quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Um Cearense em Cuba: Primeiro Dia

Aproveito esse hiato que penetrou em meus escritos (também um pouco pela tristeza que me abateu só de imaginar que alguém anda querendo destruir esse espacinho que só se dedica a fazer o bem...) e resgato interessante diário que escrevi em 2006, ao visitar Cuba por vez primeira (e única). Vale, sobretudo, pra acompanhar a transformação que se deu no peito deste comunista light:

2006
JUNHO
PRIMEIRO DIA
Domingo, 18.

O teto repleto de bandeiras de vários países (dos EUA, inclusive) foi a primeira boa impressão que tive ao pisar os pés no aeroporto de Havana. E já estava na hora de alguma coisa me chamar a atenção positivamente. Depois de uma viagem cansativa, com direito a escala no Panamá, aquelas bandeiras me remeteram a muito mais que uma simples Copa do Mundo.
    
Mas, voltemos no tempo algumas horas. Mais precisamente até às 4h30 da madrugada, que foi o horário exato em que decolou o avião da Copa Airlines. Não preciso dizer do cansaço da espera em Cumbica, da burocracia na hora do embarque y de otras cositas más. Afinal, são obviedades irrelevantes a que está sujeito qualquer viajante.

Da primeira parte do voo, além do fato de a cerveja estar caliente, pouca coisa foi digna de nota. As acomodações incômodas de praxe, a falta de educação dos passageiros, que teimam sempre em utilizar o compartimento de bagagem do vizinho, a falta de um filminho pra ver… Pô, mas reclamar da “falta de um filminho pra ver” às 4h30 da matina é ranzinzice pura! Além do mais, tive o privilégio de provar pela primeira vez um vinho de caixa “bebível”. O sono foi aquele assim-assim, agravado pelo resfriado que até agora não me abandonou (nem à Kana) e pelos horários em que os lanches foram servidos. Sobre esse quesito, ainda hei de descobrir se essa praxe é somente pra despertar os justos (e alguns injustos) de seu sono. Afinal, jantar às 5h30 da manhã não é exatamente algo natural.
    
Escala no Panamá. Conhecemos dois músicos que estavam no mesmo voo que o nosso, um residente em Campo Grande, o outro, panamenho que mora há 28 anos em São Paulo (mundo pequeno!). Também eles estavam indo pra Havana, pra participar de um congresso de música de toda a América Latina. Kana anotou (e agradeceu) as informações, com seus olhinhos puxados arregalados. Duas horas de espera num aeroporto em obras, mas charmoso. Uma verdadeira babel de raças (não só) latinas. Só achei estranho que não consegui encontrar uma livraria, nem pra comprar um jornal panamenho de recordação. Fiquei com uma dúvida preconceituosa sobre o descaso literário dos panamenhos. Ah, consegui ver no telão os últimos minutos de Japão 0 X 0 Croácia. Pena, meus “cunhados” agora estão praticamente fora.
    
O segundo voo foi um poquito melhor. Pelo menos tinha cerveja gelada. Uma tal de Soberana, que de soberana só tinha o nome. Enfim, beber pra contar. Ah, e a boa notícia do piloto, “Para los aficionados de la Copa del Mundo, avisamos que el Brasil acaba de vencer al equipo de la Australia por dos golos a cero”. Não vi e cri.
    
E aí voltamos pro começo, as bandeiras no teto e tal. Engraçado foi um camarada da polícia federal olhar meu passaporte e perguntar,¿Su apellido es Nogueira?”. E eu, “”. Ele, “¿Y su nombre es José?”. Y yo, “”. Daí ele viu bem minha foto e, depois de uns dez minutos, se convenceu. Talvez tenha encontrado meu nome no passaporte. Mas o cara foi legal. Conseguiu até sorrir e soltar um “Tchau”. Outra coisa digna de nota. Caía uma tremenda chuva. Tanto que pensei que tinha errado de voo e estava voltando pra Cumbica. Enfim, com chuva o sin lluvia, Habana, acá estoy. Ou melhor, estamos. Não posso esquecer a Kanilda. Mas ela que vá contar suas impressões noutro diário.
    
Na saída do aeroporto nos esperava uma simpática (e bonita) guia turística, que nos levou a um micro-ônibus onde outros passageiros já aguardavam. Esqueci de dizer que, nesse meio tempo da entrevista ao policial e de espera das bagagens, a chuva se fora. E fazia um calor, mas um calor, que por um momento eu achei que estivesse em Fortaleza.
    
O motorista do micro-ônibus era um preto retinto, desses que justificam o uso da palavra “retinto”, pois parecia que fora pintado duas vezes. Era muito simpatico e brincalhão, embora eu não entendesse patavina do que falava. Na única parada, encasquetou de brincar com um casal de alemães, num suposto inglês que só ele entendia, que nós todos não tínhamos mais nada a fazer que rir. Ah, e beber uma água de coco com rum, ou melhor, ron. Recomendo. Aliás, contrariando o bom senso, pretendo fazer isso em casa.
    
Ida básica ao banheiro. Uma funcionária simpática e sorridente nos recebia de papel higiênico na mão, reclamando, contudo, do calor. Após descarregar a “soberana”, noto que a válvula de descarga era um engenhoso cordão amarrado a uma tampa de plástico de refrigerante, que não cumpria seu papel. Azar do próximo, eu fiz minha parte. A torneira era algo difícil de explicar, também parecia estar ali mais por engenho que por ser essa a sua função. Depois de umas três voltas, temi que a água não viesse… Por fim veio, embora chorando. Na saída, pediu a funcionária, “Una monedita, por favor”. Não sei se meu portunhol foi capaz de se fazer entender na explicação de que não havia ainda “cambiado la plata”, mas, pela cara que ela fez, achei melhor não filosofar sobre o assunto.     

Voltamos pro micro-ônibus e pras piadas de nosso motorista poliglota. Bate aquele “bode”. A soneca foi melhor que no voo, talvez ajudada pela água de coco “benta”. Acordo com novos pingos de chuva. O clima aqui parece querer disputar com o de São Paulo. Noto que já estamos numa região praiana. O céu e o mar estão plúmbeos (sempre quis usar essa palavra, mas não achava onde pôr), me fizeram lembrar o mar do Japão. Engraçado que há muito verde e muitas florestas, mas não parecem as nossas, tem um quê de africanas. Mas quando olho pro outro lado, volto pro Brasil. Um Brasil de trinta anos atrás. Os carros, as casas. Gente, aqueles carros que se veem nos filmes cubanos… São de verdade! Lembram Buena Vista Social Club? Pois é. Quanto aos ônibus, há uma penca daqueles amarelinhos escolares de filme de terror americano. Lembram A Hora do Pesadelo? Nossa, hoje minhas citações estão incríveis. Pois bem, as casas. As casas têm uma triste forma do que um dia já foi bonito. Algumas ainda o são, mas a maioria parece ser ruína, lembrança viva de um tempo de prosperidade. E não estou aqui querendo ser politico, apenas reparando num fato. Outra coisa, a palavra “revolución” aparece mais em pichações em muros que a nossa “vote”. Eles acreditam mesmo na revolución, como nós acreditamos no voto… Um minuto de silêncio.
    
Adentramos agora uma cidade com o sugestivo nome de Matanzas. Fico curioso pra saber com quantas matanzas se faz uma cidade. Passo agora pela Universidad de Matanzas, e fico outra vez curioso, dessa vez pra saber o que lá ensinam.
    
O sol já voltou faz tempo. Parada final, Hotel Arenas Blancas, cidade Varadero. O paraíso começa agora. E aqui, confesso, esse humilde relato perde suas forças, pois, como já disse um burro, “felicidade não dá ibope”. O hotel é quatro estrelas, mas, na opinião da Kana, o Guia Quatro Rodas deles foi mais gentil, ou usou uma matemática diferente da dela. Já eu ando, olho, observo e acho que as quatro estrelas estão de bom tamanho. O hotel é grande, colorido, bonito, o tratamento não é dos piores, há uma piscina enoooorme, e o que é melhor: uma pulseirinha verde em nosso pulso esquerdo nos faz passear pra cima e pra baixo com a cabeça erguida de quem vai comer as três refeições e beber o que quiser sem pagar nada! Quer dizer, já está tudo incluído no valor da diária do hotel.
    
Damos um pulo até à praia. Dois minutos de preguiçosa caminhada. O sol já se pôs, mas a água está quentinha, e deslumbrantemente límpida! Kana já achou o que fazer amanhã o dia todo. Olho de um lado pro outro do horizonte e penso, “Morri”.
    
Voltamos ao hotel, Kana balança sua pulseirinha verde e, num passe de mágica, aparece na sua frente uma piña colada. Eu, por minha vez, faço aparecer uma tal de mojido, ou mojito*, sei lá, mas o fato é que, aproveitando o trocadilho, eu, desde a praia, já estava achando mesmo que tinha morrido.
    
Abacaxis prum lado, ressurreições pro outro, tchibum na piscina. Reconhecimento do gramado. Agora acho que estamos nas termas de Rio Quente. Dou umas braçadas ao léu (sem trocadilho) e filosofo, “O mar é para os peixes”. Embora eu estivesse numa piscina, foi o que veio a calhar pra voltar pro meu mojido.
  
O jantar. Aqui vai um depoimento de um brasileiro. Não gostei! Tudo bonitinho, boa variedade, mas alguma coisa no sabor me deixou com saudades do Brasil. Kana também não gostou. E olha que pra ela deixar de lado um pescado e uma omelete é que a coisa tá feia. Entre mortos e feridos, a cerveja estava boa. Tanto que repeti, e vi nela um bom motivo pra reentrar naquele recinto mañana.    
A tevê me dá um presente de fim de noite: o jogo do Brasil na íntegra! Que bom que eu já sabia o resultado, pois, se não soubesse, minhas lindas unhas não estariam aqui agora me ajudando a redigir estas linhas. Mas, justiça seja feita, o Ronaldo hoje, se não jogou um bolão (sem trocadilho), estava mais presente, além de ter dado um passe açucarado pro nosso morto-vivo Adriano. Cá pra nós, aquele até minha mãe faria. Já Kaká acertou aquela de esquerda no outro jogo e hoje entrou mais fominha que o Mirandinha dos tempos palmeirenses pré-Parmalat. E o Ronaldinho Gaúcho não valeu os dentes. O Lúcio me valeu um checape, o coração está bem (ah, mas eu já sabia o resultado). O Dida, fora uma saída estabanada, salvou o jogo. E o Fred veio pra comprovar algo que se nota no amor: não adianta amarmos, vale mais sermos amados! Mais devemos a vitória, sobretudo, àquele ataque meia-tigela dos homens-cangurus.
    
Ahora me voy a dormir. Hasta mañana.

* No capítulo 2 , ou melhor, no Segundo Dia, decifrarei o mistério do mojido/mojito. 

Continua.

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