Foi em Santa Rita do Passa Quatro. Eu e Kana tínhamos acabado de descer do ônibus e batíamos cabeça pra encontrar o hotel em que nos hospedaríamos. De repente, vimos que nos acompanhava um moço moreno munido de mala e violão, que, aliás, viera no mesmo ônibus. Apresentamo-nos e soubemos que ele ia se hospedar também no mesmo hotel, assim que seguimos juntos. Afinal, três cabeças acham um hotel melhor que duas. Além do mais, o motivo que nos levara até ali era o mesmo: participar do festival de música organizado pela cidade. Kana defenderia Mais Um, parceria minha com Rafael Alterio, que ela gravaria em seu segundo CD, Imitação. Já o moço, que se chamava Ito Moreno, iria defender sua Esse Fogo Chamado Desejo, que acabaria sendo a vencedora do festival.
1) A Seta da Paixão (Ito Moreno - Léo Nogueira)
A partir daí, encontramo-nos em um ou outro festival e também no Caiubi repetidas vezes. Fizemo-nos amigos e, consequentemente, parceiros. Como Ito fosse do interior da Bahia, resolvi enviar-lhe uma letra que falava de seca. Mas, ao contrário do que ele pudesse esperar, a letra que lhe enviei falava de outro tipo de seca, a que habita os corações paulistanos, mesmo em meio a enchentes. Estava inaugurada a parceria com A Sede do Sujeito.
E eis que a TV Cultura abriu inscrições pra seu festival de MPB, e lá fomos todos nós nos inscrever, obviamente. Quando saiu a lista com os classificados, apesar da tristeza de não ver entre os nomes o meu, tive a alegria de conferir que lá estavam os de muitos camaradas, como Élio Camalle, Max Gonzaga, Celso Viáfora, meu futuro amigo Edu Franco e... Ito Moreno. Pra resumir, nenhum deles foi contemplado, mas, pra compensar o fiasco, a Cultura resolveu aproveitar as canções e promover, via internet e por voto popular, a escolha do melhor clipe. Dessa vez Ito levou amelhor, com a antes preterida Maracatu, Samba e Baião.
Por falar em maracatu, em samba e em baião, Ito é um dos violonistas que conheço que têm mais familiaridade (e facilidade) com os tantos ritmos brasileiros. Seu violão possui um suingue invejável e os ritmos saem dele múltiplos, sejam em canções próprias ou alheias. Não à toa é dos preferidos de Rolando Boldrin, que o convida amiúde a participar de seu Sr. Brasil.
Ito mudou-se pra São Paulo a convite de Vítor Martins, letrista parceiro de Ivan Lins e dono da gravadora Velas. Seu sucesso parecia ser questão de tempo, como se dera com outros nordestinos de sua geração em Sampa, como Chico César e Zeca Baleiro, por exemplo. Só que a Velas não dispunha do dinheiro necessário pra uma boa divulgação, além disso, o catastrófico e inesperado fim da Rádio Musical cerrou-lhe uma eficiente porta de entrada. Aliás, toda uma geração de bons compositores que vinham despontando sentiu-se órfã com o desaparecimento dessa emissora em prol de mais uma rádio cristã.
2) É Sério (Ito Moreno)
Assim, sobrou-lhe outra porta: a dos festivais. Por falar nisso, aproveito o tema pra agradecer a Sérgio K. Augusto, compositor premiado e responsável pelo site www.festivaisdobrasil.com.br, que nos põe ao dia a respeito do que de melhor acontece no Brasil em matéria de festivais. E olha que acontece muita coisa! Pois bem, Sérgio há algum tempo vem divulgando em seu site meus textos do Ninguém me Conhece. Valeu, Sérgio!
E aí entro eu. De uns tempos pra cá Ito tem investido em nossa parceria A Seta da Paixão, que encanta plateias, mas até agora não caiu no gosto dos jurados. Pra azar meu, que achei que me juntando a esse Midas baiano ia me respingar um "cascalho". O que prova que pra tudo há que se ser do ramo. Mas, como ele ainda não desistiu de mim, tampouco serei eu quem vai desistir dele.
Voltando a Ito e aos festivais, aquele vem mantendo com estes uma relação de amor de causar inveja. Apesar de não ter uma beleza grega, tem uma beleza agreste que, somada às boas composições, ao já citado violão, à bela voz e à carismática presença de palco (e uma pitadinha de buarqueana timidez), produz um efeito hipnotizante em júri e plateia, o que lhe tem possibilitado acumular troféus (e reais) por este Brasilzão que não sai no jornal. Claro que todo artista preferiria viajar o Brasil fazendo shows, mas, na impossibilidade disso, viajar participando de festivais e, ainda por cima, voltar pra casa na maioria das vezes agraciado com alguma premiação, não é experiência a se subestimar.
Ah, quase ia me esquecendo: não tem nada a ver com a história, mas, pra efeito ilustrativo, até mesmo informativo aos leigos, acrescento que Ito, nas horas vagas, tem como passatempo assumir a função de dentista. Aliás, recomendo, já tendo sido eu próprio um de seus pacientes. Ito é mais um entre tantos artistas que, por não terem uma projeção nacional, acabam optando por jornada dupla: uns dão aula, uns revisam textos, outros são técnicos em informática, ou jornalistas, funcionários públicos, pedreiros, seguranças etc. etc.
E assim os cães ladram, a caravana passa, a humanidade caminha, e Ito segue fazendo bonito, tratando de corações e cáries, com seu jeito educado e timidamente ameno - até porque há uma grande diferença entre os baianos do interior e os soteropolitanos. Mas esse comportamento retraído só existe fora dos palcos, pois, quando ele sobe num, sua persona artística assume o controle da situação, esteja diante de seu público ou do do Rock in Rio. Realmente é uma pena, mais, um desperdício, que um artista da grandeza de Ito permaneça desconhecido do grande público... Fosse o único, dávamos um jeito...
3) Esse Fogo Chamado Desejo (Ito Moreno)
Mas Ito é um cara alegre, pra cima, bem humorado. Assim, não poderia terminar este relato de outro modo que não fosse respeitando suas características. Então colo abaixo letra minha musicada por ele, que fiz ao descobrir o sonoro nome de sua cidade, à qual agreguei um chistoso city, rebatizando-a de Macaúbas City*:
Se tu me diz goodbye, vai/ Que eu até acho good/ Pois só God, que é Deus, pode/ Me levar a saúde./ Mas se tu diz I love, prove/ E me dê logo um kiss/ Wop-bop-a-loom-a em Macaúbas/ Nego não pede bis./ Se tu diz I don't know, danou/ I don't say eu não sei/ E se tu me diz sorry, chore/ Que eu, one day, desandei./ I believe e Deus me livre/ Everybody, Deus me ampare/ I don't sing não me xingue/ Yes, we can é nós e quem?/ I don't speak, mas tu fique/ Pois I drink e tô nos trinque/ Very much e muito macho/ No forró e no rock’n’roll.
*Ito me pediu mais uma estrofe, mas por ora estamos em negociações, mesmo porque meu estoque regional é bem superior ao inglês...
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