segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Palavra É: 10) Férias

"... e pegar o sol com a mão"
Um homem precisa viajar. Nem que seja pra, na volta, ver com novo olhar o que sempre chamou de lar. Um homem precisa de férias pra renovar o sangue das artérias e buscar nova matéria-prima pras rimas de sua vida. Quem duvida, viaje. Quando um homem age, o universo conspira a favor, e outras melodias nascem na lira de seus dias de sonhador. Viajar é carimbar o passaporte da existência. É adquirir experiência... e sorte! De norte a sul, de leste a oeste. Quem viaja veste de azul celeste a nudez cinza e ranzinza dos inúteis dias úteis. Afinal, o que é dia útil, cara-pálida? Uma vida ávida por carga horária fútil e, dentro dela, um camarada afoito pra entrar numa cela das 8 às 18?

Aliás, sou contra férias anuais. Eu quero é mais! No mínimo, trimestrais. Ah, vá morrer no Brás! Trabalhar uma vida inteira pra enriquecer terceiros e terminar sem eira nem beira? É isso ser brasileiro? Não poder pagar o plano de saúde e não ter quem ajude? Terminar os dias mal num corredor de hospital, gemendo de dor e sem ter nem sequer um leito pra morrer ao menos com respeito? Transformando "ai" em mantra? Sou contra. E acho que quem é a favor é pilantra. Só encontra razão quem já a tem; os demais, não? Até quando vamos viver no país do "você sabe com quem está falando"? Ando já pra lá de cansado desse papo meio arroto de sapo gordo. Qualquer hora eu mordo... ou dou sopapo! Menos Cunha e mais Catalunha!

Férias, isso sim é vida. Deixar esquecidos o despertador e a dor de uma vida dura, comezinha e vizinha da loucura. Ah, criatura! Mais luxúria e menos lamúria! Fica aí esperando a vida eterna, qualquer hora quebra uma perna ou, pior, o pescoço... Aí, babau; é osso! Em vez de hospital, o famoso (e derradeiro) Hotel Sete Palmos (gerenciado pelo tinhoso – em seu terreiro!), também conhecido como cidade dos pés juntos, pro defunto que, calmo em vida, pagou o jazigo. E mais não digo e aqui me calo, pois diz o ditado que quem fala demais dá bom-dia a cavalo ou é encontrado amarrado, com a boca cheia de formigas e o corpo coberto de urtigas, tão certo como o simples parece complexo pra quem não se liga. Melhor vender sexo do que comprar intriga.

Deviam pulular manifestações era a favor de menos carga horária não só pros patrões, mas também pra classe proletária. Quem disse que um nasceu pra otário enquanto o outro manda no calendário? O dia tem 24 horas e o camarada tem que passar mais de um terço dele fora ganhando salário pra pagar imposto? Ó, desgosto! Se eu encontro o salafrário que inventou essa lei, nem sei o que faço... Dou-lhe uma no beiço e outra no baço. Corra, não! É pilhéria! Vim aqui só tratar de férias. E, de preferência, várias. Que a paciência já tá com urticária. Troco uma crise por duas férias. Caso vossa excelência me autorize, não tem miséria, vou pra Canoa Quebrada andar de buggy, que a vida só vale a estada praquele que vez em quando se desplugue.

Nas férias a gente aprende, se surpreende, elas são uma grande escola. Quando a esmola é demais, a gente pede mais. A vida não é só feijão, a gente quer camarão, caviar, a gente quer se esbaldar, quer um malbec argentino, menos breque em nosso destino estrada afora. E com menos pedágio, oras! Por uma vida mais ágil, vento no rosto... Pelo direito a menos desgosto, que já há tanta desgraça pela vida; e a massa, reprimida, oprimida, comprimida... "abraça"! Mais arruaça e menos arreio, menos aperreio, menos freio. Feio é passar a vida na vontade, é liberdade vigiada. Ah, cumpádi... Se é vigiada, não é liberdade. Se tem um camarada ali na frente que me interdita... Oxente! Xô, troglodita!

O negócio é mais ócio, é menos feriado e mais férias! Pra sair de braço dado com as Quitérias, as Valérias, pra fazer valer seu card. Que, se a vida em mim arde, eu quero mais é pegar fogo, virar o jogo, ficar de fogo depois apagar rolando na neve. Quem mais me deve é quem mais me cobra! Grana não tenho, mas gana tenho de sobra, pra ir por mar, por ar ou por terra. Quem me encerra me enterra, e eu ainda sou moço pra morar no fundo do poço. E, enquanto posso, rezo um pai-nosso, digo adeus aos meus que vivem no Jabaquara e vou ali mostrar a cara em Jericoacoara, contar ideia de jerico, pagar mico nas ondas, mas sem medo, que a terra é redonda (e eu não morro tão cedo), então onde eu cair é chão, onde escorregar, deslizo. O importante é não saber onde piso!

Mas, além das férias, tem as artérias, as bactérias, a cúria, a deletéria, a etérea, a funérea, a galdéria, a história, a Ibéria, a Januária (na janela), a luminária, a matéria, a notória, a operária, a pilhéria, a Quitéria, a Rogéria, a Sibéria, a trajetória, a urticária, a venérea, o Xangri-lá e o Zaire... Pra não falar em Buenos Aires e recomeçar a viagem, pois nova rima enche o peito de autoestima pra comprar mais uma passagem. Afinal, o que importa da viagem é a miragem, é estar à margem do tédio, pois quem vê prédio não vê as estrelas, e o bom da vida é vê-las. Ser turista é como ser um artista do mundo, ir fundo, ir longe, ser um monge enclausurado... mas no globo todo, ir a rodo; ser o lobo do love, só sabe quem se comove. Tirar férias é tirar a prova dos nove!


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Dedicado a Amyr Klink, que escreveu esta belezura:

"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."

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PS1: Escolhi a palavra novamente, por motivos óbvios.

PS2: Trilha sonora – Luiz Gonzaga, A Vida do Viajante (Luiz Gonzaga – Hervê Cordovil)


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6 comentários:

  1. Oi Léo... como vai você?
    Hace mucho q no venía por estos lares.
    Espero que todo va bem pra você....

    Curti muito seu texto...
    Me encantaron las rimas y el contenido.

    Cuando leía me acordaba de un libro que leí hace ya varios años: "El viaje imposible" de Marc Augé.

    Saludos

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    1. Hola, Javier! Cuánto tiempo... Qué andas haciendo? Muy bueno recibir tu visita. Voy a buscar ese libro de que hablaste, me gustó el título.

      Abrazos,
      Léo.

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  2. amigo!! que ganas de viajar!! creo que ya soy adicta!!
    Vengan para Buenos Aires que hay mucho Malbec!

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    1. Hola, Marce!

      Interesante, pasé por aquí y me deparé justo con comentarios de dos amigos extranjeros y viajeros. Qué buena señal!

      Me extraña Buenos Aires... A ver qué hago para resolver ese problema...

      Besos,
      Léo.

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  3. Mas não transformo ai em mantra nem que a vaca "avoe"! Aliás, até a vaca sabe o que é bom, sair avoando por aí.

    Beijos

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