domingo, 1 de maio de 2011

Ninguém me Conhece: 44) O desejo ardente de Lucia Helena Corrêa

"Mulher, negra, jornalista, poeta e CARIOCA!". Foi no apartamento de outra jornalista-poeta, Guta Campos, num dos muitos saraus que esta promovia, que ouvi, à guisa de apresentação, a frase acima, da boca da própria Lucia Helena CorrêaLucia sem acento e Corrêa com circunflexo e sem "i", como gosta de dizer a própria Lucia, a mulher-sigla (LHC - não confundir com FHC!). Achei o tom um tanto carregado nas tintas, e não me caiu bem aquele "carioca" como qualidade; ainda não conhecia bem a dona da voz e seu enérgico (mas também afável) temperamento. Feita a apresentação, abriu seu vozeirão e cantou (à capela) uma canção de sua autoria, Cebola Crua, aliás, um poema seu por ela mesma musicado, poema este que também emprestou título a seu livro de poesia, com o qual, naquela noite, fui por ela presenteado. Melhor dizendo, Kana foi. Por falar em Kana e Cebola Crua, esta também musicou um poema desse livro, Negritude, uma bela canção que não vingou, como tantas outras que residem nos vários baús de canções órfãs.


Mas estamos falando de LHC, que, como vocês já puderam perceber, também acumula as qualidades de cantora e compositora. A bem da verdade, letrista. Não, não... LHC é uma poeta, e com P maiúsculo! Se se tornou letrista foi por descobrir-se cantora, gostar do ofício e ter o que dizer. Dessa forma, deixou alguns de seus belos poemas a cargo de melodistas de grosso quilate (calibre), como Marcio Policastro, Tato Fischer, Waldir da Fonseca, entre outros, pra que estes transformassem seus versos em canção. Mas isso porque ela teve a felicidade de ir ao Caiubi e lá encontrar os parceiros certos, que entenderam seus versos de métrica rebelde e souberam extrair deles, de forma crível, canções. Falando em canções, LHC é voz a serviço da nova geração de compositores. Só lhes (nos) pede licença pra de vez em quando se dar o prazer de fazer shows cantando exclusivamente Cartola, que, convenhamos, tem tudo a ver com ela. Acho mesmo que já passou da hora de um Hermínio Bello de Carvalho da vida descobri-la (assim como a seu Affonso Moraes).

Isso de mulher-sigla vem a cair-lhe como luva, pois LHC exerce com maiúsculo seus muitos ofícios. Nem vou falar da jornalista premiada, de alta quilometragem, pois este espaço se destina a música (estou me repetindo, acho que já falei isso a respeito de Zé Edu Camargo), mas a cantora temporã que se descobriu, de voz potente e alto teor interpretativo, é digna de caixa alta. Por falar em caixa alta, lembrei-me de uma canção de Sérgio Sampaio na qual ele dizia algo que ilustra bem LHC: "Como é maiúsculo/ O artista e a sua canção/ Relação entre Deus e o músculo/ Que faz poderosa a sua criação/ Pensando bem/ É um mistério/ Como é misterioso o coração". É assim que se dá com ela. As canções que lhe caem em mãos, ou melhor, na voz (ou, melhor ainda, no coração, pois pra chegar na voz tem que passar por ele), ficam irreparavelmente "contaminadas" (ou seria "purificadas"?) por seu estilo, passando a pertencer mais a ela que a seus autores, qualidade que poucas possuem (como Elis). Só pra se ter uma ideia, mandei-lhe, há alguns anos, uma meia dúzia de canções de minha lavra, e ela se enrabichou por Esse, parceria minha com Élio Camalle, de minha fase de eus líricos femininos. Calhou que certa noite, no velho Caiubi da rua Caiubi, ela inventou de cantá-la, acompanhada por seu (palavras suas) braço direito musical, o belo violonista Bráu Mendonça, no exato instante em que adentrava o recinto ninguém menos que Camalle. Este, intérprete espetacular moldado nas noites paulistanas, que não se sensibiliza com pouca bossa, só faltou cair estatelado no precário piso de taco, como que atingido por um raio, ao reconhecer sua canção desconstruída e reconstruída pela dona da voz. E ao prolixo Camalle só lhe restou soltar um palavrão impublicável que se referia àquelas mulheres de nobre profissão e a seus respectivos rebentos.

2) TPM (Marcio Policastro - Lucia Helena Corrêa)

Se há uma pessoa que nasceu em dia acertado, essa pessoa é LHC. Primeiro de maio, Dia do Trabalho, é-lhe modelito feito por fino alfaiate. A mulher é o próprio trabalho de saias. Ou melhor, de vestido. É daquelas que querem abraçar o mundo. Se mete em mil projetos ao mesmo tempo, com uma fome de leão e uma fé de (não confundir com ). Como boa sonhadora, já viu muitos deles irem por água abaixo, mas, incansável, nem se abala. Apaixonada por natureza, como boa poeta, não se limita a apaixonar-se apenas por um indivíduo qualquer, apaixona-se por tudo em que se mete e tem amor verdadeiro e zeloso pelos amigos, de quem compra as brigas. Mal conheceu, por exemplo, Marcela Viciano, minha parceira argentina de passagem por Sampa, instalou-a em seu apartamento e elevou-a à condição de irmã. E assim vem, durante os anos, aumentando o número de seus familiares.


É assim LHC. Sem meias palavras, sem meio amor, sem meio prazer, sem meia dor. É intensa em tudo o que faz. Sem papas na língua, igualmente colecionou alguns desafetos; mas a discussão, quando não sai do âmbito das ideias, oferece-lhe jogo delicioso, pois, além das demais qualidades, ela tem talento nato pra esgrima verbal. Lembro-me de ter acompanhado na M-Música (grupo virtual que trata de música, obviamente - já comentei sobre ele em textos anteriores) duelos épicos entre ela e Zé Rodrix, de quem era amiga, mas com quem tinha visíveis diferenças. Mas sempre foram discussões de nível. Dava gosto ler. Agora LHC começou mais uma batalha, esta, desigual, dessa vez contra a Enfermidade (também com maiúsculo). E, nos intervalos de tão desgastante luta contra tão baixo adversário, ainda encontra forças pra gravar seu tão sonhado (e adiado) disco. Mas, teimosa como boa taurina que é, isso lhe dá forças. Não existe LHC sem luta. E, como um Cassius Clay, vai transformando as porradas em poesia, até o último assalto, mesmo contra o maior dos assaltantes.

Parabéns, Lucia! Desejo-lhe que a vida lhe propicie lutar ainda muitas e muitas batalhas, pois sei que é delas que você se alimenta!

***

Lucia também está no Caiubi.

***



15 comentários:

  1. Viva a Febril Lucia Helena! Por isso mesmo viva!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns, Léo.

    Arrebatadora esta Febril, nao?

    Muita luz para Lúcia Helena.

    ResponderExcluir
  3. "Mulher, negra, jornalista, poeta e CARIOCA” formam a sigla que é símbolo
    de uma pessoa autêntica e única em tudo quanto faz: LHC.
    Nega, minha parceira e amiga, parabéns pelo aniversário e por tudo!!!

    ResponderExcluir
  4. Eita coisa linda!!!! Que texto, Léo! Uau!
    Tão digno de aplausos quanto minha amiga-irmã LHC! Que mulher!!!
    Um beijão,
    Danny.

    ResponderExcluir
  5. Pedro, Poli, Danny:

    Agradeço pela parte que me cabe nesses elogios e uno-me a vocês nos aplausos à Lucia, mais que merecidos!

    Abração do
    Léo.

    ResponderExcluir
  6. el corazón de esta mujer!!! como ella misma dice, tiene cada vez mas lugar para albergar a mas amigos, mas canciones , mas pasión...
    agradecida de ser su "hermana" argentina!!
    ...y espero el disco..como todos!!

    ResponderExcluir
  7. Sí sí sí, Marce! Con tantos con tangas ganas de que se edite este CD, es imposible que ella no lo logre.

    Besos,
    Léo.

    ResponderExcluir
  8. Oi Léo,

    Você se lembra da confusão que aconteceu quando você me apresentou para Lúcia? Ela pensando que eu era outra e eu pensando que ela também era outra...mas no final tudo se acertou e hoje posso dizer que somos amigas e tenho tido provas disso.Na festa do Caiubi,se Deus quiser(ele sempre quer coisas boas) vou poder abraça-la e dizer o quanto a admiro.Estamos juntos em um projeto e todos vamos correr pro abraço.

    Obrigada Léo por este presentão que você me deu chamado Lucia(sem acento) Helena COrrêa(com acento e sem o i) Muitos beijos aos dois
    Lucinda Prado

    ResponderExcluir
  9. Lucinda:

    Pessoas com vibrações semelhantes cedo ou tarde acabam se aproximando. Fico feliz por ter sido a ponte.

    Então você vem pra festa do Caiubi? Que maravilha! Esta semana prometo passar um pente fino nos contos que faltam, ok?

    Beijão do
    Léo.

    ResponderExcluir
  10. LHC tentou postar, mas também não conseguiu. me mandou por e-mail:

    Léo,

    Pronto! Fui a nocaute! Logo eu que sempre me orgulhei de ter o dom da palavra, a resposta na ponta da língua... "com talento nato para a esgrima verbal", segundo você, logo eu, aqui estou engasgada pela emoção... Léo, meu amigo querido, e todos que ratificam suas palavras, se eu não puder honrar os elogios, tenham a mais plena certeza de que sempre colocarei a minha voz a serviço do encantamento, da pacificação da alma. Mas, acima de tudo, sempre hei de amá-los com a intensidade de quem está sempre de partida. E, depois, quando já estiver morando em Saturno, com o mesmo amor, de lá, hei de lhes piscar o meu olhar de estrela. Olorum os abençoe e faça sempre muito felizes. Axé Odara! LHC, a mulher-sigla.

    ResponderExcluir
  11. Essa mulher é de uma força intensa! Conheci-a na casa do Branco, num almoço, e nunca mais nos vimos. Mas eu estou sempre à cata de seus textos e poesias, pois sempre me revitalizam!
    Sua voz negra e penetrante,me faz retornar às minhas raízes, à minha negritude, ao lamento de senzala...
    Obrigada por esse "Ninguém me Conhece", Léo!

    ResponderExcluir
  12. Que bom receber seu comentário temporão, Irinéa. E que bom que gostou.

    Beijo agradecido do
    Léo.

    ResponderExcluir
  13. Faz pouco tempo conheci a voz e a poesia de Lucia Helena Correa. Desde então não consigo parar de ouvir a sua alma transbordada no seu som e nos seus versos. Estou completamente tomado pela magia causada pelo delirante impacto do seu trabalho. Ela já se foi, mas seus versos e intensidade de voz, permanecem intensos dentro mim.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato pela presença e pelo comentário, Andrarreis.

      Abraço,
      Léo.

      Excluir