sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Crônicas Desclassificadas: 140) Carta a uma amiga em crise existencial

Estimada L.A.:

A vida é curta e, até prova em contrário, é uma só. E os dias não se repetem. Portanto, não há a menor chance de que um destes que se foram volte vez ou outra pra fazer uma visitinha, tomar um chá e divagar sobre os tempos em que ele fazia parte do presente. A não ser em nossas lembranças. Mesmo quando escrevemos sobre o passado, caímos fatalmente no risco de reinventá-lo, posto que nossa memória não é de todo confiável. Saramago, quando do lançamento de seu livro As pequenas memórias – pelo qual recordou um período que foi de sua infância até a adolescência –, chegou mesmo a afirmar numa entrevista que toda memória é inventada, visto que, ao procurarmos nela fatos antigos que, por um ou outro motivo, esquecemos, pomos outros no lugar.

O que quero dizer com isso? Que a única coisa que é realmente verdadeira é nosso hoje. Claro, o que vivemos é importante porque nos deu a bagagem que ora carregamos e que nos faz ser quem somos, mas só. Nada foi perdido, pois todos os momentos, bons ou ruins, foram vividos. E mesmo o que foi ganho já passou. Você e eu conhecemos muitas pessoas que vivem de glórias passadas. E, pensando no que disse Saramago, acredito que algumas delas devem encontrar prazer apenas em aumentar tais glórias. Tais pessoas, como no hino, estão deitadas em berço esplêndido. Cá pra nós, eu não trocaria meu futuro pelo passado delas. Até porque o futuro está por escrever, ao passo que o passado, por mais que o tentemos borrar, já está escrito.

Olhe a seu redor. O que vê? Não, não precisa dizer nada, deixe que eu digo. A meu redor, vejo infelizes, frustrados, iludidos, conformados, egoístas, distraídos... Paro? Claro, há aqui e acolá um ou outro exemplo excepcional de pessoa feliz, mas, convenhamos, são realmente uma minoria. O perigo, pra quem está vivo (de verdade), é o de se deixar contaminar pela frustração alheia. Os frustrados têm o hábito de projetar sua frustração naqueles que estão perto, sempre tratando o outro como um colega de infortúnio, sem perceber (ou percebendo) que o outro não está no mesmo barco. Às vezes é um ato inocente, mas o mais comum é que seja um ato fruto da inveja. O frustrado é persuasivo, é pós-graduado em derrotas. 

Assim, se você não fugir a tempo, quando menos esperar estará sentadinha, lendo, com os olhos marejados, o manual de fracassos alheio. O que não lhe servirá de nada, pois nem fracassos nem sucessos se repetem. Se você desistir de algo por medo de trilhar o mesmo caminho trilhado antes pelo outro, estará cometendo um atentado contra seus desejos, pois, como cada pessoa é diferente, toma decisões diferentes, assim, mesmo atravessando percursos que não levaram outros a lugar nenhum, pode chegar a bom destino. É por isso que não creio em livros de autoajuda. O próprio nome já diz: eles autoajudam a quem os escreveu. E, como não creio em livros de autoajuda, também não creio nos tais manuais escritos pelos pós-graduados em derrotas. 

Não é que as pessoas são más. Claro, algumas são, mas a maioria tem a melhor das boas intenções quando te dá um conselho altamente prejudicial a sua saúde mental. O que essas pessoas são é óbvias. Como não aprenderam a pensar, transformaram-se, sem perceber, em meros papagaios. E todos sabemos que, no intuito de ajudar o outro, à falta de um bom pensamento original, sempre há à mão um bordão fruto do lugar-comum. Elas não pensam, só proferem (e ferem). Às vezes, lá no íntimo delas, não creem no que estão dizendo, mas nada podem fazer; foram programadas pra dizer o que todos esperam que digam. Por isso ouvimos tanto "Você vai ver, no final vai dar tudo certo", "Quem vê cara não vê coração", "De pensar morreu um burro"...

... E nós, que fizemos Letras, cansamos de ouvir "Por que fez Letras se não queria dar aula?". Ora, bolas, fiz porque quis, e daí? Aí dá vontade de perguntar: "E você, por que fez Medicina, se não gosta de gente?", "E você, por que fez Engenharia, se é burro que nem uma porta? Não tem medo de construir um prédio que venha abaixo?", "E você, por que fez o mesmo curso que seu pai? Não tem ideia própria ou foi por medo dele?", e assim por diante. Na real, já sabemos a resposta. A maioria das pessoas escolhe um curso pensando no salário que irá receber depois de formada, mas se esquece redondamente de levar em consideração um fator dos mais importantes: será que eu tenho vocação pra isso? será que eu gosto disso?

Em contrapartida, quem escolhe fazer Letras geralmente é porque tem uma mente criativa e acha que ali vai poder aprender a exercitar melhor essa criatividade. Claro, há alguns que escolhem esse curso porque acham que vão ser aprovados mais facilmente, mas estes, não devemos levar em consideração, estão perdidos. E, o pior, conformados com isso. Portanto, quem faz Letras meio que está se lixando pra grana, o que, de certa forma, é bom. Pois o prazer devia vir antes da grana. A grana devia ser a consequência de um trabalho bem-feito, desempenhado com prazer. Na hora de enfrentar os riscos é que vemos quem são os grandes e quem são os medíocres. Veja as biografias dos gênios. A maioria deles passou por privações, foi aconselhada a desistir e procurar outro caminho. Nessa hora, devemos observar atentamente o caminho escolhido por quem nos aconselha.

Einstein, segundo li, nunca esteve entre os melhores alunos da classe. Um dos maiores problemas do ensino é que querem nos ensinar a ser medíocres, a seguir a boiada. Com a desculpa esfarrapada de formar vencedores, transformam-nos em seres egoístas, mesquinhos, máquinas (e quem não consegue se frusta). Sinceramente, quando me vejo obrigado a escutar por mais de cinco minutos os argumentos de um vencedor, sinto uma baita vontade de vomitar. Quer saber? Quem não tem com quem contar pode se sentir feliz por ter a companhia da pessoa mais importante do mundo: pode contar consigo mesmo. E mais: quem escreve, quem REALMENTE escreve, não tem a opção de parar de escrever, pois ninguém vive sem suprir as necessidades básicas. Reclamar da vida? Ter pena de si mesmo? A-do-ro! Seja desabafando em boa companhia e tomando uma birita qualquer, seja de frente pra uma folha (ou tela) em branco.

Resumindo: as piores respostas são aquelas cujas perguntas desistimos de formular.

Um beijo,

***

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