segunda-feira, 19 de março de 2012

Entrevistando: 4) Kana no Estadão (por Adriana Del Ré)

Foto e boneco:
Futoshi Yoshizawa
No próximo sábado, dia 24, Kana fará um show de pré-lançamento do disco novo, Em Obras, que está, como diz a própria, em obras. Ela não tinha tais planos antes de ter o CD novo em mãos, mas a oportunidade apareceu e, como todos sabem, cantores(as) precisam de palco pra manter o ritmo tanto quanto jogadores, de jogos. Mas este não será um mero show, pois dois fatores o tornam especial: 1) será num teatro, com boas acústica e e iluminação e assentos confortáveis, sem o barulho de tilintar de copos e a competição de vozes que não fazem parte do roteiro; e 2) de acordo com as normas do teatro, os "pagantes" pagam o quanto quiserem, ou seja, não há preço fixo de entrada. Dessa forma, aqueles que não teriam condições se a entrada custasse R$10 ou R$ 20 podem ir tranquilamente e, sem constrangimentos, pagar o que puderem. Da mesma forma, aqueles de coração grande (e bolso idem) podem podem pagar quantias generosas, que a artista, os músicos e as demais pessoas envolvidas na produção do show agradecerão.


Isto posto, segue o serviço completo:

O Teatro da Vila apresenta:
no show de pré-lançamento do CD Em Obras
data: sábado, dia 24 de março
hora: às 21h
local: Rua Jericó, 256 (entrada pelo estacionamento)
Vila Madalena, São Paulo-SP (próximo ao metrô Vila Madalena)

Ah, não menos importante é acrescentar que os músicos que a acompanharão são os ótimos Leonardo Costa (violão e guitarra) e Zaza Amorim (baixo e percussão... não ao mesmo tempo, claro) e que haverá ainda as participações do jovem cantor(-compositor)-revelação Gabriel de Almeida Prado e do grande sanfoneiro-cantor Ítalo Queiroz! E no repertório não faltarão, entre outras, as velhas conhecidas Beijo, Coco e Bye, Bye Japão (as três de Kana comigo), e também novidades, como as inéditas O Fim do Fim do Mundo (Kana - Élio Camalle - Gabriel de Almeida Prado - Léo Nogueira) e O Amor Viajou (Kana - Zeca Baleiro).

É engraçado, isso tudo me fez pensar que, embora Kana seja essa artista ímpar que a maioria de vocês conhece, dona de grande charme, voz peculiar, canções belíssimas (as letras - na maioria minhas - também não são de se jogar fora), empatia com o público e, ainda por cima, uma história das mais interessantes... Apesar de tudo isso e de 17 anos cantando o Brasil (aqui e no exterior), a última matéria de destaque sobre ela num jornal "peso-pesado" foi feita há quase nove anos! Pensando nisso e aproveitando show, CD e toda a expectativa que naturalmente envolve tais momentos, resolvi publicar aqui a tal matéria. Pra quem ainda não leu sobre ela (e pra quem já leu) é bem interessante. Boa leitura. E espero vê-los dia 24!

***

Kana, uma Japonesa em Ritmo de MPB
Por Adriana Del Ré
Para o Caderno 2 d'O Estado de São Paulo

Antes de escutar música brasileira, a cantora japonesa Kana - que faz show hoje no Villaggio Café, com repertório MPB - enxergava o Brasil com o olhar distorcido do estrangeiro. Nunca tinha vindo para cá. Só havia ouvido falar de carnaval e imaginava florestas e montanhas tomando conta da paisagem do País. No máximo, havia assistido a um show de Flora Purim e Airto Moreira, numa dessas passagens do casal pelo Japão. 

Em meados da década de 90, sua vida passou por uma reviravolta. Kana estava assistindo à televisão, quando começou a tocar a canção Wave, de Tom Jobim, em versão instrumental. A partir daquele momento, um mundo musical muito mais amplo abriu-se diante de seus olhos oblíquos. Aquele ritmo melódico, suave, seguindo o compasso do coração, a intrigou. "Escutei e pensei, 'essa é boa'", conta ela, com sotaque acentuado.

Seu vocabulário português, então, ampliou-se: aprendeu a falar Cartola, Tom Jobim, João Bosco, Elis Regina (o estilo único de cantar da "pimentinha" a comoveu especialmente). Àquela altura, Kana já estava cheia de curiosidade em relação à nossa musicalidade. "Ouvi várias músicas de Elis e considero-a a melhor intérprete do mundo". Ouviu tanto Elis que acabou incorporando trejeitos da cantora brasileira, como alertou mais tarde um professor brasileiro.

A cantora estava decidida: era esse tipo de música que queria fazer. Apresentou um repertório bossa-novista para o guitarrista da banda instrumental, que ela acompanhava como cantora convidada. Por sorte, encontrou a boa recepção dele, outro fã de música brasileira, que acolheu calorosamente a proposta. Havia um único empecilho no imbróglio todo: Kana não sabia falar português. Para solucionar a barreira idiomática, a jovem cantora realizou sucessivas sessões de música brasileira até decorar o som das palavras e poder reproduzi-las. Chegou a ouvir repetidamente 100, 200 vezes a mesma canção.

Decorou tão bem que incorporou até sotaque "carioquês" em algumas delas, já que grande parte de seu repertório era geralmente interpretado por artistas do Rio. "É engraçado, porque a média de música do Brasil que chega ao Japão é feita por cantores cariocas", diz o compositor e marido Léo Nogueira, com quem Kana assina coparcerias (sim, ela compõe músicas brasileiras com o marido letrista). Kana lembra que, já vivendo no Brasil, foi dar uma "canja" no show do amigo Élio Camalle e desancou a cantar o "quaquaraquaquá" do samba Vou Deitar e Rolar (Baden Powell/Paulo Cesar Pinheiro). A plateia começou a rir. "Eu não entendia nada, pensei 'Ah, estrou agradando'". Mas eles estavam rindo do estranho sotaque de carioca dela.

A cantora decidiu vir para o Brasil em 1995, depois de excursionar por todo o Japão com sua banda de bossa nova e jazz. O fato de não saber direito o que estava cantando a fez sentir-se mal. "Me senti muito falsa. Falsa, sé", diz ela, tentando encontrar a palavra mais apropriada. "Para mim, era tudo mentira, e ia ganhar dinheiro com isso?". A proximidade com brasileiros, para quem ela trabalhou durante um tempo, também a estimulou a vir para cá. "Eu trabalhava numa churrascaria e descobri os brasileiros lá, tudo alegre. Disse: 'Vou lá, vou ver o que é.'"

E veio. Deixou a família e viajou sozinha, só ela e sua mala. Foi morar na Liberdade, bairro oriental de São Paulo, ambiente propício para uma japonesa que mal falava português. Ela sabia balbuciar algumas palavras, como "oi", "tudo bem?", "legal" ou "quanto custa?", que certamente não renderiam longos diálogos. Sabia um palavrão ou outro, mas isso também não ajudaria muito.

Após seis meses de ares brasileiros, Kana foi com um grupo de amigas a uma apresentação do já citado Élio Camalle, que naquela época ela ainda não conhecia. Ela já havia viajado pelo País e pesquisado ritmos de diversas regiões. Estava atenta a tudo e estudava violão para pegar o jeito de tocar do brasileiro. Na noite do show de Camalle, ela tinha consigo uma fita de composições que já mostravam a diversidade de ritmos com os quais se deparou em suas andanças. Procurou um letrista, já que não dominava o português. Conversou com Camalle, e ele lhe apresentou o amigo Léo Nogueira, que mais tarde se tornaria marido dela.

Nogueira confessa que, a princípio, não levou muita fé naquela estrangeira. Mas mudou de opinião após ouvir a tal fita. A parceria dos dois (muitas vezes aliada a Élio Camalle) rendeu diversas composições, prêmios em festivais e dois CDs independentes. O segundo, Imitação, acaba de ser lançado, com composições próprias, em ritmo de maracatu, bossa nova, samba, entre outros. Ainda esta semana, depois de sua apresentação de hoje, Kana está com viagem marcada para o Japão, onde fica em turnê durante dois meses, levando a seus conterrâneos a causadora de toda a revolução em sua vida: a música brasileira.

São Paulo, 18 de novembro de 2003.


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