rezar uma missa por sua alma. Depois ele passou a usar uma máscara e óculos escuros. Ali eu vi que quem ali estava já não era ele. Ele já estava morto e alguém assumia o seu lugar. Se isto acontece no Beto Carrero World por que não poderia acontecer em Neverland, onde rolava muitíssimo mais dinheiro? Eu sempre duvidei de ter sido ele realmente a fazer aquele clipe do Thriller, porque, quando ele fez o segundo, já não tinha a cara do primeiro, ou seja: já era outro. E, quando fez o terceiro, estava ainda mais diferente. Os três eram maravilhosos, mas mortos. Gente viva não consegue fazer aquilo. Pelo menos gente que eu conheça. Mandei rezar três missas – uma por cada intérprete. Aí veio o papo de ele ter comprado os direitos das músicas de John Lennon e Paul McCartner. Eu pensei: está mais vivo do que a viveza, quem já não está batendo certo é o Paul. Depois a notícia de que os dois eram muito amigos. Eu, cá comigo: “Bobeia, ele desce num terreiro em Bangu”, coisa que para ele seria mole, porque ele adorava ser pai. Um pai diferente dos demais, mas pai de muitas crianças. Andei um tempo longe do computador e hoje eu vi cenas do velório de Jacho. Velório? Aquilo foi um dos mais incríveis shows do ano. Não sei quando será o enterro e nem ninguém sabe. Simplesmente porque não haverá enterro. Ele conseguiu tudo que queria. Mostrou que era por merecimento o rei do pop, provou que depois da Lady Di foi a pessoa mais chorada em inglês, esfregou na cara do mundo que fará mais falta do que Sinatra e Ella Fitzgerald e está vivo, escondido em Honduras. Dentro do caixão está o pai que batia nele a cada nota errada. Mas, na hora de enterrar, não haverá enterro. Todos se mudarão para Honduras ou Havaí, o que não deixa de ser um modo discreto de se sair da vida.

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5 comentários:

  1. Leonardo da Vinci foi um polímata italiano, uma das figuras mais importantes do Alto Renascimento, que se destacou como cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. É ainda conhecido como o precursor da aviação e da balística. Leonardo frequentemente foi descrito como o arquétipo do homem do Renascimento, alguém cuja curiosidade insaciável era igualada apenas pela sua capacidade de invenção. É considerado um dos maiores pintores de todos os tempos.

    Charlie Chaplin foi um ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico britânico.É considerado por alguns críticos o maior artista cinematográfico de todos os tempos, e um dos "pais do cinema", junto com os Irmãos Lumière, Georges Méliès e D.W. Griffith.

    Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa,Ao longo da vida trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como correspondente de língua inglesa e francesa. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente". foi um poeta e escritor português.
    É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo.

    Peço desculpas por um texto tão grande mas para escrever sobre o Chico Anysio só posso compara-lo a uma seleta galeria de gênios.

    Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, conhecido como Chico Anysio (Maranguape, 12 de abril de 1931 — Rio de Janeiro, 23 de março de 2012), foi um humorista, ator, dublador, escritor, compositor e pintor brasileiro, notório por seus inúmeros quadros e programas humorísticos na Rede Globo, emissora onde trabalhou por mais de 40 anos.
    Ao dirigir e atuar ao lado de grandes nomes do humor brasileiro no rádio e na televisão, como Paulo Gracindo, Grande Otelo, Costinha, Walter D'Ávila, Jô Soares, Renato Corte Real, Agildo Ribeiro, Ivon Curi, José Vasconcellos e muitos outros, tornou-se um dos mais famosos, criativos e respeitados humoristas da história do país.
    Fernando Pessoa talvez tenha criado mais de 200 heterônimos e o nosso Chico "o poeta do humor" criou mais de 200 personagens que precisou até de uma cidade "Chico City"
    E um grande talento como esse sofreu na geladeira da rede globo de televisão que por mais de uma década Chico estava afastado da televisão.
    Em tempos perigosos que a boa arte parece estar meio escondida nos guetos e a musica é sinonimo de funk carioca e programa de entretenimento é o Big Brother realmente alguma coisa esta fora da ordem e "Fahrenheit 451" me da medo pois antes era um filme e hoje esta se tornado realidade. Poxa nosso admiravel mundo novo ficou mais pobre ... e quem sabe em algum outro plano Chico derrepente esta batendo um papo com Sócrates, Homero, Jorge Amado, Graciliano Ramos e contando as suas crônicas e piadas, Machado de Assis e Guimarães Rosa riram muito Pixiguinha, Vinicius e Nelson Cavaquinho deve estar agitando um churrasco Cartola e Noel estão trazendo as bebidas Elis vai cantar para Chico, pois a eternidade acaba de ficar mais feliz...salve Chico parabéns e obrigado.

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  2. ...Há Leonardo Da Vinci, Charlie Chaplin estão atrasados para a festa de recepção, mas Fernando Pessoa esta levando um vinho do Porto afinal o pai do humor brasileiro merece uma festa de arromba.

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  3. Toninho, meu velho, agradeço pela bela aula. Chico, lá de cima, deverá estar rindo, orgulhoso, em boa companhia. Ó, em vez de excluir o comentário, como você pediu, vou apenas avisar aos leitores que "Pixiguinha" sem o n foi erro de digitação, conforme você me avisou. Certo?

    Abração do
    Léo.

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  4. Obrigado Léo...e já rolei o mestre Chico Anysio na retrô
    Grande Abraço.

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    1. É isso aí, Totó! Outras virão!

      Abraço retroístico do
      Léo.

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