"Fito é um artista quimicamente puro. (...) É capaz de compor uma canção às 8h da manhã e à meia-noite tê-la gravado e mixado com uma orquestra sinfônica. Se isso não é ter empenho, valentia e talento, não sei o que é. (...) Suponho que Fito, acima de tudo o mais, é isso: artista!". O testemunho acima foi dado por Joaquín Sabina em sua biografia Sabina en Carne Viva, numa época em que ambos estavam de relações cortadas. Nesse livro Sabina dedica um capítulo inteiro a seu "enemigo íntimo". Claro que há nele tintas carregadas de ironia, mas uma coisa Sabina não põe em dúvida: o talento do parceiro/desafeto.
1) Mariposa Tecknicolor (Fito Páez)
É sobre esse artista que gostaria de tecer hoje algumas considerações. E, mais do que artista, eu lhe daria outra qualificação. Fito é, sem dúvida nenhuma, um camarada determinado. Pra não dizer teimoso. Passou por cima de críticas negativas que o punham como um reles imitador de Charly García (de quem foi músico no começo da carreira e por quem nutre verdadeira idolatria, mais ou menos como a que Caetano devota a João Gilberto), construiu seu lugar ao sol com unhas e dentes e hoje é considerado um verdadeiro ídolo e fabuloso vendedor de discos, não só na Argentina, como também em vários países de língua hispânica. Por falar em Charly, conta-se que quando este soube que Fito, então seu músico, havia gravado o primeiro trabalho solo e que começava a conquistar alguma aceitação, começou a posicioná-lo de costas pro público em seus shows, pra que não houvesse nenhum tipo de, digamos, ofuscação, atitude que, vinda de Charly, é uma forma peculiar de elogio.
Embora Fito tenha todo esse profissionalismo longamente dissertado por Sabina (às vezes até pejorativamente), sua verve roquenrol (que permanece intacta) foi a responsável por ter ele alcançado o patamar em que hoje se encontra. Pois Fito é também isso, essa metralhadora giratória que não mede palavras no discurso tampouco nas letras de suas canções, algumas das quais beiram mesmo a bravata. Mas Fito sabe "endurecer sin perder la ternura". Quando fala de amor, é de um lirismo espantoso, derramado, mas ao mesmo tempo sublime. Embora não seja exatamente um poeta, já que, na maioria de suas canções, utiliza-se mais de linguagem oral que de elaboração poética. Contudo, chega a um resultado admirável quando acerta. Sim, porque Fito é, a exemplo novamente de Caetano, dado a irregularidades. Seus picos de altos e baixos são extremos.
2) 11 y 6 (Fito Páez)
Essa determinação de Fito pode ser a maior explicação por ele ser mais conhecido no Brasil (embora menos do que mereça) que Charly García, que, nas palavras de Sabina, é uma espécie de Beatles da Argentina. Mas tanto Charly quanto Fito (em menor instância), sem falar em inúmeros outros senhores artistas, como Andrés Calamaro, León Gieco, Luis Alberto Spinetta, entre tantos outros, são vítimas de um preconceito (além do linguístico, por supuesto) motivado em parte pela rivalidade futebolística entre Brasil e Argentina. Já tratei do assunto antes neste espaço, mas nunca é demais registrar a gratuidade do fato. Tenho amigos, inclusive do meio artístico, que não poupam animosidade em relação aos hermanos. E a recíproca não é verdadeira. Como os argentinos são, em geral, mais cultos que nós (talvez devesse dizer "mais educados"), conseguem separar as coisas com mais clareza. Minha parceira Marcela Viciano é exemplo disso. Claro que estupidez e preconceito (que são da mesma família) existem em todas as partes do mundo, mas, se houver uma pesquisa acerca do assunto, seguramente nós estaremos no topo da lista. Elementar, meus caros. A ignorância é jardim de enorme variedade de ervas daninhas.
Voltando a Fito, este teria, por sua vez, outra boa dúzia de críticas a disparar contra seu próprio país. A propósito, já o fez em não poucas canções. Por outro lado, ele adora o Brasil. Além de muitas colaborações (não confundir com parceria) com artistas como Caetano Veloso e Titãs, seu mais recente disco, o ótimo Confiá, foi em boa parte gravado no Brasil. Por falar em Confiá, este disco marca a volta da boa fase do Fito compositor. Nos últimos anos (tirante o No Sé si Es Baires o Madrid, gravado ao vivo em Madri com repertório antigo), seus discos de carreira vinham deixando a desejar. Mas neste, ele volta à velha forma.
3) Al Lado del Camino (Fito Páez)
A maneira profissional e dedicada com que Fito conduz a carreira (além das grandes vendas e dos shows lotados) possibilitou-lhe certos luxos, como a aquisição de um superestúdio de gravação que não deixa nada a dever aos melhores do mundo. Como não sou jornalista (e aqui as informações que chegam de lá são parcas), tive preguiça de pesquisar a respeito pra saber se o estúdio continua firme mesmo após a crise mundial que se abateu sobre a indústria fonográfica. Mas, pra terminar este relato jocosamente, lembrei-me de uma anécdota contada por Sabina em seu livro a respeito do referido estúdio. Conta este que na época em que ambos gravavam seu disco em dupla (o profético Enemigos Íntimos), Fito e Charly não estavam se falando (como esses hispânicos gostam de viver às turras!), e Sabina resolveu intermediar uma possível reconciliação. Segundo Sabina, "a pessoa que mais ama Charly no mundo é Fito". Abaixo, reproduzo palavras do próprio Sabina:
"Era uma época em que estavam a ponto de se reconciliar. E era uma época em que, em meus shows na Argentina, Charly subia comigo ao palco e éramos muito companheiros e muito cúmplices, e Fito queria que Charly fosse vê-lo. Então intermediei e liguei pra Charly pra que fizessem as pazes. Naquela época Charly ia pra todo lugar com esses sprays que os grafiteiros usam. De fato, sua casa estava toda pintada com spray, inclusive a TV e os sofás. (...) Então Charly chegou ao superestúdio projetado por Fito e este, que estava muito emocionado, chamou-o "mestre", e se abraçaram. E Charly fez só uma maldade, mas foi genial. Disse: "Trouxe o spray!". Não o usou, mas você precisava ter visto a cara que Fito fez. (...) Se Charly tivesse chegado a usar aquele dia o spray, Fito teria deixado que ele pintasse o estúdio de cabo a rabo. Inteirinho."
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e alem do seu talento , é uma pessoa que opina e provoca polémicas!!
ResponderExcluirvejam só:
http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/subnotas/172161-54651-2011-07-13.html
Hola, Marce! Gracias por compartir con nosotros este muy fuerte texto. Sí, por lo menos Fito forma parte de los que tienen opinión y no temen gritársela a los cuatro vientos. Por acá está cada vez más mal visto a uno que se lo diga lo que lleva en la cabeza. Y seguimos vendiendo hamburguesas en vez de libros.
ResponderExcluirBesos,
Léo.
Queridos, ontem meu camarada Élio Camalle me ligou e, entre um assunto ou outro, me parabenizou pelo texto de Fito, no entanto acrescentou que não concordou com isso de os argentinos serem "mais cultos" que nós. Segundo ele, cultura, cada povo tem a sua. Pedi-lhe que expusesse sua opinião aqui, pra gerar debate, o que é saudável, mas esquivou-se alegando falta de tempo. Assim, pensei bem e acrescentei um "enxerto" ao texto, pois talvez eu devesse ter dito "educados" em vez de "cultos". Educados no sentido de terem tido uma base escolar melhor e mais propícia ao gosto pelos livros e pela cultura em geral. Apesar de nossa cultura ser maravilhosa, há um descaso manifesto por ela. Fica aqui a tribuna aberta pra opiniões.
ResponderExcluirBeijos do
Léo.
testando.
ResponderExcluirTestado. Ui!
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