quinta-feira, 29 de julho de 2010

Crônicas Desclassificadas: 2) Apenas um baixista

Não conheci Luizão Maia. Nunca o vi tocar. Dele sei apenas que era um excelente baixista e que acompanhou nomes como Tom Jobim, Elis Regina, Gilberto Gil e outros. Portanto, não recebo nada para escrever estas linhas. A nota minúscula no canto de página do jornal tal me informa que ele morreu ontem em Tóquio, onde morava desde 1996. Tinha 55 anos e desde a década passada sofria as consequências de um derrame.

Qualquer parasita mais ou menos famoso, quando morre, recebe ao menos meia página de jornal destacando suas inutilidades e o quão foi desimportante para o Brasil e/ou o mundo. Entrevistam celebridades tão inúteis quanto e pedem que digam algo inútil a respeito do falecido. Luizão não teve essas flores em morte. Só uma tímida nota no canto do jornal, nota esta que quase parecia se desculpar por gastar um espaço valioso com notícia tão menor.

A música brasileira vem sofrendo essa ditadura do descaso há anos. Por conta disso, e do valor do papel impresso, ninguém vai saber de sua história de amor. Uma história de amor que, mais do que ser por um homem, era por um país inteiro. Não recebo nem pago por estas linhas, portanto vou contar um pouco dessa história.

Há alguns anos, no Japão, uma japonesa ouviu pela primeira vez na vida uma gravação em que Luizão tocava baixo. Apaixonou-se imediatamente por aquele som. Nunca havia escutado antes nada que lhe houvesse tocado o coração como aquele som novo aos seus ouvidos. Passou a pesquisar incansavelmente acerca do homem por trás daquelas notas. Chegou até a cometer o desvario de viajar à Grécia (se não me engano) só para vê-lo pessoalmente em ação. A paixão pela música se estendeu ao homem e não preciso dizer que, após o susto deste, foi correspondida.

Essa japonesa se casou com ele, aprendeu a falar português para melhorar a comunicação entre ambos (já que ele não conseguia aprender japonês nem com reza), amparou-o na doença e ainda o auxiliou nas pensões referentes a três ex-matrimônios.

Eu não chorei por sua morte. Não era meu conhecido. Provavelmente as três ex-esposas (muito justamente) devem ter chorado pelo fim das pensões. Quem não o viu tocar não verá mais. Não sei quantas lágrimas devem ter sido derramadas por essa morte.

Era apenas um baixista. Que valia algumas linhas de canto de página. Mas aquele som mágico que seu baixo cantou em língua universal deve, nesse exato momento, estar embalando a insônia e o pranto de uma única pessoa. Do outro lado do mundo.

São Paulo, 29/1/2005.

***


4 comentários:

  1. Leozito, seu texto sempre me é um bálsamo para os olhos, o espírito, o intelecto. Um deleite estético.
    Gratidão,
    Beijo,
    Cava

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  2. Pô, Cava! A gratidão é minha por suas palavras.

    Beijão,
    Léo.

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  3. Realmente LUIZÃO foi um mestre. Para comprovar ouçam a música Triste na voz da Elis Regina, gravado no disco Elis & Tom de 1974.
    José Carlos Pina
    Manaus-AM

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  4. Grato pelo comentário, José Carlos. Apareça mais vezes.

    Abração do
    Léo.

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