Por ter amigos que pertencem (ou pertenceram) ao catálogo da Dabliú Discos, acabei entrando em contato com a obra do compositor baiano Vicente Barreto que fora lançada por este selo, na época dois CDs, Ano Bom e Mão Direita. Foi amor à primeira ouvida. De lá pra cá procurei acompanhar de perto suas novidades discográficas, e, a cada novo trabalho, era um novo deslumbramento. Sou admirador do trabalho de muitos compositores, mas poucos destes atingiram o nível de Vicente, a quem, sem medo de incorrer no exagero, considero um gênio.
Na condição de letrista, obviamente estou mais atento ao trabalho de compositores que também exercem meu ofício. Afinal, quando nos deparamos com um belo trabalho, fatalmente nos inspiramos. Mas as composições de Vicente são tão arrebatadoras que sua musicalidade por si só me seduziu. Claro que a boa companhia de parceiros como Paulo Cesar Pinheiro, Celso Viáfora, José Carlos Costa Netto, Tom Zé, Alceu Valença e outros do mesmo naipe só contribuíram (e contribuem) pra valorizar suas melodias.
Na condição de letrista, obviamente estou mais atento ao trabalho de compositores que também exercem meu ofício. Afinal, quando nos deparamos com um belo trabalho, fatalmente nos inspiramos. Mas as composições de Vicente são tão arrebatadoras que sua musicalidade por si só me seduziu. Claro que a boa companhia de parceiros como Paulo Cesar Pinheiro, Celso Viáfora, José Carlos Costa Netto, Tom Zé, Alceu Valença e outros do mesmo naipe só contribuíram (e contribuem) pra valorizar suas melodias.
1) Na Volta que o Mundo Dá (Vicente Barreto - Paulo Cesar Pinheiro)
Vânia Abreu
Mas voltemos no tempo. Vicente Barreto aprendeu a tocar violão de forma autodidata ainda menino, em sua cidade natal, Conceição do Coité, no interior da Bahia. De lá pra Serrinha, depois Salvador e, consequentemente, Rio de Janeiro, foram três pulos. Em pouco tempo o moço tinha conquistado uma legião de admiradores, seu nome se espalhou com o vento, e o vento fez um bom trabalho, soprou mesmo seu nome aos ouvidos de Vinicius de Moraes, que, como São Tomé, após ver o talento do moço com seus próprios olhos, não hesitou em torná-lo seu parceiro.
Mas o moço Vicente não se adaptou muito bem ao clima do Rio e, contrariando amigos como Gonzaguinha, fez as malas e se mandou pra São Paulo. Aqui chegando, longe dos holofotes da cidade maravilhosa, sentiu na carne o descrédito que têm os compositores da terra da garoa. Embora tenha sido acolhido no elenco da Dabliú, sua carreira não decolou como o esperado e, embora compositor respeitado e requisitado no meio, acabou se tornando um ilustre desconhecido do grande público.
E a ironia das ironias é que esse mesmo público que o desconhece canta de cabo a rabo sucessos de sua lavra como, entre outros, Tropicana. Como não pertenço ao grande público, e sim ao pequeno, tive o privilégio de conhecer-lhe outros "sucessos em potencial", ou "pequenos sucessos", como queiram. E assisti a alguns de seus shows, ao final dos quais me apresentava como letrista afim. Vicente, sempre simpático e educado, já parceiro de chegados meus como Zé Edu Camargo, em três ou quatro oportunidades me estendeu a mão e disse "muito prazer"...
2) Tropicana (Vicente Barreto - Alceu Valença)
Então, a convite da produção da cantora amapaense Juliele, veio aquela inesquecível viagem a Macapá, onde os compositores gravados em seu primeiro disco fomos recebidos e hospedados por uma semana, pras festividades de lançamento de seu CD homônimo. Já no aeroporto de Congonhas, à espera do voo que levaria a mim e a Kana (foi a primeira viagem que lhe "paguei"), fui apresentado a... Vicente Barreto! Foi a última vez que ele me disse "muito prazer". Maiores informações sobre a viagem relatei no texto sobre Enrico Di Miceli, por ora basta dizer que lá do outro lado do Brasil acabamos nos aproximando e ali, às margens do rio Amazonas, nasceu uma bela amizade.
E essa bela amizade desaguou em parceria. Já de volta a Sampa, toca o telefone, atendo e ouço aquela agradável voz de inconfundível sotaque: "Léo, é Vicente!". Ele me ligara pra me avisar que havia composto uma melodia que queria que eu letrasse. E pelo telefone mesmo já foi me mostrando. Senti as pernas vacilarem ao ouvir aquela bela melodia que seria minha! Visitei sua casa pra gravá-la e já havia mais uma me esperando. Em menos de um mês éramos parceiros em duas belas canções. A primeira delas batizei de Chororô. A letra é esta:
Um tabaréu/ Que nem sou eu/ Sozim e só/ Que nem eu sou/ De dia, dó/ De noite, dor/ É um toró/ Um chororô./ Ando só na Guanabara/ E me lembro de você/ Esse sol na minha cara/ Vê os meus óio chover/ Em São Paulo, na garoa,/ Sinto o coração arder./ Eu não sou mais eu, mas ó!/ Eu não sou mais seu, mas sou.
Nessa mesma visita a sua casa, Kana, munida de uma filmadora, entrevistou-o pra um projeto que vem desenvolvendo. Embora eu já o conhecesse e já soubesse de sua espontaneidade, não pude deixar de me impressionar com a transformação que nele se deu quando Kana apertou o botão rec. Resumindo, ele contou boa parte de sua vida, tocou trechos de várias canções, ensinando didaticamente a levada de cada ritmo, e tudo com uma sinceridade e uma naturalidade de dar inveja a muito "medalhão". Vicente é um exemplo-mor daquele ditado que diz que "baiano não nasce, estreia".
Pensando nisso e costurando com a bela autobiografia de Lobão, 50 Anos a Mil, que acabei de ler recentemente, tenho que concordar com ele quando diz que o problema não são as gravadoras, mas as pessoas que as comandam. Houvesse atrás dessas mesas, no lugar onde os tapados sentam suas famigeradas bundas, homens mais apaixonados por música do que por grana, certamente artistas como Vicente (que é um showman nato) seriam fenômenos de vendas, lotariam não-sei-quê-halls, apareceriam no Faustão e teriam suas canções executadas em novelas "globais". Mas a burrice da exigência do retorno imediato impede que um retorno mais duradouro se estabeleça, ainda que a médio prazo. Além do mais, os retornos a médio prazo são em geral os mais duradouros. Embora não acredite muito em máximas, acredito nesta: Dinheiro que vem fácil vai fácil!
Por fim, queria registrar aqui minha alegria por ter dado minha contribuição pro nascimento de um dos mais belos CDs lançados neste século. De volta de Macapá, apresentei Vicente a Vasco Debritto, que então produzia o novo CD de Kana. O percussionista Bosco, amigo de Vasco, coincidentemente lhe vinha falando de Vicente, então minha intercessão - juntada à simpatia do baiano - fez Vasco bater o martelo. Alguns meses depois chegava às melhores lojas do ramo a obra-prima Vicente. Minuto propagandístico: Se você é daqueles que ainda se emocionam ouvindo música, corra já a adquirir o seu! Caso contrário... Me explique como é que você chegou até o fim desta leitura?
***
É Léo...
ResponderExcluirQuantos talentos nós temos e desconhecemos...
O artista em questão, até do Vinicius é parceiro...
Pelo que ouvi do Vicente, ele tem em sua arte, uma bagagem do Brasil, que nos é cara e se nós a perdermos, nosso futuro fica comprometido.
"O Brazil não conhece o Brasil."
Realmente uma gestão mais cuidadosa, por parte dos dirigentes das gravadoras, poderia virar o jogo.
Vamos trabalhar e torcer.
Mais uma vez um belo texto, parabéns e obrigado Léo!
Vicente Barreto é maravilhoso!!!! E isso porque conheço menos do que gostaria dele, mas tudo o que conheço me emociona.
ResponderExcluirTambém vim pra avisar que FINALMENTE estou retomando o meu blog de escritos, paralelo ao blogfolio, e já coloquei devidamente o seu blog lá, assim posso acompanhar com mais frequência.
Beijão e muitas saudades!!!!
Cláudio, parceiro:
ResponderExcluirEscrever sobre Vicente sempre me é muito complicado, pois o vejo como um dos grandes. Suas composições, seu exímio violão, seu estado de "preparado" a qualquer momento, tudo nele é de uma pessoa genial. Saber que seu trabalho não tem o devido retorno chega a ser humilhante pra um país que não tem a capacidade de manter as preciosidades que aqui nascem.
Vá lá conhecer mais dele. Garanto que vai adorar!
Abração do
Léo.
Valeu, Lulu! Vou ficar de olho em você também.
ResponderExcluirSaudades recíprocas.
Beijos em toda a família,
Léo.
Léo, muito bom! Vicente é realmente um absurdo!
ResponderExcluirQueria imprimir o que você escreveu citando o Lobão, emoldurar e colocar num quadro na minha sala:
"o problema não são as gravadoras, mas as pessoas que as comandam. Houvesse atrás dessas mesas, no lugar onde os tapados sentam suas famigeradas bundas, homens mais apaixonados por música do que por grana, certamente artistas como Vicente (que é um showman nato) seriam fenômenos de vendas, lotariam não-sei-quê-halls, apareceriam no Faustão e teriam suas canções executadas em novelas "globais". Mas a burrice da exigência do retorno imediato impede que um retorno mais duradouro se estabeleça, ainda que a médio prazo."
Beijos!
Oi, parceira! Que bom que gostou. Só um detalhe, pra não gerar informação errada por aí: Imbuído do espírito "lobanesco" após ter lido seu livro, eu escrevi as palavras que você pôs entre aspas. Claro que ele disse a mesma coisa, mas traduzi com minhas palavras, embora pareçam dele. Hehe!
ResponderExcluirBeijos do
Léo.
Certo, certo!!!!
ResponderExcluirBeijão!
Bela homenagem nao esquecida, Léo! Compartilho plenamente com voce,quando diz: "quando nos deparamos com um belo trabalho, fatalmente nos inspiramos. Mas as composições de Vicente são tão arrebatadoras que sua musicalidade por si só me seduziu". Figura marcante sim! Quem ja ouviu percebe sua genialidade. Mas, o problema é que a musica hoje, esta em segundo plano. Os comandantes das gravadoras,não precisam usar de seu "sixth sense", pois sua visão é para lucro facil e rapido. Tai a era do neuro-marketing, da neuro-ciencia, que dependendo de que esta no comando, pode ser utilizado de maneira anti-ética, por isso, é discutido em varios paises, mas parece que por aqui foi bem aceito.
ExcluirOu não se divulga nada no Brasil.
Olá, caro anônimo! Agradeço pela visita e pelo pertinente comentário. Só faltou você se identificar.
ExcluirAbraço do
Léo.