Escrevo novamente, depois de razoável hiato, às 21h12 deste sábado que encerra o mês de outubro, um tanto lacrimejante não só pela emoção, mas também pelo excelente vinho italiano recém-sorvido em comemoração ao primeiro grande show de Kana a partir do momento em que o famigerado coronavírus está entre nós. Claro, desde há dois meses, com a relativa baixa no número de casos aqui no Japão, ela já havia feito um punhado de shows em que a quantidade de músicos no palco praticamente se equivalia à de pessoas na plateia; mas hoje, pela primeira vez com a banda novamente completa e o teatro razoavelmente cheio — segundo as novas normas de segurança —, voltamos pra casa felizes como crianças — e bêbados como adultos. Conto-lhes.
O teatro Ota Bunka no Mori pertence à subprefeitura da região de Ota e é uma espécie de centro cultural ao qual recorrem muitos idosos — a maioria do público de hoje —; entretanto, o que me chamou a atenção enquanto estava sentado a uma mesa vendendo CDs foi a tremenda eficiência e o completo respeito às regras de proteção. Por exemplo: todas as pessoas que entravam tinham que se sujeitar a um termômetro supersofisticado que lhes media a temperatura a distância. Eu mesmo me testei e verifiquei que estava com os normais 35,9. Cada um que entrava, depois disso, tinha as mãos aspergidas com álcool e, após pagamento, recebia seu ingresso com o número do assento, que sempre estava intercalado, ou seja, ninguém se sentava ao lado de ninguém.
Quem quisesse ir ao banheiro tinha também que se submeter a uma fila, pois, como este não era dos maiores, não estava permitido que ali dentro houvesse aglomeração. Particularmente, aplaudo esse sistema, embora note que é um tanto desproporcional, visto que, fora do teatro, a normalidade já se impõe. Claro, dentro dos transportes coletivos todos se protegem, inclusive — quase — ninguém segura as alças nem esbarra em outros; todos — absolutamente TODOS — estão devidamente "mascarados", sem falar que mesmo em tempos pré-pandêmicos eu já notava que os japoneses tinham uma preocupação com a higiene e a saúde. Detalhe: aqui, quem usa máscara não o faz pra se proteger, mas pra não contaminar a outros. Por exemplo: se alguém está gripado, usa máscara... Um dia o Brasil chega lá(?)...
Isto posto, vamos ao show. Pra mim, foi emocionante ver a felicidade e a entrega de Kana no palco, com a casa cheia — reenfatizando, na medida do possível. Aqui no Japão é normal que os shows sejam divididos em duas entradas, e hoje foram praticamente dois shows distintos. Kana tem sua banda principal, a Banda Caxique, com a qual apresenta um repertório predominantemente de músicas próprias, mas desenvolve também trabalhos paralelos com bandas menores, em que se dedica a bossa nova, choro, jazz, salsa etc. E hoje ela fundiu dois desses trabalhos. Na primeira parte do espetáculo, acompanhada pela pianista e cantora Aya Nantoka — que toca pra caramba! — e acompanhando-se ao violão, apresentou um repertório em que predominava a bossa nova.
Já na segunda parte, apenas cantando e acompanhada por uma banda de oito membros — a saber: um quarteto de saxofonistas, a exemplo de sua banda em São Paulo; um guitarrista; um baixista; um baterista; e uma percussionista —; mostrou um repertório que passeou por seus quatro discos com direito a um delicioso xote inédito composto em parceria com Zeca Baleiro. O ponto alto do show, que foi superdidático, foi o momento em que ela explica a seus conterrâneos um pouco do carnaval brasileiro, com ênfase no frevo. Ao final deste texto, deixo-lhes um pouquinho dessa parte. Pra terminar, queria apenas acrescentar que, da plateia, minha emoção era grande, e quase pude esquecer que ainda vivemos um momento dos mais terríveis de nossa época...
... mas, sejam em lives ou em shows presenciais, a música continua fazendo sua parte no que se refere a oferecer um pouco de leveza à humanidade. Espero que em breve possamos estar novamente no Brasil, celebrando a arte — e a arte do encontro — junto àqueles que nos amam e a quem amamos. Quem viver VEREMOS!
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