segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Um Cearense em Cuba: Quinto Dia

2006
JUNHO
QUINTO DIA
Jueves, 22.
    
“¡Hola!”. Palavra que em espanhol significa olá. Dita pelos cubanos em geral, quando veem um turista en la calle. Rapaz, parece o som de uma caixa registradora. Cada hola é uma metida de mão no bolso, e vale, no mínimo, cinquenta centavos. “¡Hola! ¿De Brasil? Me gusta mucho Brasil. ¡Campeón de fútbol! Mira, saca una fotografía. ¡Solamente dos pesitos!”. Em Havana não há mendigos, mas há muitos PEDINTES. Somos abordados diariamente por dezenas de “amigos”, que querem apenas conversar sobre Brasil, futebol, e finalmente nos pedem “dos o tres pesitos, para la leche del niño”. Ontem, um chegou a nos abordar dizendo que era seu aniversário, perguntando em que hotel estávamos e se oferecendo pra nos levar a uma casa ótima, para dançar ao som do “disco”. Explico: aqui, há, naturalmente, muitas casas com música ao vivo, mas os jovens vivem a febre da… DISCOTECA! Lugares onde não há música ao vivo, apenas discoteca!

    
Hoje saímos num city tour ao redor de Havana. Me arrependi. O guia era um “robocito” que falava sem respirar, dando as informações em espanhol e inglês, de uma forma tão linear que praticamente eu não percebia quando ele saltava do inglês pro espanhol ou vice-versa. Completamente programado pra nos atender nas praticamente quatro horas de esbalde turístico. Na última parada, desistimos e voltamos ao hotel a pé…
    
…A tempo de pegar a metade do segundo tempo de Brasil 4 X 1 Japão. Sobre este jogo, nada a declarar, além da alegria de ver Ronaldo voltar a jogar um mínimo.
    
À noite fomos ao Tropicana, talvez a casa mais famosa de Cuba, no que se refere a espetáculos para turistas. Fomos recebidos por um rapaz que me deu as congratulações pelo Brasil e disse que a seleção estava jogando demais. Ao que eu respondi que as outras seleções é que estavam jogando “de menos”. Ele riu e nos levou ao nosso posto. Quem já foi a Buenos Aires e assistiu a um espetáculo de tango chamado Señor Tango saberá mais ou menos o que significa o Tropicana. Um espetáculo exuberante, com umas duas dezenas de músicos que acompanham vários cantores e umas três dezenas de bailarinos… Sim, eu disse bailarinos, nada que remeta a dançarinas de axé míuzique. No caso desses(as) bailarinos(as) do Tropicana, vê-se que estudaram balé, fazem acrobacias que seria inútil tentar explicar em palavras. Além de serem todos perfeitos, lindos. As mulheres parecem deusas, já os rapazes possuem uma beleza quase feminina, entre músculos e agilidade. E sensualidade, é bom frisar. Inclusive notei que principalmente as negras cubanas possuem uma sensibilidade inexprimível. Não são como as brasileiras, que parecem putas na sensualidade. As cubanas parecem… putas de luxo. Maldade minha, escrevo agora, no calor dos acontecimentos, à 1h da manhã, ainda sob o efeito de 1/4 de rum Havana Club con Tukola, a Coca-Cola local. Claro que a cenografia me lembrou o Carnaval brasileiro, principalmente os de São Paulo e Rio, mas há uma grande diferença aí: ao passo que no nosso Carnaval ficamos que nem panacas vendo durante uma hora a mesma dança, a mesma música, o mesmo figurino, os mesmos peitos, enfim, os mesmos tudo, no Tropicana, a cada música há uma troca de figurino que beira o incrível, dadas a velocidade e a agilidade dos bailarinos em se recompor, em tempo recorde, afinal, o show não pode parar.
    
Pra não dizer que tudo foram flores, em determinado momento me lembrei de que não tenho cartão de crédito com direito a felicidade, e parei de olhar pro palco e comecei a olhar pra plateia. Pessoas do mundo todo ali, pagando uma fortuna pra assistir a um espetáculo que 99% dos cubanos nunca verão. Aí sim se parece muito com o nosso Carnaval. Foram emoções contraditórias, pois, ao mesmo tempo que via aqueles garotos (com cara de residentes da Rocinha) e sua habilidade, me sentia numa arena, comendo coxas de frango e atirando os ossos aos gladiadores, que tratavam de salvar sua pele. Aí pensei em quantos daqueles bailarinos já tiveram a oportunidade de trazer os pais pra assistir ao espetáculo… Mas como eu penso merda! Será que não dava pra passar duas horinhas sem pensar, apenas me divertindo?
    
Esqueci de dizer que, dessa vez, levamos blusa de frio, preparados para o ar-condicionado que viesse. E o espetáculo foi ao ar livre. Uma casa enorme, no meio de árvores e canhões de iluminação, aquele ventinho agradável, e eu pensando que o deus dos socialistas é mesmo muito bom, pois, fosse São Paulo, uma mera chuvinha de fim de tarde poria aquilo tudo por água abaixo…
    
Até agora não vi ninguém comer criancinha.
    
Ai, que dor de cabeça!
    
Ah, uma curiosidade (pérfida) sobre a moeda cubana: há dois tipos de peso (literalmente dois pesos e duas medidas), o peso cubano e o peso convertível. O peso convertível está para o dólar na proporção de 1 dólar = 80 centavos de peso convertível. Já o peso cubano está para o peso convertível na proporção de 1 peso convertível = 24 pesos cubanos. Detalhe, o turista troca dólar, euro, iene, ou seja lá o que for, por peso convertível, ao passo que o cubano usa o peso cubano, que deveria realmente estar na proporção 24 por 1. Só que, quando se paga em peso cubano, paga-se mais barato. Por exemplo, ontem, estávamos com muita fome e pouco dinheiro, paramos em frente a um restaurante que tinha um prato de pollo (frango) por 25 pesos. Achamos caro, mas um garçom nos disse que ficaria em 5 pesos convertíveis. Ficamos felizes e comemos lá, mas, quando voltamos ao hotel, pensamos, se 1 peso convertível vale 24 pesos cubanos, e, no cardápio constava 25 pesos cubanos, então nós tínhamos que pagar 1 peso convertível por prato! Mas a matemática aqui conhece outras aritméticas…

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