quinta-feira, 8 de março de 2012

Os Manos e as Minas: 5) O pop sem paraquedas de Vlado Lima

Um acontecimento desses tinha que ganhar matéria de primeira página em cadernos culturais sérios. Numa época tão carente de (boa) poesia (e, consequentemente, de bons poetas - ao menos os que chegam até nós), o (lançamento do) livro Pop Para-Choque, de Vlado Lima, é um colírio pros olhos da massa cinzenta. No entanto, lançado por editora pequena (Patuá), com tiragem ínfima (100 exemplares), não serão muitos os que terão o prazer que eu tive de ler tal obra-prima. E, já que os cadernos culturais não vão tratar do assunto, trato eu.

Há algum tempo escrevi uma crônica que começava assim: "Ao passo que o mundo está repleto de poesia, há cada vez menos poetas". Sim, não basta aquecer o gogó, subir num palco e gesticular verborragias vãs. Ser poeta é algo mais. Um poeta tem que ter atitude, e, mais que isso, tem que transformar tal atitude em versos no mínimo relevantes.

Já há tantas coisas escritas no mundo (e cada vez menos leitores), que o poeta tem uma responsabilidade grande. Uma poesia tem que nos tocar de alguma forma. Se sobrevivemos incólumes à leitura de um livro de poesia, ao lixo com ele! Poesia que não "dá barato" não vale o papel impresso e a tinta gasta. Vejamos o que diz o poeta Vlado Lima: "morta a poesia/ na biblioteca/ com um tiro no peito/ Holmes diz: ou foram os poetas medíocres/ ou foi o mordomo."

E posso dizer que os R$ 25 investidos no Pop Para-Choque foram os mais bem gastos dos últimos tempos. Sorvi cada linha, reli várias vezes vários poemas, gargalhei alto, engoli em seco, a lágrima brincou com o canto do olho... O que mais podemos esperar de um livro? Não é todo dia que uma leitura nos causa emoções tão contrastantes. Porém, há que se respeitar o momento da leitura. É como se fosse um ritual. Cada livro requer um procedimento diferente. Com o Pop... deu-se assim: passei na casa do traficante Gabriel de Almeida Prado (também, com esse nome...), que, após verificar que a barra estava limpa, passou sorrateiramente a minhas mãos a droga, digo, o livro, que eu previamente encomendara. Como tinha que esperar a esposa sair do trabalho, sentei-me numa mesa de canto num boteco de quebrada, próximo de onde ela trabalha, pedi uma cerveja, abri o livro e mandei ver!

Comecei sem pressa, analisando a capa, a arte gráfica, lendo a ficha técnica (sim, senhores, fiz isso!), a orelha, o prefácio... O primeiro poema já foi uma porrada, e não seria a última. Posso dizer que a boca do estômago ficou com câimbras. Devorei praticamente meio livro de uma sentada, argumentando de tempos em tempos com a cerveja, que, apesar de gelada, concordava comigo. Chegou a patroa, fui-me, e só no dia seguinte encarei o segundo tempo (assalto). Resultado final: nocaute!

Conheço Vlado há praticamente dez anos (o tempo de idade do Clube Caiubi). Digamos que, se não é meu amigo, ao menos é um oponente de responsa. Discordamos em praticamente tudo, já tretamos algumas vezes, inclusive. Mas sempre respeitando as regras, que consistem numa só: tudo tem que terminar numa mesa cheia de loiras. Ele é o tipo de cara que deve irritar muita gente, seja por seu temperamento, ou por sua boca 86% suja, ou ainda por seu talento, que é de um desrespeito atroz. Não foram poucas as noites em que saí do Caiubi completamente desmoralizado por ouvir uma nova canção dele, sempre original, sempre levando a plateia da mais desavergonhada gargalhada ao quase rubor de quem não acredita no que está ouvindo.

Vlado é um exemplo perfeito do perigo que é dar educação às massas. Saído lá do c* do mundo, estilo farofeiro com panca de "nós vamo' indadir sua praia", lá vem ele, com sua pança saliente (aliás, ele é todo saliência), pôr o dedo (médio) nas feridas (inconfessáveis) da burguesia. Não respeita Deus nem o diabo, sua religião é a anarquia. Fosse descoberto por um olheiro que não sofresse de vesguice, ainda podia parar na televisão, apresentando algum desses programas trash. Know-how ele tem, após tantos anos à frente do famigerado sarau Sopa de Letrinhas, o mais divertido da cidade, sem dúvida.

Mas Vlado é muito mais que apresentador-poeta (ou poeta-apresentador). Transa serigrafia, é dono de bar crônico (o crônico refere-se ao "dono", não ao "bar"), metido a mestre cuca, e, além de tudo, um baita compositor que consegue fazer com três acordes o que a maioria não faz com vinte. Ah, e apesar de não ser lá um Cauby, sua voz não passa vergonha (quando ele consegue cantar a letra toda sem errar). E você, intelectual, não se iluda! Se um dia travar com ele um debate, sobre qualquer assunto, vai descobrir que por trás daquela cara de garçom de churrascaria se esconde um sabichão (que é um tipo de intelectual dos arrabaldes). E se, ao final, você vencer o debate, terá sido porque ele entregou o jogo, tendo a humildade de não te constranger manchando seu diploma. 

Morta a poesia, Vlado lançou um livro. Morta a canção, só lhe falta lançar o tão esperado (por nós) CD. E, como eu não tô conseguindo arrematar estas mal-traçadas, finalizo com um dos poemas (publicáveis) do Pop Para-Choque. A poesia está morta! Viva a poesia!


Os Desperdiçados do Mundo Estão em Greve

os desperdiçados do Cáucaso estão em greve
cruzaram os braços entre a 5ª e a 7ª hora da aurora de hoje
em solidariedade aos desperdiçados da Manchúria

os desperdiçados de Manhattan também estão em greve
assim como os desperdiçados de Botsuana
Patagônia Patópolis Pirituba
e os desperdiçados de Tijuana

o que pretendem os desperdiçados do mundo?
pergunta Larry King (ao vivo) pras câmeras da CNN
querem derrubar o Império Romano do Baixo Gávea
ou apenas 15 minutos no sofá do Grande Irmão?

os desperdiçados do mundo estão em greve
passeatas comícios palavras de ordem
aqui & acolá explodem cartazes com gritos maiúsculos
DESPERDICEI MINHA JUVENTUDE NOS BRAÇOS DE HOMENS ESCROTOS!
A CACHAÇA FOI MINHA RUÍNA!
AS PUTAS ME FODERAM!
"A LITERATURA ESTRAGOU MINHAS MELHORES HORAS DE AMOR!"

os desperdiçados do mundo estão em greve
tio Juarez está em greve
o flanelinha paraplégico da rua Albion está em greve
os sobreviventes da turma do fundão da 5ª D de 79 do Júlio Maia estão em greve
só meu coração (pelego por experiência)
é quem resiste aos mantras do sindicato

em outros tempos (quando os dinossauros dominavam a Terra)
eu estaria lá (no cockpit do carro abre-alas)
puxando a galera da comissão de frente
mas hoje 
(depois de 40 e poucos anos 
tocando bumbo na banda do coronel Buendía)
sei que isso também seria um grande desperdício

***

8 comentários:

  1. Pois é Léo, eu já estava doida pra ler o livro do Vlado. depois que li sua matéria a vontade aumento ainda mais!!! Grande abraço

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    1. É, queridona! Nem preciso dizer se gostei ou não, né? Hahaha!!!

      Abração do
      Léo.

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  2. NOVAMENTE AQUI DANDO AQUELA ESPIADA E CONTEMPLANDOESTA VISTA DE INVESTIDA DIFERENCIADA .
    ABRAÇOS!!!
    ESPERO SUA VISITA EM MEU BLOG ,SERÁ MUITO IMPORTANTE SUA OPINIÃO EM MEUS TEXTOS ...

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    1. Gracias, caríssimo! Mas poste aqui o endereço do seu blog!

      Abração do
      Léo.

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  3. Concordo com você, o livro do Vlado é muito bom.

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    1. Oi, Vlado! Também concordo com você: o Vlado é muito bom! E humilde! rsrs

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  4. Respostas
    1. Pô, cara, fala isso não, se não o pessoal vai achar que é rasgação de seda. Você é o cara (aquele da pichação num muro de Santos... rs)!

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