quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Crônicas Classificadas: 40) "Como suportar jabs...", de Vlado Lima, por Xico Sá

Imagino Vlado com seus 12 anos, trancado no banheiro, sentado no trono em cena mezzo Shakespearemezzo Nelson Rodrigues, com uma Playboy na mão direita, um livro (não sei se de Fante ou Bukowski — se bem que, nessa idade, o mais provável é que fosse um gibi fuleiro) na esquerda, uma bola de capotão banguela embaixo do Kichute de bico aberto, e pensando no tal do "ser ou não ser". Eis a questão! Queria ser um mano (ainda que Brown), um intelectual, um centro-avante? Duas horas mais tarde, após inúmeras pancadas na porta desferidas por su madre, sairia ele, ainda mais indeciso do que entrara, deixando na privada o resultado de duas punhetas e trazendo dentro da cueca, em contrapartida, um projeto de poema escrito (a lápis) num papel higiênico... usado.

Com o tempo, a pelota saiu pela lateral... e não voltou; a coleção de Playboy (com as páginas quase todas grudadas), sua mãe lhe aproveitou uma desatenção e deu de presente ao lixeiro como caixinha de Natal; em compensação, ele comprou uns discos e uns livros; contou com a colaboração de umas "primas" pra iniciar suas pedaladas horizontais; e, ainda por cima, ninguém sabe bem ao certo como (tudo são lendas), apareceu no meio do caminho um velho violão, que ele inventou de tocar, mesmo sem saber  — de lá pra cá, não aprendeu nada, mas continua inventando de tocar. Dizem as más línguas que até foi despedido de um puteiro onde fazia um som porque "tocava" demais...

Hoje, após muitos verões, de tanto pu(nh)etar, a poesia por fim esporrou nele, indelevelmente pelo que parece. Eu sei, eu sei, a vida não é uma ciência exata; mas, se ele resolveu, na adversidade, dedicar-se aos versos em vez de virar um perna de pau da pelota, ser figurante em filme pornô ou abrir uma boca de fumo, não chega a ser o fim do mundo; podia ter sido pior. Pelo menos, ele se encontra bem. Nos exames que resultaram do último checape constaram apenas uma inflamação mínima no fígaro e o surgimento de uma semicolcheia em forma de flor na porção terminal do tubo digestivo. No mais, tudo em ordem. Como dizia um compositor espanhol, Vlado tem uma má saúde de ferro. Assim, pelo andar da carriola, é de se esperar que este seu fodástico Como suportar jabs no baço e encarar nocautes seja o segundo de muitos. Vida longa, Vlado Lima! A poesia anárquica agradece.

PS: Fazia tempo que queria publicar aqui alguma crônica de Xico Sá, esse cabra arretado de quem sou admirador não só por sua mais fina pena (já tão incensada pelaí), mas também por sua postura ética e firme frente aos caga-regras da vida. E vinha também querendo escrever algo sobre esse petardo poético recém-lançado por Vlado. Daí, como de besta só tenho a cara e o jeito de andar, resolvi matar dois coelhos... retificando, prestar minha homenagem a esses dois manos alvissareiros concomitantemente por meio desta. No mais, já que o conterrâneo escreveu o que eu queria ter escrito sobre o Jabs..., paro minhas embaixadinhas e deixo a redonda com o embaixador.


O que escreveu Xico Sá:

Todo romântico é um trágico, portanto o trágico Vlado Lima, trovador de miocárdios, é uma overdose de romantismo com trilha de Billie Holiday cantando Lupicínio.

Todo trágico é muito romântico, uma crônica do amor louco, uma antologia de ressacas prefaciada pelo velho Buk. Esse Vlado Lima é uma peste. Capaz de relatar uma troca de presentes genialíssima, sob o olhar desconfiado de Jack Kerouac: “Eu dei pra ela o Pé na Estrada/ e ela me deu um pé na bunda”.

Amar é escolher o cemitério onde os velhos pombinhos, 50 anos de casados, irão arrulhar na eternidade. Aqui surge o trágico dos suburbanos corações rodrigueanos.

O acorde punk rock de Vlado Lima vem com Gabirus Love, o lirismo dos feios, sujos e malvados. “Pão sovado, prato fundo e sopa de letrinhas...” no abrigo dos sem-porra-nenhuma.

Se a vida dói, drinque caubói! Que livraço fuderoso, Vlado Lima. Um brinde, meu velho, no mais ermo cabaré do fim do mundo.

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Adquira o Como suportar jabs... aqui.

Acompanhe o blogue de Xico aqui.

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E, pra terminar, um poema do novo livro de Vlado:

CONSELHO DE MÃE

o buraco do mundo é fundo!
disse minha mãe no dia em que eu saí de casa
costurou um beijo quente em minha testa
me deu um abraço Kraken
7 cuecas novas
4 conselhos
e uma certeza
: não roube
não mate
respeite os mais velhos
e cuidado com puta
viado
preto
ateu
maconheiro
e comunista
(...)
essa gente não presta!

anos depois
no dia das minhas 26 luas
(com a casa cheia de amigos
cheiros
risadas
carnavais
e cores de Lautrec)
a velha me ligou pra dar os parabéns
alô, mãe! eu gritei
(entre os agudos & graves de um Led Zeppelin no talo)
lembra daquela galera que a senhora falou pra eu tomar cuidado?
tá toda aqui em casa!

***
me, Vlado & jabs
***

2 comentários:

  1. Porra, Léo... Assim vc me machuuuuca... Fodástico teu texto, como sempre... Quanto a Playboy, chamo a revista de MINHAS MULHERES DE PAPEL... Mas hoje são páginas viradas... RARARÁ... Valeu maninho...

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    1. Hahaha! Viradas e grudadas, né, Vladón?

      Parabéns por mais essa obra-prima, brou!

      Abraçaço,
      Léo.

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