sexta-feira, 3 de agosto de 2018

A Palavra É: 44) Tempo

Por Francisco Daniel
"Quem fica parado é poste." Essa genial frase do grande Zé Simão talvez resuma o que chamamos de tempo. Sim, o tempo deve ser um poste (não confundir com um post), visto que vive parado. Cazuza disse que "o tempo não para"; já eu digo que o tempo não passa. E contrariando também Pablo Milanés, que diz que "el tiempo pasa". Vale, em relação à parte do "nos vamos poniendo viejos" estou de acordo. Só discordo em relação ao tempo: o tempo (o poste) não passa. Quem passa somos nós. Aliás, se é pra ser bem sincero, e abusando dela, da sinceridade, diria mais. Acho até que o tempo não existe, não passa de uma criação do homem (como Deus?). Já entrei em muita prosa viajandona com meu bróder Élio Camalle sobre o tempo. Mas abramos um parágrafo novo.
Reparem bem como o homem, escravo do tempo, resolveu inverter a relação e escravizá-lo. São segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, décadas, séculos, milênios e blá-blá-blá... E o homem continua... perdendo tempo. Tempo é tudo o que não temos. O mais miserável dos seres humanos possui mais dinheiro que tempo. O tempo é uma rasteira em nossas convicções. Temos sonhos, desejos, fazemos planos, traçamos metas, aí vem um câncer; um tsunami; um cara falando ao celular enquanto dirige; um valentão com um três-oitão; uma casca de banana numa calçada escorregadia; um caroço de azeitona que empaca na jugular (juro, já ouvi sobre um cara que morreu assim); um sono tranquilo, mas sem despertar — como aconteceu com meu saudoso amigo Zé Rodrix...

E, como diz outro amigo, Rica Soares, xablau. Sim, o tempo é um grande xablau. E, pensando em mim, eu, que, como Fernando Pessoa (aliás, Álvaro de Campos) também tenho em mim todos os sonhos do mundo, que ainda acho que essa minha existenciazinha vulgar e insignificante tem algum motivo maior, que teclo lorotas a três por quatro, que escrevo um texto após o outro, sem nada ganhar por isso e perigando cansar vossas mentes mais acostumadas à boa literatura, eu, um fernando pessoa escrito em minúsculas, acordo todos os dias crendo que meu dia vai chegar. E vai que esse dia será não mais que um terremoto que me soterrará... e aí? Tantos planos, tanta empáfia... Lembro-me de belo samba de Wilson das Neves cuja letra de Paulo Cesar Pinheiro dizia: "Das Neves, você tem muito tempo"... Não teve.

O tempo é cruel. Antes, eu ainda tinha a vaidade de achar que a obra ficaria (já escrevi isso numa parceria com Kana — e, feito um FHC, desescrevi numa parceria com o mano Policastro), mas, depois que me dei conta de que até o sol morre, e com ele tudo o mais, não me sobrou mais nada. Nem Shakespeare, nem Beethoven, nem Chaplin, nem Picasso, nem o cara que compôs Moranguinho do Nordeste... Ninguém sobreviverá à morte do sol. E a arte, que, como todos sabem, é inútil (e à qual me dedico), sucumbirá, assim como, antes dela, sucumbiremos todos nós. Meu esforço em aprender japonês, aquele catatau de James Joyce que nunca consegui ler, todos os clássicos, a Bíblia, Cidadão Kane, as piadas do Ary Toledo, a Copa (e a eleição) de 2018...

Quando penso no tempo, penso no tempo que perco escrevendo essas inúteis palavras. Poderia estar dormindo, poderia estar rezando, poderia estar fazendo sexo, poderia estar bebendo (bom, isso estou mesmo), poderia estar lendo um clássico francês, poderia (já que vou morrer mesmo) estar comendo uma delícia bem gordurosa... Poderia até mesmo estar roubando etc. etc. Mas não. Estou aqui, cara a cara com o computador, teclando asneiras e imbuído de algum sentimento elevado que não se aguenta sobre as pernas e acha que é alado. Melhor seria permanecer calado? Só o tempo dirá. Este, que não existe e que ainda assim sobreviverá a todos nós. Quem sabe no meio de um temporal, quem sabe num dia de alta temperatura, quem sabe simplesmente numa perdida de time...

Mas os artistas somos teimosos. Nos achamos eternos e brincamos com o tempo. Como se ele estivesse em nosso bolso. Caetano, por exemplo, achou que podia entrar num acordo com o tempo, tempo, tempo, tempo. Sem falar que viu um menino correndo e viu o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino (que já deve estar quarentão hoje). Chico, mais pé no chão (e com a cabeça nas nuvens), imaginou num anfiteatro, sob um céu de estrelas, um concerto onde, num relance, o tempo alcançaria a glória e o artista o infinito. Bonito; mas pouco praticável. Claro, não vem ao caso o fato de que eu adoraria ter escrito esses versos. Vaidade pura. O tempo é chumbo.

Sin embargo, além do tempo (e o que há além do tempo?), há os dias em que não acampo (que são 99,99%); os que numa tarde de sábado deixam o carro um brinco; o supracitado Rodrix (mais o não citado Tavito) e seu sonho de uma Casa no Campo; Collor e a Casa da Dinda; as bobagens que estampo; o fim, pô!; os que se dedicaram ao garimpo; o hímen (que não rima, mas é uma obra-prima); quem é ímpar; o Jumbo (Eletro, que representa bem o fator tempo); o limpo (e os que vivem no limbo); as verdades que eu minto; as mentiras que eu never; os demônios do olimpo; a dupla que nunca existiu: Saracura & Pirilampo; o Queen, pô!; o Rambo; os sem, pô!; em japonês, o tinpo; o um, pô; os vamps; O X do Poema; e, lógico, quem não poderia deixar de fechar a prosa, abrindo-se, o zíper (que para o tempo e abre espaço pra outros templos)!


***

PS1: Quem escolheu a palavra foi meu mano querido Antônio Carlos (já escrevi sobre ele aqui).

PS2: Como estou numa fase bem Gil (já perceberam, né?), deixo a cargo dele novamente a trilha sonora: Gilberto Gil, Tempo Rei (Gilberto Gil)


Colo a letra abaixo, uma preciosidade:

TEMPO REI
Gilberto Gil

Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar
Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole
Pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei

Pensamento
Mesmo o fundamento singular do ser humano
De um momento 
Para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas
Pais corujas
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei

***

6 comentários:

  1. Parabéns, outra vez, maninho Léo! Que beleza de passeio pelo intangível tempo que escraviza, liberta, passa ou permanece firme em seu lugar a observar as façanhas que se faz, enquanto é o grande observador.
    Fechar com Gil e seu Tempo Rei só nos lembra de pedir à Mãe Senhora do Perpétuo para nos socorrer.
    Grande! Abração e continue...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Erico, valeu, querido! Quanto à referência ao Gil, pois é, estamos cada vez mais precisando de orações.

      Abraços,
      レオ。

      Excluir
  2. Parabéns pelo texto querido mano Léo! Mas nessa vida tudo é relativo até mesmo o danado do poste que está em movimento em relação ao sol. Por falar em tempo que é o tema tratado aqui. Relembrei de uma aula de física sobre à relatividade que ocorreu na nossa antiga escola Salvador de Moya. Quantas recordações e olha aí o danado do tempo brincando com a memória. (risos)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Por falar nisso, que boa memória, hem, Totó? Cacildis! Pois é, sempre alguém (ou algo) está também em movimento em relação a outrem. rs

      Abração, bacharel!
      レオ。

      Excluir
  3. Leo, parceiro! Eu passo sem me dar conta do tempo cada veza que leio um texto teu! Nao estou puxando teu saco, nem enaltecendo algo do teu ego. É prazer puro...Ponto. Uma das nossas parcerias que eu mais curto "Um minuto na eternidade" calha de estar dentro do tema deste texto (https://www.facebook.com/268580093183985/videos/1892224504152861/) Um forte abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Verdade, parceiro! Vou ver se a utilizo em publicação futura.

      Abração,
      レオ。

      Excluir