sábado, 2 de fevereiro de 2019

Minhas Top5: 3) Eu, bêbado; Elis, equilibrista

Descobri Elis Regina tardiamente. Confesso que a primeira cantora que me pegou de jeito foi Maria Bethânia. Eu, que sou desafinado até falando, nunca me preocupei em saber se a irmã de Caê alcançava as notas ou não. Pra mim, o que importava eram o repertório e a interpretação, que tinham tudo a ver comigo. Bethânia sempre foi uma atriz cantando. Já Elis (também atriz), puxando pela memória, lembro que tocava no rádio bastante com Alô, Alô, Marciano — refiro-me à época em que eu já começava a me entender por gente. Tempos depois, de tanto ouvir falar da "Pimentinha", comprei uma coletânea dela e foi a partir daí que ela começou a soar nos tímpanos del mio cuore. Sim, depois fui atrás de seus discos, mas vamos por partes, como diria... não, não vou completar essa frase manjada...

5) CASA NO CAMPO

Essa canção tem um grande significado tanto em minha vida como na vida de muitos brasileiros sonhadores; só que na minha ela tem um sabor a mais. Tá, todos sabemos de sua importância como marco zero do rock rural (se não estou enganado); de sua deliciosa letra "cabeça" que dava um "barato" espontâneo nas ideias de muito bicho-grilo na época (e até hoje); de sua anarquia em plena ditadura (que desaguaria em Luhli e Lucina, por exemplo) etc. Só que — vejam vocês — ela foi gravada por Elis em 1972, e eu nasci em fins de 1971; e mais, seus autores, Tavito e Zé Rodrix, muitas décadas depois virariam grandes amigos e parceiros meus. A única nota triste é que nenhum dos dois conseguiu ir viver na tal casa no campo (muito menos eu). Mas aposto que muitos fãs conseguiram.

Casa no Campo

4) ROMARIA

Elis sempre foi ousada, versátil, grande intérprete independentemente do gênero da canção: samba, bossa, jazz, soul... E aqui ela revela uma faceta pouco explorada em sua carreira, que é a de intérprete de canções chamadas regionais. Aliás, nunca entendi isso de regional. Afinal, todas as canções são regionais. Pra um cara que mora no interior de Sergipe, por exemplo, Arnaldo Antunes é o quê? Mas, voltando a Elis, preciso acrescentar que, além da canção que citei acima (Alô, Alô, Marciano, de Roberto de Carvalho e Rita Lee), Romaria também era um baita sucesso radiofônico. E é uma canção que muitas vezes me levou às lágrimas, tanto (e tantas) que hoje, morando longe de meu grande paisinho, ouvi-la me faz me lembrar de meus pais. É pouco?

Romaria
Renato Teixeira

3) CANTO DE OSSANHA

Em compensação, foi Elis quem me abriu os tímpanos pros afrossambas. Naquela mesma coletânea supracitada, ouvi pela primeira vez Canto de Ossanha, e a canção mexeu comigo de um modo estranho que na época eu não sabia explicar com palavras. Por quê? Porque ela não era comparável com outras que eu conhecia. Seria como se um adolescente fã de música sertaneja se deparasse com o som dos Racionais MC's. Fora a sonoridade, que é um capítulo à parte, a letra de Vinicius, com todas aquelas afirmações peremptórias, me encheu de dúvidas, paradoxalmente falando. E uma delas vive até hoje rondando meus mais recônditos sonhos: "O homem que diz 'sou' não é." Freud (ou Shakespeare) explica?

Canto de Ossanha
Baden PowellVinicius de Moraes

2) COMO NOSSOS PAIS

Já que estamos abusando da sinceridade, preciso acrescentar que, antes de desenvolver esta prosa, havia começado a escrever sobre minhas top5 de... Belchior(!). Só que aí, quando cheguei à canção sobre a qual ora trato, reparei que Elis merecia uma publicação só dela, não só como grande intérprete (pra muitos, a maior do Brasil), mas também como reveladora de compositores. E numa época em que uma grande cantora gravar alguém era sinônimo de sucesso do/a compositor/a gravado/a (hoje, não pega nada). No mais, eu seria injusto com Elis também porque, embora ame Belchior, prefiro a interpretação dela não só pra Como Nossos Pais, mas também pra Velha Roupa Colorida (e, por que não?, Mucuripe). Um de seus grandes dons era recriar as canções interpretadas. E com as de Belchior não foi diferente.

Como Nossos Pais
Belchior

1) O BÊBADO E A EQUILIBRISTA

O Bêbado e a Equilibrista é uma das canções mais importantes (e significativas) de minha vida. Foi uma das responsáveis por minha desalienação e por minha, digamos, guinada à esquerda. Esta não é simplesmente uma canção, mas o símbolo de uma luta, o hino da abertura, e sobretudo a volta por cima de Elis, que anos antes havia sido tachada de "regente" por ninguém menos que Henfil, o irmão de Betinho. Mas aqui são muitas informações por poucas linhas, principalmente pra algum jovem leitor que se depare com essas maltraçadas. E mais ainda se ele for admirador do "mito", sem saber que outrora o mito era justamente... Elis. Pra terminar — e pra reenfatizar o valor de Elis —, embora João Bosco seja não menos genial sua gravação da mesma canção não chega aos pés da de Elis. E que introdução! Talvez sejam os 30 segundos iniciais mais belos de todo o cancioneiro brasuca.

O Bêbado e a Equilibrista
João BoscoAldir Blanc

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PS: Preciso fazer uma menção honrosa à interpretação de Elis pra Atrás da Porta, de Chico Buarque e Francis Hime, e acrescentar que ela mesma afirma numa entrevista que vacilou ao não ter apostado em Chico, ao contrário de Nara Leão (e Bethânia). Talvez este seja um dos motivos pelos quais tardei em ser (f)Elis.

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Minhas Top5; todas:



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9 comentários:

  1. Leozim, incrível como você conseguiu fazer esta top5 tão coerente com sua história e não por somente serem "sucessos". Inevitavelmente foram sucessos, mas seu olhar é outro e é muito interessante vê-lo menos 11 anos que eu recuperando sensações e decisões personalíssimas a partir do repertório da Elis.
    Bom, sabe que sou fãzaço de Elis. Creio que eu tenha "o benefício" de observá-la de um foco maior, mesmo que desde criança, ao assistí-la em festivais, e acompanhar realmente toda a sua carreira.
    Traçar tal top5 de modo tão coerente, consistente, me deixa mais teu fã - sem deixar de ter o ranço de cobrá-lo por um conhecimento mais extenso da obra da Elis que, fora as enumeradas, teve a força de transformação e obteve o personalíssimo para que se faça um artista. Ela conseguiu, e não deveu nada a ninguém, mesmo que todos cobrassem. Tenho uma lista de canções que acredito que você deva ouvir, e enviarei. Mas termino dizendo/repetindo que a consistência de sua "eleição" não me deixa uma sensação de decepção, pelo contrário.
    Uma observação: você deve saber que os autores de Casa no Campo não acreditam no que escreveram. Fica a obra....
    Abração pra tu, seu coiso. Obrigado por esta leitura!

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    1. Só queria acrescentar que em relação a Romaria, tem uma história engraçada, pois o Renato Teixeira conseguiu construir o cume de sua casa, mas como Sentimental Eu Fico não fez tanto sucesso, sua casa demorou um pouco a ser terminada.... rsrs
      E sobre O Bêbado e a Equilibrista, há canções repletas de metáforas fortes, geralmente da dupla João Bosco/Aldir Blanc que já remetiam à volta à esquerda, que você só conseguiu no Bêbado.
      Mas, como disse, se você nasceu em 72 e não a tinha como alguém para ouvir "obrigatoriamente" e no meio de tantos enterros empurram a pobre da Elis, é certo que você não a descobriria assim tão cedo.

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    2. Erico, querido, não me subestime. Eu afirmar que descobri tarde não é sinônimo exatamente de "saber pouco". Descobri tarde também Chico Buarque, e hoje ouso dizer que poucos conhecem sobre sua obra como eu. Claro, não conheço tudo de Elis, nem da dupla Bosco/Blanc, mas conheço bastante. Mas em parte você tem razão: bastante nunca é o suficiente.

      Abração,
      レオ。

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  2. Rapaz, é impossível fazer um top 5 dela! Simplesmente impossível! Eu sou de 74 (só um cadim mais nova que você) e descobri a Elis com a minha mãe, que sempre a ouvia. Mas aqui vai a minha confissão: custei a curtir, porque na época eu era uma adolescente que só queria saber de rock e de pop! rsrs

    Hoje eu a adoro, embora não a endeuse tanto assim (já que estou no confessionário mesmo). Reconheço sua importância na música brasuca, claro, mas ela soa um tanto "deprê" demais pro meu gosto (pessoal e intransferível). Costumo cultuar outras deusas, como a Clara Nunes, pra ficar na mesma época.

    Beijão!

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    1. Oi, Danny! Finalmente um ponto de "desconvergência" (rsrs) entre nós. Eu sou bem-humorado, até um tanto palhaço, mas curto uma deprezinha vez por outra. Já ouvi muitas vezes Roberto Carlos, tomando uma, com as lágrimas caindo (não que eu estivesse chorando, elas é que caíam por conta própria) enquanto ele soltava um "... mas, se não for por amor, me deixe aqui no chão"; daí, quando ele repetia eu praticamente repetia junto com ele, só que uivando. Manja? Sou desses. Por essas e outras, curto Elis bagarai, e esse lado dela rasgado. Se bem que é só nisso; nos quesitos Clara Nunes, pop e rock, empatamos.

      Besos,
      レオ。

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  3. Ahhh, Leo, que beleza!!! Elis foi (e continua sendo) a maior cantora do Brasil. Chorei muito no comecinho do ano de 1982, ano de sua morte - ela deixou muitos fãs órfãos. Eu sou um deles! Amo essa mulher! Obrigada!

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    1. Valeu, Soninha!

      Fico pensando no que andaria fazendo (e pensando) Elis, caso estivesse viva nos dias atuais...

      Beijão,
      レオ。

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  4. A "onda" Elis chegou a Portugal bem cedo na sua carreira, amammo-la como se fosse nossa e chora-mo-la como nossa fosse, o seu lugar ainda está vazio, apesar de Betânia.

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    1. Aí você disse tudo, Mi! Nem falei de Bethânia ainda. Me aguardem!

      Abração,
      レオ。

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