quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Joaquín Sabina en Portugués: 7) Álvaro Cueva (e Leonardo Costa) e a versão de "Como un explorador"

A inveja é uma palavra forte. Sentimento depreciável. Porém, poucos no mundo podem dizer que nunca a sentiram. Também eu não atirarei a primeira pedra. Só que, no meu caso, a inveja não é direcionada a bens materiais. Estou pouco me lixando se fulano comprou um carro zero ou uma cobertura no Morumbi. Não tenho do que reclamar quanto a minhas conquistas. Mas, se quiser me ver me roendo de inveja, mostre-me uma canção que eu gostaria de ter composto. Felizmente, esse tipo de inveja me ocorre repetidas vezes. E, mais felizmente ainda, muitas dessas canções são de amigos e/ou parceiros. 

E o que fazer com a inveja, esta a que chamamos criativa (talvez pra que a sintamos menos inveja)? Eu, particularmente, procuro compor algo que esteja à altura do objeto de cobiça. Com o tempo, e a proximidade à língua espanhola, encontrei outra válvula de escape: as versões. Fazer versão virou uma paixão. E a paixão virou vício. E o vício chegou a tal grau que nos últimos anos devo ter composto mais versões que letras originais.

Dentre tantas versões, destaco uma que é meu xodó: Bosconeana, do parceiro Álvaro Cueva. Essa canção posso dizer, sem receio de estar cometendo um sacrilégio, que está no nível de qualquer obra-prima do cancioneiro nacional. É dessas belezas incontestáveis que não deixam ninguém imune à audição. Pois é, e a saída que encontrei pra acalmar um pouco o turbilhão em meu peito foi justamente lhe fazer uma versão em espanhol. E, deixando a modéstia de lado, creio que esta nada ficou a dever à original. A título ilustrativo, colo-a abaixo. Antes, acrescento que, quando ela já estava pronta, e mano Álvaro tinha até feito uma gravação dela, aceitei uns pitacos de minha amiga Marcela Viciano. Ei-la:

El cajón que abrí/ Me abrió la herida/ Restos guardados/ Bazar de dos vidas/ ¡Ah!, resta siempre el ayer/ Si visito el pasado./ En un papel cualquiera/ La promesa indebida/ Es extraño pensar/ Que aún me resta la vida/ Tu sombra lila no está/ Y la miro encantado./ La carta escondida/ La foto apagada/ El año en la agenda/ La flor olvidada/ La caja de nuestro bombón/ El viejo cobertor./ Un vulgar cucharón/ Es la playa perdida/ Y tu sabor de sal/ La ola bienvenida/ ¡Ah!, aún el gusto del mar/ ¡Ah!, siento sin esperanza/ Finjo olvidar la verdad/ Y en mi pecho el dolor/ ¡Ah!, aún el gusto del mar/ Ah, siento sin esperanza/ Si no maté la añoranza/ Voy a hacerla dormir.

(No youtube há uma montagem bem bonita. Antes de colar o link, em minha defesa alego que "la gaveta que abrí" foi ideia do cantor, que teimava em não querer cantar "el cajón que abrí". Dito isto, segue o link.)

Avançando mais um metro o semáforo vermelho da sinceridade, em minha opinião a canção tem o único defeito de não possuir um título à altura: Bosconeana foi assim batizada, à falta de título melhor, como uma espécie de homenagem a João Bosco, rei do bolero brasileiro. Mas mano Cueva é tão personal como compositor, que, à parte o título, não vejo muitos ares "bosconeanos" nela. Ademais, sua inconfundível voz é outro fator de afastamento em relação ao homenageado.

Em contrapartida, o título possui força e caminhou com as próprias pernas, desvinculando-se da ideia original, e hoje posso dizer que o erro se converteu em acerto. E, por falar em acerto, eu, acertadamente, pensando nisso, convidei-o a ser a voz da versão que fiz pro bolero sabineiro Como un Explorador. E o clima; e a letra; e a voz de Álvaro; e o maravilhoso e cada vez melhor violão de meu outro parceiro, Leonardo Costa (que mereceria um capítulo à parte), sempre a serviço das canções de mano Cueva; tudo isso fez que o resultado fosse mais um desses casos em que o cantor transforma uma canção alheia em sua. Mas o mérito também é meu, pois sabia exatamente que isso iria acontecer.

Nesse processo, só tivemos um ponto de discordância: Álvaro não se sentiu à vontade pra cantar o verso "E eu a sós com as lamentações em riste" e o trocou por "E eu após lamentos tristes", alterando-lhe também um pouco a métrica. E assim o gravou. Em princípio, eu havia concordado, mas depois, ouvindo o registro, reparei num detalhe: todo lamento é triste! Disse-lho. Ele sugeriu "momentos tristes", mas achei "momentos" aquém da situação e pensei em "lembranças tristes". Depois repensei e notei que "momentos" pode fazer rima interna com "tempo", do verso anterior, e, por ora, na falta de melhor opção, fiquei com esta. Mas aceito sugestões.

Acabei nem falando da canção original, lançada no disco Esta Boca Es Mía, de 1994. Mas sua beleza fala por si. Espero que a letra da versão esteja à altura, pois a preciosa gravação dos manos Álvaro e Leonardo, sim, está.

COMO UM EXPLORADOR

Depois de tanto tempo, enfim partiste
E eu após momentos tristes
Sorvi a dor com calma
Deixei rolar a areia da ampulheta
E fui limpando o pó de todas as gavetas
De minh’alma

Me disse que a vida continua
E, sem lágrimas, me vi ganhar a rua
Como um explorador
Voltei a tropeçar em meu passado
E a brindar e beber os meus pecados
Como fosse licor

E em outros olhos perdi teu olhar de vista
E em outros lábios me tornei um hedonista
E em outro colo
Me curei do desconsolo
De seguir a tua pista

E meu veleiro atraquei em outros portos
E meu braseiro aplaquei em outros quartos
E sem barganha
Aprendi que às vezes ganha
Quem perdeu uma mulher

Com o cartaz de livre na lapela
Voltei a ser mais eu entre as mais belas
Morenas que já vi
Só fico triste quando algum invejoso
Num tom tão falso quanto quase belicoso
Vem perguntar por ti

A original:

COMO UN EXPLORADOR

Después de tanto tiempo al fin te has ido
Y, en vez de lamentarme, he decidido

Tomármelo con calma

De par en par he abierto los balcones,

He sacudido el polvo a todos los rincones

De mi alma

Me he dicho que la vida no es un valle
De lágrimas… y he salido a la calle
Como un explorador
He vuelto a tropezar con el pasado
Y he decidido, en el bar de mis pecados,
Otra copa de ron

Y en otros ojos me olvidé de tu mirada
Y en otros labios despisté a la madrugada
Y en otro pelo
Me curé del desconsuelo
Que empapaba mi almohada.

Y en otros puertos he atracado mi velero
Y en otros cuartos he colgado mi sombrero,
Y una mañana
Comprendí que a veces gana
El que pierde a una mujer

Con el cartel de libre en la solapa
He vuelto a ser un guapo entre las guapas
Chulapas de Madrid,Sólo me pongo triste cuando alguno,

En el momento más inoportuno,
Me pergunta por ti

***


***

4 comentários:

  1. Ei, irmão! Bão esse cara aí, heim? Adorei a matéria, Manoel! Quando parceiraremos, ó, pois? Abs;

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  2. Rapá, por aqui só passam caras bons, ou você acha que eu me junto com gentalha? Hehe! Parceiremos, pois!

    Abração do
    Léo.

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  3. Álvaro bota pra quebrar em todas sas músicas! É incrível compositor e cantor.

    Beijos
    da Nana

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  4. Só o Álvaro pra fazer esta personalidade se pronunciar!!! Valeu, Nanushka, apareça mais vezes!

    Beijos do
    Léo.

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