terça-feira, 1 de março de 2011

Ninguém me Conhece: 39) A utopia de um certo Pe. Zezinho

Resolvi escrever este texto por motivos afetivos. Quando era criança, costumava passar as férias escolares na casa de meus avós. Lá, passava os dias inteiros jogando futebol num campinho de terra e, quando chovia, ou quando anoitecia, jogava damas com os garotos da rua. Só descuidava dessas importantes atividades nas horas de refeição e… oração. Minha avó era uma católica fervorosa, quando não estava ocupada com os afazeres domésticos estava rezando. Inclusive, visitava doentes e rezava com eles e pra eles. Quando eu ia pra sua casa, sabia que ia pôr em dia minha carga de orações. Eu, moleque, louco pra brincar, achava chato para caramba ter que rezar o terço, depois o anjo da guarda, depois a ladainha, depois o credo, depois a salve rainha, depois a novena de não sei quem, depois mais isso, depois mais aquilo… Enfim, me parecia um castigo, muito pagamento pra pouco pecado (mas deve ter servido pros pecados futuros). Porém, se era o preço, então eu pagava, pois teria o resto do dia livre pra brincar.

1) Um Certo Galileu (Pe. Zezinho)

De todo esse tempo gasto em orações, só de uma coisa eu gostava: das canções do padre Zezinho, um padre cantor. Hoje, padre cantor parece que dá em árvore, mas naquela época era raridade. E como cantava o homem! E como compunha! Minha vó o adorava, tinha praticamente todos os discos dele. Então, eu preferia rezar cantando. Porque eu, quando era moleque, achava que a oração legal era a que não parecia oração. Eu lia a Bíblia avidamente, mas como quem estivesse lendo um romance de capa e espada, comendo as páginas, pra saber o que ia acontecer com José no Egito, se Moisés ia tirar o povo hebreu das garras do faraó, se Sansão ia ganhar a guerra com uma queixada, se Noé ia sobreviver ao dilúvio, se Jesus ia escapar à cruz, se Davi isso, se Esaú aquilo, se Salomão aquilo outro etc. etc. E com as canções do pe. Zezinho ocorria o mesmo. Pra mim era como se ele fosse uma espécie de Roberto Carlos da Igreja.

O tempo passou, eu mudei, o mundo mudou, a música comercial engoliu a artesanal, até as religiões aprenderam a entrar no consumismo desvairado. Começou com a música gospel, daí a Igreja Católica, vendo a debandada de fiéis pra outras religiões, pôs em marcha seus padres cantores, muitos dos quais nem cantar sabiam. Esses nunca me convenceram, com seus exageros e seus cacoetes herdados dos protestantes. Pra mim pe. Zezinho sempre fez música de verdade, com o coração. Se não tivesse sido padre, certamente, com maior liberdade temática, teria dado à música brasileira muitas joias. Assim como são joias as canções católicas que compôs, só que estas, por motivos óbvios, acabaram ficando restritas ao universo religioso. Uma pessoa que não seja católica não as irá ouvir, infelizmente. O fato é que na vida de cada um a música tem um propósito. Pra alguns, é ritmo que faz mover o esqueleto e assim alcançar um relaxamento, desestressar, perder calorias; pra outros, é trilha sonora de amores e saudades; pra alguns, é ferramenta de engajamento político; pra outros mais, é uma máquina de fazer dinheiro; pra poucos, representa a vida, é como se fosse o próprio ar; e muitas coisas mais, poderia ficar até amanhã enumerando; mas, pra pe. Zezinho, a música é uma forma de extravasar dúvidas e crenças, aproximar-se de Deus (e trazer seus semelhantes ao convívio deste).

Há uma canção dele de que eu gostava muito (aliás, ainda gosto, só perdi o hábito de ouvir) chamada O Profeta. A letra está no link abaixo, mas colo só um pedacinho, pra ilustrá-lo, pois ela resume um pouco quem é pe. Zezinho: "[...] Minha profecia é feita de alegria/ Eu não sei cantar o amor perdido/ Como tanta gente faz/ Sou como criança que da noite faz o dia/ Depois que fez a manha, está sorrindo de alegria./ Canto quando choro, canto pra sorrir/ Minha profecia o mundo inteiro vai ouvir/ Canto pela paz, canto contra a guerra/ Canto pra varrer o egoísmo dessa terra [...]". Não é pouco! Por isso, resolvi dar um passo nesse sentido, de tentar aproximar ao universo de meus heroicos (e laicos) leitores a música deste compositor genial que, quis o destino (ou Deus?), tratasse da fé. Mas há canções dele em que a religiosidade aparece de forma quase imperceptível, parecem quase música popular. Vejam a letra desta Coragem de Sonhar:

"Do alto dos teus 15 anos/ Contemplas este mundo com amor/ E tens uma pergunta engatilhada/ Que a gente nunca sabe responder/ E quando algum amigo enfim responde/ às vezes não consegues entender/ Do alto dos teus 15 anos/ Eu sei que às vezes gostas de sonhar/ E sonhas lindos sonhos de futuro/ Que bom que tens coragem de sonhar./ Do alto dos teus 20 anos/ Contemplas este mundo desigual/ E tens uma resposta engatilhada/ Se a gente por acaso perguntar/ E quando alguém se arrisca e te pergunta/ Às vezes, tu começas a brigar/ Do alto dos teus 20 anos/ Eu sei que às vezes gostas de teimar/ E sonhas com um mundo diferente/ Que bom que tens coragem de brigar./ Do altos dos teus 30 anos/ Contemplas este mundo tão cruel/ E tens um grito preso na garganta/ Por ver tanta injustiça e tanto fel/ Mas quando é tua vez não dizes nada/ Que aos 30 já se tem muito a perder/ Do alto dos teus 30 anos/ Tu dizes que é melhor deixar pra lá/ Não tens mais ilusões quanto ao futuro/ Que pena que não saibas mais sonhar". Uma porrada, não?

2) Utopia (Pe. Zezinho)

Mas não foi do nada que tomei a decisão decisão de escrever acerca dele. Calhou que há alguns dias trombei com ele por acaso. Passaram-se muitos anos desde aquela época em que eu, moleque, ouvia suas canções na casa de meus avós. Quase não o reconhecia. Grisalho, portador das marcas que o tempo cedo ou tarde deixa em todos, mas dono de um olhar penetrante, diria mesmo altivo, me pareceu um tanto assustador. Não tive coragem de falar com ele, nem teria sabido o que dizer, mas confesso que fui tomado por uma emoção que tive dificuldades de conter. Lembrei-me de meus avós, que partiram há alguns anos, e me bateu uma saudade tão grande daqueles tempos, saudade esta que veio com cores, imagens, até mesmo cheiros.

Meus avós protagonizaram uma história surpreendente, que um tempo atrás quis transformar num romance. Cheguei mesmo a entrevistá-los, e o resultado dessa entrevista foram cerca de cem páginas, que, por incompetência minha em lidar com certa duplicidade de nomes de arquivos, acabaram desaparecendo de meu computador pra todo o sempre. Pouco tempo depois ambos morreram, e a tristeza não me deixou retomar o projeto. Mas a história é a seguinte: das oito primeiras gravidezes de minha vó, cinco filhos morreram durante o parto. Depois me contaram que parece que ela tinha um problema nas trompas, mas ali, no meio do sertão, hospitais e, por consequência, médicos não eram exatamente comuns. Pois bem, ao perder o quinto filho, minha avó, dona Antônia (ah, o nome de meu vô era Antônio, o seu Tonico), fez uma promessa a São Francisco: se ela não perdesse mais nenhum filho, todos os que nascessem a partir dali levariam o nome do santo. Nasceram então oito Franciscos. Quem quiser acredite, quem preferir achar coincidência fique à vontade também. Sem propagandear o milagre, só o fato por si já dava uma bela história, não? Unindo as pontas, o fato de ter encontrado o pe. Zezinho lembrou-me de meus avós e desse projeto de livro que nunca pude realizar. Então, achei por bem, como uma homenagem a eles e ao próprio pe. Zezinho, de quem fui fã na infância (e por quem ainda nutro um grande carinho), escrever este relato. Pra terminar, sem a intenção de querer doutrinar, peço que ouçam as canções dele, pelo simples prazer de ouvir música, e tirem suas próprias conclusões.

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Visite seu site.

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3) Eu Tenho Fé (Pe. Zezinho)
Pe. Zezinho e Zeca Baleiro

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9 comentários:

  1. Meu caro Léo, ler suas histórias me faz lembrar da minha infância, da minha geração e de seus valores. Daí, percebo as transformações que estão acontecendo e, do que sempre, mesmo sendo constantemente re-inventado, existirá.

    Grande abraço!

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  2. Irmão, adorei o texto! Só prá constar, minha primeira participação fonográfica, aos dez anos de idade, foi acompanhando meus tios do 'Titulares do Ritmo' em gravações do Padre Zezinho. Cantava no 'coro feminino' (viche!) com minha irmã e primas. Lembro que numa das primeiras vezes, gravamos doze músicas numa tarde. Cada um de nós levou sessenta cruzeiros pela brincadeira. Abs. e amém!

    Álvaro

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  3. Salve, Cláudio!

    Fico feliz em saber disso. Pena que essa palavra no plural, "valores", esteja tão fora de moda. Mas, felizes que somos por ter vivido numa época em que, apesar dos pesares, havia alguma noção dela, seguimos regando seus frutos. mas o mundo também se reinventa, e acredito que o que não tem solução por si só se soluciona.

    Abração do
    Léo.

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  4. Grande parceiro Álvaro! Você é dos meus!

    Adorei sua história também. Bons tempos, hem?

    Abração do
    Léo.

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  5. O blog está cada vez melhor, inclusive em termos de fugir do óbvio (aposto que a cada novo "Ninguém Me Conhece" as perguntas mais comuns são duas: 1) “Quem será o próximo caiubiano?” 2) “Será que desta vez Leo vai me incluir”?)

    Bem, este texto sobre Padre Zezinho complementa perfeitamente um aspecto de minha pesquisa sobre rock brasileiro, o de sua interação com a religiosidade brasileira. Afinal, desde os primeiros discos gospel de Elvis o mundo já sabia que rock não era "coisa do diabo". E no Brasil Padre Zezinho foi um dos pioneiros do pop religioso, ao lado de artistas religiosos ou laicos como Padre Irala Jr., Betinho (aquele de “Neurastênico”), Silvio Brito (sim, aquele), os Brazilian Bitles (primeiro grupo pop a tocar numa missa brasileira) e, claro, Roberto Carlos.

    E para um “Ninguém me Conhece” sugiro Deus... que, afinal, é brasileiro.

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  6. Hahaha! Salve, Ayrton! Sempre complementando meus textos com sua extensíssima fonte de conhecimentos. Sim, nos primeiros discos de pe. Zezinho sentimos ecos do iê-iê-iê, um verdadeiro roqueiro de Jesus!

    Aproveito pra avisar a quem já leu que incluí um P.S. ao texto, com um link pra um vídeo em que pe. Zezinho canta com Zeca Baleiro, o que confirma sua veia pop-roqueira.

    Abraços do
    Léo.

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  7. Grande léo !!
    Um dia quando crescer quero escrever assim como você rsrsrsrs. Tenho dado umas olhadinhas nos textos e garoto um melhor que o outro, já esta rolando uma espectativa no ar de quem será o próximo texto ? sobre quem o nosso Nelson Motta dos blogs vai apontar os teclados e confeccionar belas estórias.
    Um grande abraço meu grande amigo não sou de fazer isso você bem sabe, mas estou orgulhoso de você um grande beijo no seu coração escritor, compositor e poeta.

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  8. Fala, Tó! Grande presença! Quando vai rolar a próxima cerveja?

    Abração do
    Léo.

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  9. Minha querida e primorosa prima também não conseguiu deixar seu comentário aqui. Posto por ela, pois:

    "Ô, meu primoroso Léoléo... não pude conter as lágrimas e a emoção de relembrar tais lampejos de luz quente, macia e densa que nortearam nossas infâncias na casa da vovó.
    Devo confessar que eu também tenho dificuldades de encarar a profundidade daquelas páginas de nossas vidas, nas quais, certamente, foram registrados os traços essenciais de personagens formidáveis como você.
    Assim, quero dar os parabéns por ter conseguido escrever algumas linhas dessas lembranças, reavivando os valores que o tornam único e incomparável; e, de quebra, disponibilizando um pouco do "Leo_Nardo Nogueira" para os olhos e corações ansiosos por vida de verdade.
    Muito orgulho e saudade de vc.
    Beijos,
    Aurinha."

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