segunda-feira, 26 de março de 2012

Trinca de Copas: 7) Élio Camalle, Gabriel de Almeida Prado e Marcio Policastro

Tive ímpetos de publicar no dia 8 último o texto que ora publico. Minha ideia era escolher entre minhas muitas parcerias três que homenageassem as mulheres, por conta de seu dia, que se comemorou no supracitado dia 8. Só que entre o querer e o poder por vezes há uma estrada longa e esburacada. E calhou que o dia passou por mim sem que eu tivesse tido tempo de escrever o tal texto. Canções não faltavam. E, de lá pra cá, inspirado por tal desejo, aumentei ainda mais meu repertório de canções feministas, pois acabei compondo mais umas duas ou três nesse espírito de macho-objeto. Duas delas ganharam gravação minimamente audível. Prometo postar as outras assim que ganhem vestuário, se não digno, ao menos apresentável. Pra completar a trinca, busquei no baú uma mais ou menos antiga pra se juntar às duas caçulas. Vamos a elas.

1) A DAMA E O VAGABUNDO (VERSÃO SEM CORTES)

Gabriel, em foto mais
pra cão raivoso do
que pra melhor
amigo do
homem
E lá estava em casa novamente Gabriel de Almeida Prado. Não sei exatamente o que celebrávamos, se era a emancipação do boto cor-de-rosa ou o nascimento do primeiro canguru de proveta, mas o fato é que havia cerveja no meio. Como dois enxadristas, lá estávamos eu de um lado e Gabriel do outro da mesa, este, armado de um violão e eu, de um netbook, ambos (de)ge(ne)rando ideias zil, feito fossem gametas. E eis que, obviamente, alguns acordes aleatórios sugeriram um começo de melodia, e eu não me fiz de rogado, tasquei-lhe dois ou três versos.

Conversa vai, conversa volta, detectamos que havia um cão vagabundo querendo contar-nos sua história. E esse cão tinha muito de humano. Na realidade, ele era um homem. Só que um homem apaixonado. E todos sabemos que entre um homem apaixonado e um cão as diferenças são praticamente imperceptíveis (até a baba é igual). Sabedores de que havia rabo de saia na jogada, buscamos elementos caninos que ilustrassem tamanha submissão do sexo predador ante o chamado sexo frágil. E dá-lhe cio!

Moral da história: chapamos! De breja e de brisa. Dispensei o arcanjo e fui sonhar com anjos de saia. No dia seguinte, pra nosso espanto, o que parecera uma letra genial não passava de fragmentos caóticos psicodélicos. Mas a semente (o osso) da discórdia já estava ali, enraizada. Daí foi fácil... Não exatamente fácil, mas também terminar a letra não foi nada que pudéssemos dizer "ô, dia de cão!". E querem saber como a terminamos? Mano Gabriel me viciou nessa parada de compor via chat! Nada como um garotão pra iniciar os tiozinhos por vielas outras...

E eis que por volta das 6h da manhã (sóbrios - ainda de ressaca...), há aproximadamente uma semana, finalizamos um cãoto de fadas adulto, cujo chistoso título é apenas um dos vários achados da canção. Espero que as intelectuais leitoras deste espaço (a quem dedico a canção) entendam as metáforas e não se sintam menos damas que cachorras. Já que a parte que nos cabe de vagabundice a assumimos eu e Gabriel. Não sei se vocês sabem, mas em espanhol o corazón late, portanto, podemos dizer que nossos corações latem por vocês.

A DAMA E O VAGABUNDO (VERSÃO SEM CORTES)
Gabriel de Almeida Prado - Léo Nogueira

Meu olfato de cão vagabundo
Vira PHD
Minha língua saliva de sede
Louca pra te lamber

Eu divido meus ossos pra dois
Pra ser nosso jantar
Com você, poça d'água no chão é champanhe
Ração é caviar
E coleira é colar

Faz de conta que você me ama
Pra eu não mais me roer
Se você me pedir que nem dama
Posso até te morder

Vez em quando se faz de luar
Só pra me ouvir uivar
Com você, deito, rolo e me finjo de morto
Sarna é bom de coçar
Posso até me adestrar


*Participação especialíssima de Liw Ferreira no violão.

***

2) KAMA FRUTA

Policastro, com cara de quem
gosta da fruta, mas tem
que manter a fama
de mau
Ayrton Mugnaini Jr. escreveu dia desses que jamais passaria por sua cabeça "insultar uma mulher cumprimentando-a por 'seu dia' ou 'seu mês'". Pois é, o assunto é delicado. E de todas as formas estamos encrencados: se cumprimentamos, somos machos maniqueístas; se não o fazemos, somos insensíveis. Portanto, tasco logo que todo dia é dia da mulher (como antes era do índio), o que, além do mais, justifica esta minha homenagem, que, como o malandro, atrasa pra chegar primeiro.

Esclarecidas as coisas, passemos à segunda canção. Estamos em época de colheita de mulheres-frutas. É um tal de mulher-melancia, mulher-jaca, mulher-melão... Está dando de tudo nesse pomar. E eu, que gosto de (da) fruta e de mulher, tive um insight dia desses (embora eu não seja o Juca Novaes) e, meio de sacanagem, meio a sério, cometi a ignomínia de compor uns versinhos fazendo analogia entre a anatomia feminina e, sim, as frutas.

A ideia ia avançada, mas a necessidade de defender o pão de cada dia (que não é fruta, mas alimenta) me obrigou a adiar os prazeres da carne, digo, das polpas. Após gastar meus honrados litros de suor, já na certeza do dever cumprido, voltei à letra em questão. E foi nesse momento que ele (sempre ele!), o arcanjo Gabriel, recém-evadido de paraísos infernais, entrou numas de bate-papo com este que lhes escreve, e, antes que eu pudesse soletrar "jabuticaba" (ou "jaboticaba", como prefiram), já lhe havia revelado minha deliciosa ideia, e lá estava ele, como uma raposa ante as uvas, devastando meu pomar, adulterando meus versos, posando de serpente em meu éden...

Não tive escolha. O jeito foi dividir a paternidade da letra, ainda mais porque o filho de uma boa Fernanda teve a genial ideia de remeter a (e perverter) este indiano livro tão conhecido de todos e tão pouco lido (como Ulisses). Kama Fruta foi tirada digna de Freud! E de Kafka! Como derradeiro gesto de uma autonomia que eu não mais possuía, ao menos lhe neguei o direito a musicá-la, ou as frutas (antes tão minhas) iriam todas parar em seu cesto.

E foi assim que a pérfida e lasciva letra foi parar na caixa de mensagens de ninguém menos que Marcio Policastro, o qual, embora não tenha plantado os versos, foi quem colheu a canção. Afinal, nenhum de nós é assim tão Salomão a ponto de reter tantas e tão variadas frutas num harém-pomar privativo. Espero que as turbinadas leitoras deste espaço (a quem dedico a canção) entendam as metáforas e não se sintam menos evas que frutas maduras. Já que a parte que nos cabe dessa costela a assumimos eu, Gabriel Marcio. Não sei se vocês sabem, mas em italiano tutti frutti significa todas as frutas (ou todos os frutos), portanto, podemos dizer que ci piace tutti i frutti.

KAMA FRUTA
Marcio Policastro - Gabriel de Almeida Prado  - Léo Nogueira

Nos seus olhos de pitanga, tombo
Nos seus lábios de amora, moro
Nesses seus peitos de pêra, paro
No seu umbigo de figo, fico

Nos seus vales de uva, uivo
Nas suas pernas de papaia, caio
São suas coxas de ameixa meu eixo
São suas ancas de manga meu maná

Sob os seus pés de pequi me perco
Me assanho em sua pele de açaí
E acho lindo o seu sabor de tamarindo
Mas no seu coração de morango, sangro 
Sangro até cair
Sangro até cair do pé

Com minhas próprias mãos quero colher
As frutas do seu pomar... de mulher
De Amar (E te amar)
Mulher

***

3) MAIS

Camalle, com cara de
quem quer abraçar
todas as mulheres
do mundo
Num tempo de vacas magras (não que hoje elas estejam assim tão gordas...) Élio Camalle dividia o aluguel de uma casa comigo e com Kana. Nessa época, embora dinheiro fosse artigo raro em nossos bolsos, divertíamo-nos à beça. E minha parceria com Camalle aumentou consideravelmente, pois não o podia ver começando uma canção nova que lá ia eu em sua "ajuda". Só que ele, orgulhoso, embora precisasse, às vezes se recusava a aceitar tão desinteressado auxílio e trancava-se em seu quarto pra compor só.

O tempo passou, Camalle foi prum lado (hoje, por exemplo, está em Paris) e nós, pra outro (hoje, por exemplo, moramos no Bixiga). Mas ele continuou nos visitando, e continuou com a mania de compor em minha casa. E se tem uma coisa que não admito é amigo meu compor em minha casa! Sem minha colaboração, claro. Sinto-me meio que nem o dono da bola (se ele não jogar, não tem jogo). Assim, se eu não participar, não tem canção.

E eis que em determinada ocasião em que Camalle apareceu em casa, após algum tempo de prosa inofensiva, eis que ele, após tartamudear algo, levantou-se e não me recordo se foi ao banheiro ou se atendeu a uma chamada telefônica, mas o fato é que sumiu de minhas vistas. Passado algum tempo, como demorasse, fui em seu encalço. Minha casa não é tão grande assim, de modo que o encontrei escondido num dos cômodos, de violão à mão (violão da Kana!), cantarolando fugidiamente uma melodia que era uma pintura.

Quando me viu, notei pavor em seus olhos ao me ver. Suplicante, quase chorando, disse-me, "Não, Léo! Essa, não!". Cruel e indiferente, tasquei-lhe: "Essa, sim!", com um riso maroto nos lábios. Resignado (ele me conhece bem), meio como quem pede "mas não me altere o samba tanto assim", disse-me que queria fazer uma homenagem às mulheres, mas não falando da beleza em si, e sim de um algo mais que só "aquela mulher"  teria. O mote era perfeito, e, mais rápido do que soletrar "mulher", lá estava eu, de papel e caneta à mão, adicionando versos a suas notas. Claro que, sob sua direção, afinal, se já aceitara de mau grado minha colaboração, eu não podia exagerar muito em minha entrância.

Contudo, após o resultado, imagino que ele não tenha tido motivos de queixa, deixando de lado a (esquálida) modéstia. Mais acabou se tornando uma de nossas parcerias das quais mais gosto. Só que ele, não sei se por vingança, acabou sacando-a de seu disco A Felicidade.exe aos 44 do segundo tempo. Azar o dele! Creio que vocês concordarão comigo. Espero apenas que as demais leitoras deste espaço (a quem dedico a canção) entendam os versos e não se sintam excluídas dos adjetivos atribuídos a esta mulher. Afinal, não sei se vocês sabem, mas todas e cada uma de vocês são únicas. Principalmente a minha, é claro.

MAIS

Bela, que nada
Qual bela é mais?
Deusa não é, fada não é,
Musa, não
É mais

Lua, que nada
Qual lua é mais?
Joia não é, estrela não é,
Jovem, não
É mais

Qual a Mona Lisa, qual Helena, qual Elis,
Maria Bonita, Dalila, Leila Diniz,
Qual Greta, qual Frida… qual nada!
É mais

Não é a cor do cabelo, o batom, a pintura, não é
Nem a menina dos olhos, o bronze, o perfume, não é

Você é mais
Mulher

***


6 comentários:

  1. Gabriel de Almeida Prado26 de março de 2012 às 22:32

    Simplesmente sensacional...
    Esse foi o seu post que eu mais dei risada cara hahahaha...
    muito bom.
    E cada vez mais temos acertado a mão nas músicas hein?
    O Poli também fez uma melo ótima pra nossa Kama Fruta...
    Maravilha...
    Obrigado pelas palavras...(incluindo as musicadas)...
    abração cumpádi véio ahahaha

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    1. Estamos caprichando, hem, Gabo? Bora pra cima!

      Abraço do
      Léo.

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  2. Meu caro... que coisa bonita, este "Mais"!!!

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    1. Fico feliz em saber que você gostou, Samuel! A opinião de uma pessoa do ramo sempre tem um peso a mais.

      Grande abraço,
      Léo.

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  3. "A Dama E O Vagabundo (Versão Sem Cortes)" e "Kama Fruta" já conheço.
    Ótimas e inspirantes.
    Essa "Mais"...ótima, que nada...é mais...é Foda.
    Matou a pau.

    beijo

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