Estou encantado com a prosa de um escritor. E mais! Um camarada que me obrigou a morder a língua. E, em meu caso (já devo ter comentado isso por aqui), isso é algo que me dá o maior prazer fazer. Claro, tem seu lado masoquista, mas a dor é nada se comparada ao resultado do ato. Mas voltemos. Dizia que estou encantado com a prosa de um escritor que me fez morder a língua. Explico: nunca me interessei muito por estudar inglês devido a um sentimento idiota em relação a esse país orgulhoso chamado Estados Unidos da América. E tão orgulhoso, que diz que seus filhos são americanos, relegando aos vizinhos (todo o resto da América) a condição de subamericanos. Resumindo: embora lute contra meus preconceitos, acostumei-me a regar este em relação aos EUA.
Não sei se é exatamente por isso, ou seja, se tal, digamos, rancor direcionado a eles foi o responsável por eu sempre ter lido com um pé atrás autores estadunidenses (perdoem, prefiro assim). Nunca havia encontrado um escritor filho daquele país que eu elevasse à condição de gênio. Nenhum deles jamais havia me emocionado demasiadamente. E olha que eu tentei. Li, entre outros, Hemingway, Scott Fitzgerald, Faulkner, Henry Miller etc. e tal. Nem mesmo Philip Roth, o queridinho da atualidade, chegou a me parecer o último biscoito do pacote. Pra não parecer que sou muito radical, há honrosas exceções: Fante, Salinger, Bukowski e Kerouac, mas, embora goste bastante destes, não os acho, como direi?, geniais. Minto. Há um: Herman Melville, mas este é quase inglês de tão bom (desculpem a ironia).
E o engraçado é que adoro até alguns escritores estrangeiros que tiveram uma carreira literária de êxito morando ali, como são os casos de Nabokov (russo) e Huxley (inglês), mas a verdade verdadeira é que os Estados Unidos nunca representaram grande coisa pra mim em termos de literatura. Parafraseando a chancelaria de Israel, eu diria que sempre considerei esse imenso e poderoso país um "anão literário". Claro, deve ser miopia minha, mas meço a relevância literária apenas pelo diapasão do prazer causado pelas leituras. Assim, nunca pude me emocionar tanto com livros estadunidenses como já me emocionei com obras russas, francesas, portuguesas, japonesas, inglesas, brasileiras, argentinas, uruguaias, espanholas, colombianas...
Até que, dia desses, fuçando no youtube, deparei-me com James Dean, um telefilme de 2001 que, como o título já diz, tratava da biografia desse jovem e talentoso ator morto precocemente devido a um acidente automobilístico. O papel principal ficou a cargo do não menos jovem e talentoso James Franco, que já foi até indicado ao oscar, pelo filme 127 Horas. Bem, o filme é bacana, mas não queria falar dele. Citei-o apenas pra ilustrar como o acaso às vezes pode agir de forma deliciosa. Uma coisa vai levando a outra, e me deu vontade de rever os três filmes que fizeram a glória de James Dean: Vidas Amargas, Juventude Transviada e Assim Caminha a Humanidade. Devo ter visto esses filmes ainda na adolescência e não recordo praticamente nada deles, a não ser que gostei muito.
O fato é que, lendo sobre o primeiro, Vidas Amargas (de Elia Kazan), descobri que esse filme foi baseado num romance chamado A leste do Éden, de um tal de John Steinbeck. Abre parêntese: perceberam que não é de hoje que os caras que ganham pra dar títulos em português a filmes estrangeiros são completamente sem noção? Fecha parêntese. O nome não me soou estranho. Fui até a bagunça que é minha biblioteca, e não é que eu tinha o danado do livro em dois volumes? Aqui, cabe uma explicação: todo mundo tem seus vícios; o meu é comprar livros compulsivamente. E, como não sei organizar meu tempo, tal vício me levou a ter uma biblioteca constituída por uma maioria absoluta de livros que não li(!). E, o que é pior: muitas vezes esqueço que comprei um livro e o compro novamente. Pensando em meu bolso, há pouco tempo resolvi abrir um arquivo e catalogar todos, pra evitar novas duplicidades.
Voltando ao John (já ficamos íntimos), preferi, antes de rever o filme, ler o livro. Ah, explico como o adquiri: trabalhei durante um tempo numa instituição que recebia muitas doações, algumas delas em forma de livros. Eu, como funcionário, podia comprá-los a preço de banana. Dessa forma, adquiri muitos deles apenas porque me era impossível não os comprar por R$ 10, R$ 5 ou menos. Este foi o caso de A leste do Éden. Pois bem, pra resumir, o danado do livro me enfeitiçou de tal maneira, que passei praticamente uma semana indo dormir às 4h da manhã, tal era o apego. Os prazeres da leitura são muitos e variados. Há livros que queremos terminar logo; já outros, apesar de não os conseguirmos largar, tornam-se praticamente pessoas da família, acostumamo-nos com eles, assim, a cada página que avançamos, sentimos um aperto no coração, por saber próximo seu fim.
Foi dessa forma que me senti ao terminar de ler esse romance. Fiquei praticamente catatônico, sem reação. Um viciado quando seu estoque acaba. Por sorte, descobri em minha biblioteca outro romance do John: As vinhas da ira, também transformado em filme por outro grande John, este, o Ford. Mas, por segurança, já comprei mais um dele: O inverno de nossa desesperança. Não vou resumir A leste do Éden, basta dizer que o considerei um dos romances mais maravilhosos do século XX. Só pra dar um gostinho, conto que nele há uma personagem surpreendente (entre outras): Lee, um filho de chineses que passa a vida trabalhando como serviçal de uma família, mas, apesar da aparente subserviência, era um filósofo e tanto. Não à toa, Steinbeck resumiu seus patrícios pela boca de Lee, e é com essa descrição que termino meu relato.
"Somos pessoas violentas. [...] descendemos dos inquietos, nervosos, criminosos e brigões, mas também dos bravos, independentes e generosos. [...] Todos temos essa herança, não importa qual foi a terra que nossos pais deixaram. Todas as cores e misturas de americanos têm de certa forma as mesmas tendências. É uma espécie desenvolvida por acaso. E por isso somos muito bravos e também muito amedrontados, somos generosos e cruéis como as crianças. Somos exageradamente cordiais e ao mesmo tempo tememos os estranhos. Nós nos gabamos e ficamos impressionados. Somos exageradamente sentimentais e realistas. Somos práticos e materialistas, mas conhece alguma outra nação que aja por ideais? Comemos demais. Não temos gosto nem qualquer senso de proporção. Investimos nossa energia como num deserto. Nas velhas terras, dizem que fomos da barbárie à decadência, sem nenhuma cultura no intervalo. Será possível que nossos críticos não tenham a chave ou a linguagem para nossa cultura? É isso que somos, [...] todos nós."
PS1) Ainda com a língua ardendo, constato, mais uma vez, e feliz, que nunca é tarde pra repensarmos nossos conceitos.
PS2) Revi Vidas Amargas. É um ótimo filme, pra quem não leu o livro. Pra quem leu, é cheio de escolhas equivocadas e lacunas no roteiro. Por exemplo: a personagem talvez mais emblemática do livro, o chinês Lee, simplesmente não existe no filme. É, acho que o título em português tem lá sua razão...
PS2) Revi Vidas Amargas. É um ótimo filme, pra quem não leu o livro. Pra quem leu, é cheio de escolhas equivocadas e lacunas no roteiro. Por exemplo: a personagem talvez mais emblemática do livro, o chinês Lee, simplesmente não existe no filme. É, acho que o título em português tem lá sua razão...
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