1) AMALGAMANDO
Há canções que são feitas em cinco minutos, já outras levam uma eternidade até que cheguem a sua versão final. Foi o caso desta. Escrevi a letra no começo do ano passado e a enviei a Gabriel de Almeida Prado, que a musicou em seguida. Só que com um detalhe: disse-me ele que não havia curtido muito seu refrão, por isso, acabou não tendo nenhuma ideia melódica pra ele. Como a letra estava muito recente em minha memória, resolvi deixá-la em banho-maria por uns tempos enquanto não encontrava algo melhor. E assim, enquanto ia passando o tempo, vez em quando eu voltava a ela, tinha nova ideia e a enviava a ele, que me avisava que ainda não havia sido dessa vez.
Gosto de compor com Gabriel porque, além de ser um belo melodista, é letrista dos mais inspirados. Fora a generosidade de sempre. Há ocasiões em que me envia letras quase prontas, daí só tenho o trabalho de dar uma pequena lapidada. E, nos casos em que faço a letra inteira e lha envio pra ser musicada, ele costuma dar um ou outro pitaco que a melhora consideravelmente. Assim que, após muitas tentativas frustradas, resolvi encontrá-lo, no intuito de acabarmos com essa novela. O encontro foi produtivo, e, apesar de não termos chegado ainda ao refrão esperado, sua melodia nasceu naquela noite, o que me tornou mais fácil encontrar as palavras, visto que já sabia em qual melodia encaixá-las. Foi assim que, recentemente, conseguimos finalmente bater o martelo. Poucos dias depois, Gabo me mandou a gravação que ora ouviremos, com o auxílio luxuoso de Liw Ferreira no segundo violão. A ela, pois:
AMALGAMANDO
O seu espanto é que eu não canto o que você espera
Nesse acalanto já tem tantos, todos num só coro
Que eu preferi ferir o verso e semear quimera
Borrar o riso dessa cara e então colher o choro
Eu perco, eu venço, eu rio, eu danço, mas também sou denso
Eu abro um poço, eu roo o osso do meu sentimento
E singro mágoas, peito sangra, eu grito e pulso e penso
E calo e pairo e paro. Eu cesso e ouço o vento
É que meu peito não tem pena
Mas bate pelo adversário
O mesmo canto que condena
Também canta seus contrários
É que meu peito não tem pena
Voa sem dó nem piedade
Se equilibrando entre as antenas
Da vanguarda... e dá saudade
Não sou a glória nem a escória, só um ser sincero
E, quando eu amo, eu me amalgamo, parto em mil, misturo
Respiro amor no amor eu moro eu faço amor eu gero
O amor é cruz e é quem conduz o trem do meu futuro
PS. Detalhe: a canção, em princípio, chamava-se Amálgama. Nesse meio tempo, Marcela Viciano, minha parceira argentina, batizou seu novo disco com o mesmo nome, o que me forçou a pensar em Amalgamando, que, no gerúndio, ganhou o bônus de trazer dentro de si também o gerúndio do verbo amar.
PS2. Como tenho certa esclerose, foi preciso que (pós-publicação) Gabriel me chamasse a atenção pro fato de ter ele feito a letra do refrão junto comigo. Emenda feita, Gabo. Sorry.
PS2. Como tenho certa esclerose, foi preciso que (pós-publicação) Gabriel me chamasse a atenção pro fato de ter ele feito a letra do refrão junto comigo. Emenda feita, Gabo. Sorry.
***
2) IARA E EU
Já falei aqui antes, mas sempre vale a pena repetir: uma parceria, pra ser boa, fértil, tem que ser fruto de afinidade. Quando esta não dá as caras, pode esquecer. Claro, duas pessoas talentosas, se resolverem se juntar pra criar, podem até fazer uma canção bonita, mas provavelmente o resultado será fruto mais de aplicação de experiência que de prazer. Faltará verdade. Em outras palavras, será resultado mais de transpiração que de inspiração. E também nesse caso o fator idade é o de menos. Um exemplo clássico é a parceria entre o então jovem Toquinho e o já calejado Vinicius de Moraes. Quando os dois se encontravam pra compor (e se encontravam muito!), tinham certeza de que sairiam daquele encontro com, no mínimo, uma nova bela canção. Não à toa o poetinha dizia que "a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".
É a tal da química. Quando ela está no ar, sente-se. Quem tem certa quilometragem dificilmente erra o alvo. Basta bater o olho pra notar as faíscas pululando. E aqui é preciso explicar que não se trata simplesmente de querer ou não. Muitas vezes, temos a maior boa vontade, esforçamo-nos pra que dê certo, mas não rola. É que nem com o amor: podemos até fazer o maior esforço pra amar alguém, mas fatalmente não conseguiremos. Daí, chega a pessoa certa, e, sem o menor esforço, o coração já está lá soltando fogos. Dei um exemplo conhecido – a parceria de Toquinho e Vinicius –, agora dou alguns particulares: ultimamente tenho tido encontros bastante produtivos com os manos Marcio Policastro e Gabriel de Almeida Prado. A parceria com Kana também é natural como água corrente...
Há outros, citei os nomes acima porque com eles tenho tido encontros mais frequentes. E escrevi tudo isso pra dar elementos que ilustrassem como me senti com o advento de uma nova parceria. Deu-se assim: andei indo pouco ao Caiubi nos últimos anos, daí que ali foi chegando uma nova leva de caiubistas que me era desconhecida. Assim, numa segunda-feira dessas, animei-me e lá fui matar as saudades. Havia pouca gente, mas o ambiente, como de costume, estava dos melhores. Em determinado momento, subiu ao palco um moço que me chamou a atenção. Cantou duas belas canções, uma delas em parceria com o mano Álvaro Cueva, que não perdeu tempo em fisgar o rapaz. Ah, seu nome: Augusto Teixeira. Sugestivo, não? No final da noite, troquei algumas palavras com o moço, e ele ficou de me mandar uma melodia. Mandou-ma. Ouvindo-a, seu "iaraiá" me sugeriu falar de Iara. Mas, como todo mundo já falou dela, resolvi inverter os papéis e fazer a nova versão da famosa sereia provar do próprio veneno. Ouçamo-la:
IARA E EU
Iara, sem dó, deu de enlouquecer
Em noite de lua cheia
Na hora da maré mais rara
Inventou de ser sereia
Corria em suas veias
Água do mar
Iara, ao se afogar,
Ria, ria, ria
Iara, sem ré, me esquecia
Como largava as sandálias
E, sem querer, virou poesia
Prima-irmã de Ismália
E, sem querer, virou poesia
Prima-irmã de Ismália
Iara era filha
De Iemanjá
Via no mar a ilha
E ia, ia, ia
Vi o luar
Se aluar
Brilhar lilás
No mar, ali
A refletir
Iara em paz
Como um Narciso se atirando, indo atrás
E o vi mergulhar
Saltar do céu
A noite virou breu
E tudo o que choveu
Caiu do meu olhar
Num dia de alforria
Iara, por fim,
Despida de utopia
Fria, fria, fria,
Voltou pra mim
***
3) NO PEITO E NO PENSAMENTO
Segunda-feira passada fui à festa do Caiubi. Saí de lá feliz à beça por ver a casa lotada, rever amigos que andavam sumidos, fazer novos amigos e, sobretudo, deparar-me com a grata surpresa da presença de Pedro Moreno, que havia chegado da Espanha no dia anterior e apareceu por lá pra prestigiar – e cantar, claro. Daí, minha mente fez uma viagem no tempo e fui tentando puxar pela memória como nasceram nossas primeiras parcerias. Assim, cheguei à Di-versos, um grupo de bate-papo poético do qual ambos participávamos e que, infelizmente, perdeu-se no tempo. Acessei o velho e-mail que só existia pra isso e me (re)deparei com muita prosa boa que desaguou em muita poesia e em algumas parcerias. Foi este o caso de No Peito e no Pensamento.
Certa vez, a saudosa Lucia Helena Corrêa, que também fazia parte do grupo, trocou uma série de e-mails poéticos com Pedro; era poesia de lá, resposta poética de cá, uma coisa que fazia bem pros olhos e pra alma. Colo aqui um pedaço do que LHC lhe escreveu (acho que ela não se importaria): "Querido, acho que posso entender essa sua fase assim tão sentida... Não tem a ver com a distância do Brasil, da Bahia? A gente, quando fica longe da terra, sente saudade do umbigo. Tudo fica muito à flor da pele, em carne viva. A saída é essa mesma: refugiar-se na música e na poesia... na lembrança e certeza dos amigos. Quanto ao poema, é assim: eu o vi pouca vezes, mas, assim que o vi, somente o reconheci. Você é um irmão que eu só encontrei outro dia, um amigo muito querido. Tudo isso – o sentimento derramado e a nossa relação de afeto – explica a maneira como você traduz sentimentos que são meus... e de todos nós, meros mortais. Lembra da canção que fez para mim, falando da minha voz? Eu a ouço sempre... E também me emociono."
Foi assim, na condição de espectador privilegiado, que, de tanto me deparar com a inspiração em sua mais pura essência, resolvi traduzir um pouco daquilo tudo através de minha ótica. A supracitada canção nasceu daí, dessa (fonte de) inspiração. Não recordo bem se foi esta a primeira parceria com Pedro (acredito que não), mas, certamente, é uma das nossas de que mais gosto. Pra abusar da sinceridade, nem lembrava mais como havia nascido; foi só pesquisando que encontrei a lembrança perdida, motivo a mais pra eu trazer pra este espaço a canção e sua história. A data em que enviei o e-mail com a letra pra Di-versos foi 21/2/2009. Como o tempo passa! Lá se vão quatro anos! O resto, vocês já adivinham. Pedro musicou-a, e é justamente a canção que vamos ouvir (e ver) agora:
NO PEITO E NO PENSAMENTO
Pedro Moreno – Léo Nogueira
Sinto saudade do umbigo
Quando eu não estou comigo,
Chorando em língua estrangeira
Sinto saudade do afeto
Da segurança do teto,
Do chão e até da poeira
Mas quando eu volto pra casa
Sinto saudade das asas
Batendo livres ao vento
E lá vou eu, mundo afora
Porque meu lar em mim mora
No peito e no pensamento
Sinto saudade que passa
Sinto saudade que volta
E assim que a vida tem graça:
Deixando a saudade solta
***
Quando eu não estou comigo,
Chorando em língua estrangeira
Sinto saudade do afeto
Da segurança do teto,
Do chão e até da poeira
Mas quando eu volto pra casa
Sinto saudade das asas
Batendo livres ao vento
E lá vou eu, mundo afora
Porque meu lar em mim mora
No peito e no pensamento
Sinto saudade que passa
Sinto saudade que volta
E assim que a vida tem graça:
Deixando a saudade solta
***
Agora, adivinha se tenho ou não orgulho de ter apresentado esses dois cabras, um ao outro? Iara é linda! Parabéns, parceiros queridos que a vida fez cruzarem meus caminhos! Abs;
ResponderExcluirValeu, mano Cueva! Tamo junto!
ExcluirAbração,
Léo.