Na época em que participava do grupo RSMB (Rede Solidária da Música Brasileira), encabeçado pelo compositor Madan, e começava a frequentar o Caiubi, ouvi falar pela primeira vez de uma tal M-Música, grupo de discussão sobre música que era uma espécie de fusão da RSMB com o Caiubi, pois possuía o elemento virtual daquele e as apresentações ao vivo deste. Só que, diferentemente destes, seu QG era no Rio. Apesar disso (ou por isso mesmo), nesse grupo havia brasileiros de várias partes do mundo, inclusive trocavam e-mails e faziam parcerias famosos e anônimos que dele participavam. Mexi uns pauzinhos e me fiz convidar, assim que, em pouco tempo, lá estava eu, trocando e-mails com amantes (e fazedores) da música dos mais variados estilos e sotaques. E foi lá que tive o privilégio de conhecer Luli, ou melhor, Luhli.
1) Fala (João Ricardo - Luhli)
Secos & Molhados
Figuraça, atuante, espirituosa, intelectual, letrista prolífica, melodista idem, Luhli "fazia um estrago" naquele grupo. Fui me aproximando dela timidamente, engatinhando e esperando que a parceria aprendesse a andar, até que um dia tive coragem de lhe mandar uma letra, e não é que ela musicou? Mas a minha era só uma gota no mar de letras que ela recebia, e de gente mais gabaritada que eu, além do fato de ser ela própria excelente letrista. Daí que paramos nessa filha única. Mas foi, aliás, é, uma bela filha. Chama-se Eternidade. Eis a letra: Pode o mundo se acabar/ Que esse beijo não desmancha/ Avalanche em minha boca/ De loba./ Pode a bússola quebrar/ Que essa noite não se perde/ Que o seu barco em minhas águas/ Se guia./ Pode o sol entrar no mar/ Pode o mar virar sertão/ Cada estrela se apagar/ E brilhar a escuridão/ Pode o mar beber o Rio/ E nevar sobre os Jardins,/ Chão se abrir no meio-fio,/ Que essa noite não tem fim/ A eternidade riu/ Com você dentro de mim.
Mais importante que a parceria foi poder estar perto, ainda que virtualmente, de sua sabedoria. Mas, como nem só de virtualidades vive o homem, chegou o dia de conhecê-la pessoalmente. Luhli veio a Sampa e eu e outros m-musgueiros daqui demos um jeito de sequestrá-la pra nosso convívio numa tarde daquelas. E o cativeiro escolhido foi justamente minha casa. Se não me engano, foi Álvaro Cueva quem a trouxe. Kana fez um daqueles seus almoços de empanturrar, e, morta a fome, tratamos de matar outras fomes. E Luhli não se fez de rogada. Mandou ver! Teceu sua teia, soltou o verbo, cantou, ensinou, foi didática, sedutora, enfim, um encanto. Eu, embasbacado, não sabia como podia caber dentro daquela cabeça tanta coisa boa de ser aprendida. E, quando o assunto era palco, ela deu um banho de informações úteis pra cativar a plateia. Sobretudo ensinou como usar, mais que a voz, o olhar.
A tarde foi pouca. Luhli foi embora, mas deixou sua marca em nossa pele, a ferro e fogo. Também, pudera! A mulher, já na década de 70, quando ainda era apenas a Luli, se mandou do Rio, onde morava, e foi viver num sítio, com a parceira Lucina (e outros bichos-grilos). Lá realizaram o sonho de muita gente então: o da vida comunitária, em contato com a natureza, compondo e plantando. Hippies da gema, viveram o amor livre MESMO, ainda por cima foram as primeiras a lançar um LP independente. Sendo mulheres, tiveram a coragem que muito marmanjo não teria e fizeram coisas de "fazer você tremer dentro do vestido" (by Tavito/Ney Azambuja).
2) O Vira (João Ricardo - Luhli)
Ney Matogrosso
O tempo passou, muita gente boa gravou suas canções, dentre toda essa buona gente o destaque fica por conta de Ney Matogrosso, claro, que se encantou com as moças e gravou uma infinidade de canções delas, podendo ser considerado seu padrinho. Daí as duas resolveram ir cada uma pro seu lado, Luli resolveu meter o H entre o Lu e o Li, e veio desaguar, depois de muito navegar, com as cinco letras de seu nome, no cais da M-Música, onde encontrou porto seguro pra fazer tantas letras outras e um mar de canções.
Canções estas que, por sua vez, praticamente saíram no tapa pra ver quais delas teriam o privilégio de entrar num CD que a artista lançou no ano de 2006 e que se chamou simplesmente Luhli. Quinze tiveram a honra. As outras, pra nossa tristeza, esperam nova oportunidade. Fui ao show de lançamento no Sesc Vila Mariana e saí de lá maravilhado, com o CD debaixo do braço. E vou confessar uma coisa: na última década ouvi poucos CDs tanto quanto este. Um trabalho primoroso! Simples, econômico, percussivo e melódico, poético e interpretativo, uma obra-prima de Luhli, que poderia dizer: "Sou Luhli com H, e como sou!". Infelizmente a Atração, gravadora que lançou o disco, não fez jus ao nome e deixou a desejar na distribuição. Faltou atração...
3) Pedra de Rio (Luhli - Lucina - Paulo Cesar)
3) Pedra de Rio (Luhli - Lucina - Paulo Cesar)
Dhenni Santos
E eis que Luhli resolveu fazer outra de suas estripulias. Mudou-se novamente, não sei ao certo se pra novo sítio, o que sei é que pelo que me consta o lugar anda meio que de relações cortadas com a ilustríssima sra. Internet, de forma que Luhli teve que nos abandonar. E, se ela fazia um estrago grande na M-Música, sua saída causou um estrago maior, pois nos vimos privados de ouvir/ler em primeira-mão seu verbo musical. Azar o nosso. Enquanto teclamos por aqui, tenho certeza de que lá no fundo azul, na noite da floresta, a lua continua iluminando a dança, a roda, a festa.
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PS: Acabo de receber, em comentário do Denílson, abaixo, um link pra deliciosa e esclarecedora entrevista que Luhli concedeu a Tatiana Rocha, que a postou em seu blog. Pra quem não conhece o trabalho de Luhli e achou meu texto um tanto vago, vale ler a entrevista: aqui.
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Luhli é uma das maiores artistas vivas da música popular brasileira.
ResponderExcluirFiz uma entrevista com ela lá no meu blog e ela mostrou várias facetas dela!
Sou fanzaça dessa ruiva!
Tatiana, minha parceira desalmada! Quando é que você vai fazer um registro minimamente decente de nossa bela parceria? Que bom saber que você está por aqui também! Mande o link da entrevista pra complementar o texto, please!
ResponderExcluirBeijoca do
Léo.
Oi, Léo.
ResponderExcluirSegue aqui o link para a entrevista da Tatiana com a Luhli.
http://coisarara.blogspot.com/2006/11/entrevista-com-luhli.html
abração,
Denilson Santos
Luhli é simplesmente divina! Como pode alguém, sozinha, ter tanto talento assim? Uma coisa, essa mulher! Amo! Confesso que já tive medo do seu olhar, penetrante e cativante como a de uma bruxa. Depois percebi que ela era bruxa sim, mas "do bem", aquela que sabe de tudo e mais um pouco da natureza. Que faz poções, rezas, orações...
ResponderExcluirPessoa bonita essa mulher. Que ensina, que desata a falar, mas parece que só pra nos ensinar a arte da vida.
Ainda estou por descobrir essa mulher. Que encanto de mulher! Amo!
Só isso que eu tenho a dizer... rs
Beijo, Léo!
Oi, Denílson, grato pela visita e pelo link!
ResponderExcluirDanny, obrigado pela participação de sempre e pelas bonitas palavras, que acrescentam ao texto.
Beijos do
Léo.
Luhli é mestra! Uma Artista ímpar que graças a vida podemos aprender com suas canções, suas idéias, suas palavras. Obrigada, Luhli!!
ResponderExcluirE eu agradeço às duas mestras!
ResponderExcluirBeijos, parceira,
Léo.
Luhli é uma das compositores mais lúcidas e talentosas que este País já pariu. Na letra, na melodia... não sei em que ela brilha mais. Com certeza, ela reina mesmo no conjunto da obra, na coerência e na generosidade. Com justificado orgulho, posso chamá-la de parceira. Viva Luhli!
ResponderExcluirOutra grande coluna, Léo!
Abraço,
Gilvandro Filho - Gil
Salve, Gilvandro! Grato pela participação! Quando o tema é rico, as palavras escorrem soltas pela página!
ResponderExcluirAbração do
Léo.
Fui meio macaca de show de Luhli e Lucina na década de 80, quando iam muito a Belém se apresentar, e ficava fascinada com aquelas duas mulheres poderosas tocando percussão no palco. Aprendi a respeitar Luhli não só por todo o talento que ela tem, mas pelas barreiras que ultrapassou e pelos caminhos que abriu como mulher e artista.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, Léo.
Gabriela Brabo
Te invejo, viu, Gabi? Imagino que ver um show dessas duas, principalmente dentro desse contexto que foram os anos 80, deve ter sido algo realmente de arrepiar.
ResponderExcluirGrato pelas palavras.
Beijos do
Léo.
Eu tenho imenso prazer de ter algumas musicas com a Luhli e partilhar de sua amizade, agora mais bissexta por conta da geografia. Também tive o prazer de passar uma tarde em um workshop sobre composição que mudou pra sempre minha concepção sobre compor - pra melhor, pra mais facil
ResponderExcluirSe eu tivesse que eleger 10 musicas que eu gostaria de ter feito, apenas pela emoção que me causaram, certamente teria umas duas ou tres da Luhli, ATOS e TAIWAN com certeza
Leo, o texto fica em falta com as centenas de canções que ela tem com o Alexandre Lemos e também o livro que ela lançou com o Cerquise, construído ali nas lidas da m-musica
ResponderExcluirSonk, meus textos são mais emotivos que didáticos. Apresento minhas impressões, a maioria delas relacionadas a experiências que vivi. Depois deixo por conta dos leitores ir atrás de outros trabalhos/notícias a respeito do artista descrito. Escolho uma linha de interpretação e vou em frente. Claro que sei sobre o livro com o Cerquize e das inúmeras parcerias com o ALemos (Taiwan tá na minha página do Caiubi), mas não me vejo na obrigação de fazer jornalismo. São impressões amadoras, mas apaixonadas.
ResponderExcluirDe qualquer forma, valeu pelas dicas!
Abração do
Léo.