domingo, 22 de maio de 2011

Crônicas Desclassificadas: 15) Meu amanhã é agora

Sexta-feira, 22 de maio, de manhã, recebi um telefonema de meu amigo Adolar Marin, avisando-me que ouvira na CBN que Zé Rodrix havia falecido. Eu estava numa sala de espera do Colégio Marista Arquidiocesano, onde iria conversar com uma professora a respeito de um estágio. As lágrimas rolaram fartas. Corri pro banheiro mais próximo (que era longe pra caramba!) e chorei. Chorei muito. Não lembro onde eu estava quando nenhum desses artistas consagrados morreu, mas vou me lembrar até o fim dos dias daquela sala de espera do Arquidiocesano, do imenso corredor até o banheiro e do sol implacável que batia no meu rosto, insensível, quando de lá saí.

O  eu conhecia bem. Tive o privilégio de estar perto dele tanto na intimidade do lar como nas muitas e memoráveis noites caiubistas em que marcou presença. Pude aprender com sua sabedoria, espantar-me com seu jeito sempre franco (e às vezes áspero) de dizer o que sentia. Calei muitas vezes minhas opiniões contrárias pra não entrar num debate longo (e perder). Cheguei mesmo a pensar, às vezes, que ele não gostava muito de mim, que me julgava um covarde, por eu ter uma atitude passiva perante o que o hoje esperava de mim não só como compositor e por minha condescendência com a estagnada MPB; guardei mesmo essa mágoa, num cantinho do peito, mágoa esta que não sabia mesmo se era dirigida a ele ou a mim, pois ao olhar no espelho de rabo de olho podia perceber meus olhos fugidios de covarde.

E assim, sempre tive medo dele. Medo e certa vergonha de estar em sua presença sem me sentir merecedor. Mas ele não dava nem bola pra isso. Uma vez, recém-chegado do Rio, partiu pra cima de mim de dedo em riste e soltou: "Filho de uma puta! Como é que você faz isso comigo?". Empalideci e quase desmaiei, pois a grandeza dele não estava no tamanho. Em seguida, emendou: "Ouvi ontem Clarisse Grova cantando Roma. Isso não se faz! Eu tenho mulher e filhos pra sustentar e você me vem com uma dessas!". Em seguida, abriu um largo sorriso e me deu um abraço que me fez sentir eternamente por ele abraçado. É, ele não estava nem aí pro meu medo. Tanto que não foram poucas vezes que almocei em sua casa. Fiquei mesmo emocionado numa noite em que ele nos convidou (a mim e a Kana) pra passar o réveillon com sua família.

Eu sempre tive um defeito de fã de MPB: a idolatria aos ídolos. Isso continuou depois que comecei a compor. Paguei micos homéricos, de fitinha em punho, tentando me aproximar de gente famosa. Com o , quando o conheci no Caiubi, não foi diferente. No imbecil afã de ser seu parceiro, meio que até ignorando seus braços abertos à amizade, por medo e falta de sensibilidade, eu sempre aparecia com alguma letra nova esperando sua parceria. E letras que não tinham nada a ver. Um dia ele me escreveu dizendo pra eu “ralar” mais, que não era fácil assim ser parceiro de Zé Rodrix.

O fato é que eu desisti de “ralar” e preferi usufruir de sua amizade e aprender com suas palavras, fosse em sua presença, fosse por meio das listas de que participamos juntos. E ainda me pego acanhado por me saber tão distante de ser verdadeiro como ele era. Ele era tão verdadeiro que chegava a ser contraditório, pois não tinha medo de mudar. Hoje vivemos num mundo em que tudo é lindo, todas as pessoas são fofas, todo mundo é artista, toda cantora é diva, toda diva é compositora, e o verdadeiro sentido da criação acabou perdido num canto qualquer em meio a tanta informação (e criação) inútil. E ninguém tem coragem de abrir a boca e avisar a essas pessoas de seu equívoco. Por essas e outras, o  pertencia a um outro tempo. Ele repetia sempre que amigo é aquele que avisa que você está com mau hálito. Hoje andamos todos por aí com nossos bafos-de-onça e ninguém nos avisa (assim como não avisamos a ninguém).

Acabei sendo parceiro dele pela entrada de serviço: um dia, na casa do Álvaro Cueva, Marcio Policastro nos mostrou uma letra que o  lhe tinha enviado. Em princípio eu não quis participar, mas o Álvaro insistiu, e nos pusemos os três a trabalhar sobre ela, acrescentamos outros versos, a melodia foi surgindo e nasceu a Doutor Sabe Tudo, uma das músicas preferidas de quem assiste aos shows do 4+1. Ele adorou. E, como eu estava no meio, fiquei. Tempos depois, já parceiro, acabei lhe enviando outra letra, dessa vez já o conhecendo bem. E qual não foi minha surpresa ao receber um e-mail, no dia 1º de agosto de 2007, que dizia assim: “LEO!!!! Era essa! Tá pronta!!! Um senhor Bo Diddley.... southern sincopated rock'n'roll... mexi numas coisinhas para ter mais suinque!”.

Por essas ironias do destino, acabei nunca ouvindo essa canção. Pra falar a verdade, com o tempo, esqueci que ela existia. Só agora, remexendo em velhos e-mails, reencontrei-a. E a letra, aparentemente simples, se revestiu de um peso que não tinha na época. Difícil foi conter novamente as lágrimas, pois agora, relendo-a, era ele quem me dizia:

Eu vou sair à francesa
Abandonar minha escora
Remar contra a correnteza
O meu lugar é lá fora
É pra lá que eu vou, com certeza,
É pra lá que eu vou-me embora

Boto a viola no saco
Pra correr atrás da aurora
Confesso que eu tenho um fraco
Por caminhar vida afora
Vou pular que nem macaco
Lá pra onde eu vou-me embora

É tanta gente com pressa
Até pra viver tem hora
Não vou ficar na promessa
Meu amanhã é agora
A minha hora começa...
Eu vou nessa, eu vou-me embora

Pasárgada, Xangrilá
Joinville, Juiz de Fora,
Qualquer lugar é lugar
Quando é no peito que mora
E eu vou-me embora pra lá
É pra lá que eu vou-me embora

MEU AMANHÃ É AGORA
Ze RodrixLéo Nogueira

São Paulo, 24 de maio de 2009.

6 comentários:

  1. léo, saudade né? a saudade é nossa e ele junto de nós sentindo a mesma! é isso! é vida!

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  2. É, Léo, mestre é aquele que tem o poder de nos fazer pensar ,de alterar o nosso comportamento.
    Ele achava importante um movimento como o Caiubi,
    essa interação que promove, estimula a criação, não é?
    Infelizmente, não o conheci pessoalmente. Meu irmão Waltércio é que fez a capa de um disco do Sá, Rodrix e Guarabira.

    Grande abraço!

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  3. Meu LEOZÃO:
    Você é muito LINDO!
    Beijo e Luz
    SUCESSO SEMPRE

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  4. Olá, Apá! Saudades recíprocas! Bom te saber por perto!

    Cláudio, belas palavras! E interessante saber sobre seu irmão.

    Tato, você é uma pessoa muito grande! Bom te conhecer!

    Beijos do
    Léo.

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  5. Oi, Léo, tudo bem?

    Finalmente estou visitando seu blog, com a atenção que ele merece.

    Estou percorrendo todos os cômodos da sua casa virtual, mas me detive nos textos em memória ao Toninho Spessoto e ao Zé Rodrix. Soube da morte do último num telefonema de minha mãe. Nem pensei: fui comprar uma passagem a São Paulo, peguei o ônibus e fui ao velório.

    Pena que não pude prestar esse mesmo tributo ao Toninho. Mas os dois ficam na lembrança e na estima de cada um de nós.

    O texto da Marianna é comovente, fez justiça à memória desse crítico tão humano.

    Um grande abraço!

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  6. Olá, Érico!

    Fico feliz com sua visita. Sinta-se em casa. Provavelmente nos esbarramos no velório do Zé, pois também estive lá. Foi uma irreparável perda pra nós todos, assim como o Toninho. Restamos nós...

    Abração do
    Léo.

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