O cantautor argentino Fito Páez, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, lamenta a falta de intercâmbio entre o Brasil e a América hispânica. Segundo ele, “o mais provável é que o fato de o Brasil ter se tornado uma potência musical do século 20, ao inventar a bossa nova e o tropicalismo, tenha gerado um autoabastecimento de ideias. Uma sensação de que não é necessário ouvir coisas de fora”. Não sei se foi exatamente por isso, até porque artistas que cantam em inglês, mesmo que não gozem de tanto prestígio em seus países, sempre acham público afim por aqui. O que me parece é que, como nos achamos muito bons, só respeitamos quem, hierarquicamente, sob nossa ótica, está acima de nós. E a América hispânica sempre nos pareceu saída de um novelão mexicano. Quem invejamos são os EUA, queríamos ser como eles, tanto que estamos avançando nesse sentido: o País cresce economicamente a olhos vistos sem, contudo, conseguir que a Educação cresça junto. Dessa maneira, vemos nas ruas ignorantes sem dinheiro, mas com crédito, acelerando ante o farol vermelho seus carros pagos em infinitas prstações enquanto gritam desimportâncias a um celular que em muitas ocasiões lhes vale o salário de um mês.
Mas este espaço não se destina a falar de política. No máximo, como todas as relações são políticas, desde as amorosas até as fronteiriças, não me furto a deixar escapar minha opinião. Mas o enfoque aqui é música. E hoje, como o facebook me avisou que é aniversário de Inés Saavedra, resolvi falar dela. E o que tem o parágrafo acima a ver com a moça? Respondo: quando conheci Inés há alguns anos, em Montevidéu, conforme expliquei no texto a respeito de Samantha, Kana procurava alguma boa cantora uruguaia que lhe desse algumas lições de canto em espanhol, pois pretendia gravar uma versão nesta língua que fiz da canção Eclipse, parceria minha com o cubano Paquito D'Rivera, originalmente escrita em português. Contato feito, eis que nos foi buscar num hotel montevideano ninguém menos Inés Saavedra, uma pequena, delgada e radiante garota, que nos levou en su coche pra cima e pra baixo por las calles de Montevideo. Não exatamente nessa ordem, comemos, bebemos, rimos e fomos parar em sua casa, onde, entre un mate y otro, ela me fez perceber que a versão em espanhol que eu fizera da canção acima mencionada não soava natural na língua de Cervantes (por falar nisso, será este seu antepassado? Momento cultural: sabem vocês que o último sobrenome do autor de Dom Quixote era Saavedra?). Pois bem, o que fez a moça? Debruçou-se com toda a paciência do mundo sobre a letra e, ao final, eu estava diante de uma versão palatável. Tanto que, em nome da justiça, dei-lhe parceria na versão. Creio que ela ficou chateada quando soube, tempos depois, que tanto sacrifício fora em vão, pois o produtor do disco de Kana acabara preferindo que a canção fosse gravada apenas em português. Mas a versão existe, e, independente de não ter sido gravada, Kana ainda pretende utilizá-la quando seu espanhol estiver mais natural (tem estudado muito a japinha!).
Mas este espaço não se destina a falar de política. No máximo, como todas as relações são políticas, desde as amorosas até as fronteiriças, não me furto a deixar escapar minha opinião. Mas o enfoque aqui é música. E hoje, como o facebook me avisou que é aniversário de Inés Saavedra, resolvi falar dela. E o que tem o parágrafo acima a ver com a moça? Respondo: quando conheci Inés há alguns anos, em Montevidéu, conforme expliquei no texto a respeito de Samantha, Kana procurava alguma boa cantora uruguaia que lhe desse algumas lições de canto em espanhol, pois pretendia gravar uma versão nesta língua que fiz da canção Eclipse, parceria minha com o cubano Paquito D'Rivera, originalmente escrita em português. Contato feito, eis que nos foi buscar num hotel montevideano ninguém menos Inés Saavedra, uma pequena, delgada e radiante garota, que nos levou en su coche pra cima e pra baixo por las calles de Montevideo. Não exatamente nessa ordem, comemos, bebemos, rimos e fomos parar em sua casa, onde, entre un mate y otro, ela me fez perceber que a versão em espanhol que eu fizera da canção acima mencionada não soava natural na língua de Cervantes (por falar nisso, será este seu antepassado? Momento cultural: sabem vocês que o último sobrenome do autor de Dom Quixote era Saavedra?). Pois bem, o que fez a moça? Debruçou-se com toda a paciência do mundo sobre a letra e, ao final, eu estava diante de uma versão palatável. Tanto que, em nome da justiça, dei-lhe parceria na versão. Creio que ela ficou chateada quando soube, tempos depois, que tanto sacrifício fora em vão, pois o produtor do disco de Kana acabara preferindo que a canção fosse gravada apenas em português. Mas a versão existe, e, independente de não ter sido gravada, Kana ainda pretende utilizá-la quando seu espanhol estiver mais natural (tem estudado muito a japinha!).
Mas o que eu queria acrescentar, no que se refere ao parágrafo em que tratei de Fito, é que, conversando com Inés, soube de muitas coisas que desconhecia acerca do Uruguai. Disse-me ela, por exemplo, que lá não há muita perspectiva de que alguém mude de classe social. Uma pessoa que é filha de pais de classe média, por mais que trabalhe, continuará pertencendo à mesma classe e, provavelmente verá seus filhos e netos terem igual destino. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde uma pessoa com visão (e um pouco de sorte) pode galgar degraus na escala social. Mas, falando de música, ela me disse que em geral se estuda muito lá. As cantoras leem música, estudam canto, enfim, procuram se profissionalizar o máximo possível. Eu queria chegar justamente nesse ponto: no Brasil já faz tempo que vivemos das glórias do passado. Julgamo-nos seres divinos, superiores, apenas pelo fato de termos vindo ao mundo neste grande pedaço de terra. Quando se trata de futebol e música, sobretudo, aí é que o bicho pega. Pensemos: enquanto seleções como Espanha, Paraguai e Japão (pra dar apenas o exemplo da última Copa) demonstram estar claramente em ascensão, há tempos nossa “Seleção”, com seus craquezinhos mimados, não mostra a genialidade que se perdeu desde 1982, com Zico, Sócrates & Cia. E, quando se trata de música, também achamos que só o fato de sermos brasileiros é suficiente pra que nos sintamos elevados à condição de gênios da raça. Enquanto no Uruguai se estuda, aqui tiramos de letra, a genética nos protege, corre em nossas veias o sangue de Santa Elis e São Jobim. E, enquanto perdurar essa linha de raciocínio, veremos cada vez mais outras culturas se expandirem enquanto a nossa fica estagnada. A ignorância nos faz merecer nossos ignorantes ídolos.
Mas, voltando a Inés, daquele longínquo fevereiro em que nos conhecemos até hoje, muitas águas rolaram. E aqui volto a minhas considerações do capítulo anterior, quando tratava da falta de perspectiva que leva os uruguaios a buscar no êxodo uma ponte na busca da realização de seus sonhos. Inés me traçou um panorama triste quando se referiu à condição de classes. E quem pode julgar alguém que parte em busca de seus sonhos? Quem é capaz de afirmar que do outro lado do arco-íris não nos está esperando o tal pote de ouro? Kana é um exemplo vivo: saiu do Japão em busca do tal pote e achou a mim. Pensando bem, acho que não é um bom exemplo... Mas o fato é que o mundo ficou pequeno, a Internet nos põe frente a frente com pessoas que estão do outro lado do globo; pode-se trabalhar em casa e mandar o resultado do trabalho ao patrão por e-mail, esteja o patrão onde estiver. O uruguaio-madrilenho
Jorge Drexler já dizia numa canção que “las fronteras se mueven, como las banderas”. Em outra canção, ele dizia que “hay gente que es de un lugar, no es mi caso. Yo estoy aquí de paso” (paso = passagem). Sensibilizou-me muito depoimento dado pela própria Inés a um amigo no facebook. E, como foi um depoimento público, tomo a liberdade de copiá-lo aqui. Disse ela: “Aquí estoy en España, viviendo de mi música. En Uruguay me iba fenómeno a nivel artístico pero no veía un mango. Aquí empiezo de cero pero puedo vivir de mis conciertos y mis discos y prefiero eso a tener fama y tener que buscar otro trabajo para financiar mi carrera artística”.
Inés nos deu de presente seu primeiro disco, Las Casualidades no Existen. De volta ao Brasil, ouvi muito esse disco. Além das belas canções, da voz originalíssima e superafinada de Inés, o disco possui um elemento extra que justifica o título: Daniel López. Ou Dany López, como prefiram. Não se pode falar de Inés sem falar de Dany. Pode-se mesmo dizer que ambos estão umbilicalmente unidos pela música. Dany toca com Inés há anos e é arranjador de seus dois discos. Ao ouvir as canções de Inés é fácil notar o toque todo especial das mágicas mãos de Dany. E o que justifica o título do disco foi que por ter conhecido Inés pude ter a felicidade de conhecer também esse moço que é um artista fascinante e um ser humano cuja humildade comove. E Dany foi também meu primeiro parceiro na língua de Saavedra. Aqui deixo uma impressão: nós, brasileiros, por nosso próprio temperamento, temos uma facilidade incrível pra fazer parcerias. Já os uruguaios, não sei se por causa do frio, são mais solitários no ato de compor. Vejam vocês que, apesar de toda essa harmonia entre Dany e Inés, os dois não têm nenhuma parceria! Mas voltarei a Dany futuramente. Por ora, pra finalizar, basta dizer que Inés é uma compositora apaixonante, ensolarada, e que, sem detrimento de suas composições, possui uma voz tão cativante que mais de uma vez me peguei imaginando canções alheias interpretadas por ela.
Mas, como o mundo é engraçado e as pessoas são diferentes, eu, depois de ter conhecido Montevidéu e sua atmosfera de contemplação, seu vento revolto e essa característica que lhe confere ser uma cidade onde as horas passam lentamente, vira e mexe me surpreendo querendo morar lá, nem que seja por um breve tempo. E é justamente uma canção de Inés de que gosto muito, que parece ter sido composta pros paulistanos, que quando ouço me aumenta a vontade de pegar um avião e ir curtir a paz montevideana. Despeço-me com ela, Siempre corriendo, numa tradução fajuta (minha):
Sempre correndo, querendo lhe tirar de cima/ todas as pendências que são pra hoje/ abre a agenda e procura outra data/ porque hoje já não tem lugar pra você/ e assim se passam as horas, os dias,/ o tempo que gira nos ponteiros de seu relógio/ e você continua correndo, convencido/ de que vai poder terminar tudo hoje./ Sempre correndo, desejando ter alcançado/ a próxima meta que está na sua frente/ com o foco na mira, centra sua energia/ devorando tudo nessa diração/ e assim se passam as horas, os dias,/ o tempo que gira nos ponteiros de seu relógio/ e você continua correndo, convencido/ de ser você o próximo salto na sua lista./ Não, não, não corra mais/ que indo depressa seu corpo não sente/ e seus olhos não veem a vida passar/ Não, não, não corra mais/ que indo devagar/ talvez sem pensar/ ao virar a esquina/ você se veja passar./ Sempre correndo, procurando o caminho mais curto/ o modo mais rápido de chegar/ por onde quer que você vá parece/ que sempre estão correndo atrás de você/ e assim se passam as horas, os dias,/ o tempo que gira nos ponteiros de seu relógio/ e você continua correndo, convencido/ de que não há um trajeto, apenas um final./ Não, não, não corra mais/ que indo depressa seu corpo não sente/ e seus olhos não veem a vida passar/ Não, não, não corra mais/ que indo devagar/ talvez sem pensar/ ao virar a esquina/ você se veja passar.
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Inés também está no Caiubi.
Leo Querido. Muito bom de ler tudo o que você escreve.
ResponderExcluirTemos uma coisa em comum: esta vontadfe de passar um tempo em montevidéo.
Izabels Schneider
Oi, Izabel!
ResponderExcluirBom saber que sou lido por você! Montevidéu é o que há, né?
Beijão do
Léo.