sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ninguém me Conhece: 13) Samantha Navarro, ¿la bruja de enfrente o un ángel de ultramar?

O Uruguai é um minúsculo país espremido entre Brasil e Argentina que, apesar de sua situação razoavelmente estável, sofre com as inconstâncias de seus vizinhos, pois acaba dependendo em parte destes, visto ser pouco populoso e ter um mercado de trabalho insatisfatório. Por conta disso, vê com regularidade grande parte de sua população abandonar o país em busca de melhores condições de trabalho e/ou estudo e se estabelecer principalmente na Argentina, no Brasil ou na Espanha. Jaime Roos, um dos maiores nomes da música uruguaia, lamentando essa situação, chegou mesmo a compor uma canção, Los Olímpicos, tendo tal êxodo como tema: “[...] Uruguayos, uruguayos, ¡dónde fueron a parar! Por los barrios más remotos de Colombes o Amsterdam. Antes éramos campeones, les íbamos a ganar, hoy somos los sinvergüenzas que caen a picotear. Trabajador inmigrante es la nueva profesión, al que agarran sin papeles, lo fletan en un avión [...]”.

1) JARDÍN JAPONÉS (Samantha Navarro)
La Dulce

Contudo, tal fato parece não ter solução a curto prazo. E mais, esse êxodo também pode ser notado nos esportes e na cultura. Pra se ter uma ideia, apenas dois dos jogadores convocados pela “Celeste” pra Copa do Mundo de 2010 jogavam no país. Em se tratando de música, o nome uruguaio mais conhecido no exterior na atualidade, Jorge Drexler, que recebeu o Oscar de melhor canção por sua Al Otro Lado del Río, do filme do brasileiro Walter Salles, Diários de Motocicleta, vive há mais de uma década na Espanha. E ele é apenas um entre tantos. Drexler expõe este sentimento contraditório do autoexílio na inspirada e triste canção Montevideo: “Yo tengo pintada en la piel la lágrima de esta ciudad, la misma que da de beber, la misma te hará naufragar. [...] El mar que me trajo hasta aquí, el puerto en que habré de zarpar, un día pensando en volver, un día volviendo a escapar. Un día cualquiera me iré, dejando su lágrima atrás. La pena que me haga partir, la misma me hará regresar. Si dejo elegir a mis pies, me llevan camino del mar.

É realmente de se lamentar, mas será que estes que buscam exílio devem ser criticados? Eu mesmo fui arrebatado por um sentimento contraditório quando pisei pela primeira vez em solo uruguaio. Minha primeira impressão foi de total familiaridade, por conta da falta de pressa dos transeuntes, pelo sol de fevereiro que teimava em não ir embora, pela paz dos casais que tomavam sol e chimarrão à margem do Rio da Prata, por aquele vento embriagador que me deixava meio cambaleante pelas ruas. De volta ao Brasil, compus até uma letra pra melodia de Kana, Cidade do Vento (Ciduad del Viento)*, que já nasceu bilíngue: “Esse vento sempre muda a direção das estradas do meu coração. Embaralha o idioma dessa canção, meus cabelos e meus pés no chão. E eu me deixo errar ao seu sabor rumo a um novo amor. Sinto, vendo o rio mudar de cor, frio e calor. É um vento bom que vem do céu, vento de Montevidéu. Este viento siempre cambia la dirección de las calles de mi corazón. Hasta cambia el idioma de mi canción, me revuelve el pelo y la visión. Y me dejo errar a su sabor rumbo a un nuevo amor. Siento, cuando el río cambia el color, frío y calor. Es un viento lleno de deseo, viento de Montevideo.

Por outro lado, senti, apesar da calorosa acolhida uruguaia, falta de gente jovem pelas ruas, de risadas, de baderna. Não que não houvesse, mas sempre parecia haver menos gente, nas ruas ou nos ambientes coletivos, que o esperado. Claro que estou me referindo especificamente a Montevidéu, que foi a cidade que tivemos a oportunidade de conhecer melhor. Mas foi justamente esta Montevidéu que nos presenteou com a amizade de figuras especialíssimas que hoje têm suíte presidencial em meu coração. Pretendo, em relatos futuros, tratar melhor delas. Por ora, atenho-me a uma: Samantha Navarro.

O Uruguai é pequeno pra Samantha Navarro. Sua criatividade precisaria de um país do tamanho do Brasil, pra que ela pudesse fazer shows sem repetir a cidade. Mas, curiosamente, ela está entre aqueles que resolveram ficar. Sorte de quem vive lá, pois tem a rara alegria de ter pertinho una chica que posso, sem medo de exagerar, chamar de genial! E vejam vocês como as coincidências tecem suas teias com maestria. Enquanto, sem saber, daqui do Brasil procurávamos por ela, lá ela nos buscava. Foi assim: Estávamos de passagem comprada pro Uruguai, e Kana, que pretendia gravar uma canção em espanhol em seu terceiro disco, começou a pesquisar no myspace cantoras uruguais que lhe pudessem dar algumas aulas na língua de Cervantes. Dentre todas as que ouvimos, escolhemos cinco. Uma delas era justamente Samantha. Ficamos encantados com as canções da moça. Havia uma, inclusive, chamada La Planta, que curti tanto que acabei fazendo-lhe uma versão em português, pensando na Ceumar (viu, Ceumar?), pela coincidência de ambas serem belas cantautoras com uma “planta” na cabeça. A versão ficou bem fiel, transcrevo-a aqui pra que vocês tenham uma ideia do quilate da criatividade dela:

“Eu tenho uma planta/ Na minha cabeça/ Incrustada, enraizada/ Lá no chão do meu céu./ Não sei o que fazer/ Disse o doutor: ‘é inútil cortá-la’/ Se eu a podar, volta a crescer/ Cada vez mais frondosa/ Já está me enchendo de folhas/ O rosto./ Mas não sinta inveja/ Sou selvagem mata/ Chega a ser normal ver essa planta fatal/ Me cobrindo os ombros./ Não sei o que fazer/ Tenho raízes já nas pestanas/ Mamãe me limpa o musgo/ Que me inunda a almofada/ E varre as folhas que caem/ Da minha cama (da cama)./ Estações de rádio/ E jornais da tarde/ Já me converteram na mais famosa/ De todas as plantas./ Não sei o que fazer/ Eu passo o dia tomando sol/ Me regam e eu lhes regalo/ O meu sorriso de madressilva/ E meu perfume dos mais verdes/ Jasmins”.

Voltando às favas, entramos em contato com as cinco que escolhemos, mas só duas nos responderam: Inés Saavedra e Samantha. Inés respondeu primeiro, e foi justamente com ela que Kana teve suas aulas (falarei dela futuramente). Samantha nos respondeu em seguida, quando já estávamos em Montevidéu, e convidou-nos a visitar seu apartamento numa noite de Carnaval. Lá fomos, e passamos uma noite agradabilíssima, regada a vinho, pizza uruguaia (uma pizza quadrada, mas deliciosa), muita prosa e um tanto de música. Samantha nos contou que estava pra lançar um CD com sua banda La Dulce e que havia gravado nesse disco uma canção chamada Jardín Japonés. Na gravação havia um espaço instrumental de cerca de um minuto, que ela havia deixado de propósito, pois sonhava em conhecer alguma japonesa que recitasse a letra da canção em japonês naquele espaço. E lá estava Kana, aos 44 minutos do segundo tempo! Resumo da ópera: acabou participando do disco, justamente recitando a letra da canção em japonês. Futuramente eu faria uma versão desta também:

“Te ligo, tem ninguém/ Te peço, cê não vem/ Se eu te procuro, acho/ Que o seu céu se encontra ainda um andar abaixo./ E aí, cadê você?/ Que não me fala mais/ Às vezes as palavras/ Querem me passar pra trás./ Vou regar as plantas do meu jardim japonês/ Vou tricotar e aprender espanhol/ E ser feliz/ Enquanto, só, contemplo o pôr do sol”.


2) ARENAL (AREAL)
(Samantha Navarro/versão: Léo Nogueira)
Samantha Navarro e Zeca Baleiro

Voltamos pro Brasil com um de seus CDs, Mujeres Rotas, uma obra-prima! Não me canso de escutar até hoje. Samantha, como se não bastasse a figura ímpar que é, com aqueles enormes cabelos cacheados incendiados, possui uma voz deliciosa e canções inventivas, sempre com temas inusitados, poeticamente muito bem desenvolvidos dentro de melodias arrebatadoras. Trocamos muitos e-mails, e, como ela visse minha dependência, acabou me mandando pelo correio seus outros discos. Aí ferrou! Passei uns sei lá quantos meses só ouvindo-os. Acho que fiz umas dez versões em português de suas canções. Vou enfileirar algumas abaixo, como diria Sonekka, pra encher o saco:

O MAR DO CAIS (EL MAR EN UN ANDÉN): “Como me custa dar amor/ Abrir a fundo o coração/ Deixar de lado essa armadura/ Que me protege e anula/ É como se eu, lá das alturas,/ Fosse um distante espectador./ Às vezes creio na razão/ Ao tentar domar a estranha dor/ De me sentir inteira ilhada/ Triste fantasma sem história pra contar/ E gasto minhas fichas todas/ Errando em jogos de azar./ E, sempre mais,/ É como ver o mar do cais.”

NOITE (NOCHE): “A noite está cheia de bocas/ A noite está fora de si/ A lua fatal me sufoca/ Enquanto eu choro, ela ri./ A noite me diz: eu te amo/ A noite quer o meu mal/ São sete cabeças num ramo/ De espinhos de uma flor mortal./ Noite, que noite a de ontem! Noite./ A noite começa do zero/ A noite está dentro de ti/ A noite te diz: eu te espero/ E já recomeça a rir./ A noite é o remédio dos loucos/ A noite: açúcar e sal/ É que uma só noite é tão pouco/ Um vinho, um bombom… e babau./ Eu tomo um uísque, aumenta o prazer/ Me falam, escuto e não posso entender.”

SEDE (SED): “Se a água do firmamento/ Eu conseguisse tomar…/ Mas tenho um inferno bento/ De sede a me matar./ Se todo o sertão do mundo/ Fosse uma água ao revés/ O fogo de um poço fundo/ Me banharia os pés./ Por mais que eu beba água demais/ A sede não vai me deixar em paz./ Meu coração, alfarrábio/ Esponja da minha dor/ Há de beber em seus lábios/ A água doce do amor.”

Tá bom, né? Ficou de bom tamanho a propaganda, tanto pra ela quanto pra mim. Agora já sabem: precisando de um versionista, Leozito a seu dispor. Continuando: Samantha, apesar de excepcional letrista, também esbanja talento musicando letras. A exemplo de nosso produto nacional Madan, gravou um disco só com poemas musicados por ela, chamado simplesmente Poemas (2002), eleito um dos discos do ano pela Rolling Stone argentina. Neste disco ela musicou maravilhosamente, entre outros, o belo poema Date a Volar, de Alfonsina Storni (aquela  poeta que deu fim à vida “vestida de mar”, da canção Alfonsina y el Mar, lembram?). Mas Samantha não se queda deitada em berço esplêndido. A mulher é uma batalhadora. E não tá nem aí se o Uruguai é pequeno pra ela. Dá seus pulos, faz shows na Argentina; enquanto toca a carreira com sua banda La Dulce, ataca de poeta e lança o livro Sapo de Otro Pozo, além de achar tempo pra ser sommelier; ao mesmo tempo que finaliza seu novo CD, Volver al Inicio (no qual gravou até uma versão sua em francês de À Primeira Vista, de Chico César), ainda grava um DVD ao vivo, nos moldes do Acústico MTV, enfim, Samantha é gente que faz!

Fechando o círculo e amarrando as pontas, conto que Kana acabou devolvendo a gentileza e convidando Samantha a participar de seu novo (e ainda inédito no Brasil – tá ouvindo, Vasco?) CD, justamente na supracitada Cidade do Vento, que acabou virando uma canção uruguaia, pois, excetuando-se a voz da Kana, foi toda gravada em Montevidéu, com músicos de lá. Dany López, meu parceiro uruguaio e quem tocou piano na gravação, disse que ficou um milongón, ou seja, um candombe lento.


3) El mar en un andén E (Samantha Navarro)

Gentileza de lá, gentileza de cá, acabei intermediando a participação de Zeca Baleiro no novo disco de Samantha, esse mesmo da canção de Chico em francês. De quebra, a parte cantada por Zeca é uma versão minha (de novo!) em português de uma canção dela. Só falta agora ela vir fazer uns shows por aqui. Afinal, desde 1950 sabemos do que os uruguaios são capazes. ¡Y dale, Celeste!

***

Samantha também está no Caiubi.

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9 comentários:

  1. Puxa, Léo!

    Que maravilha vc descortina pra gente.....
    obrigada por essa dica. Já estou lá ouvindo tudo e curtindo muitooo
    bjs

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  2. Irinéa, Samantha é um escândalo de bom! Cinco canções dão pra ter apenas uma pequena ideia da grandeza de sua obra. Estou tentando trazê-la pro Brasil ano que vem. Vamos ver o que consigo.

    Beijos do
    Léo.

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  3. Que lindo!!! y por hablar de Uruguay, escuchen tambien a Ruben Rada,y los legendarios Eduardo Mateo y Zitarrosa....

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  4. ¡ENHORABUENA, MARCE!!!

    Conozco a Rada y Zitarrosa, buenísimos, pero no conozco a Mateo, voy a investigarlo. Pero el que me gusta más es Roos.

    Besos,
    Léo.

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  5. Eduardo Mateo é um dos melhores compositores uruguaios, na minha humilde opiniao, mas Samantha é o nosso orgulho cara, Ela á uma artista completíssima "na hora de chegar e dar o recado" (como disse Elis Regina no programa Ensaio, ao se referir a milton e ao Gil), digo isso por causa de que ela tem a capacidade de transmitir qualquer emoçao, ela consegue chegar na gente a fazer-nos sentir as mais belas emoçoes.Quando se escuta Samantha Navarro, Sempre se está preparado para o que der e vier; A gente abre os nossos ouvidos a as nossas almas para que a sua voz e poesía nos invada, e isso faz dela éssa artista fora de série!
    Aqui no Uruguai está cheio de gente fazendo boa música, sabe? eu sou de Artigas,da Fronteira do Uruguai com o Brasil, e lá tem um cara muito bom mesmo; Ernesto Diaz, q agora está gravando seu primer cd "Para que bailen las vieja" é um som bem caraterística de lá, dá prá sentir o cheiro da fronteira quando vocé o.escuta...

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  6. Esquecí de dar os parabéns! Muito bom seu Blog! :)

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  7. Te felicito, Verónica, por tu buenísimo portugués! Y te lo agradezco por todo este montón de informaciones. Visítame siempre que lo quieras.

    Besos de
    Léo (un uruguayo de Ceará).

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  8. Léo! Que maravilha! Ouví a música de Samantha!Sua voz e composições são lindas! Parabéns pela bela pesquisa que fizera no Uruguai! Abração! E que Deus o ilumine!

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    1. Eu que agradeço pela visita e pelo comentário, Arte da Multiplicação!

      Abraço do
      Léo.

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