Sam Peckinpah foi um diretor estadunidense que nos presenteou com um punhado de clássicos do cinema (Sob o Domínio do Medo, Os Implacáveis, Meu Ódio Será Sua Herança, Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia etc.). Por isso, quando, há alguns anos, fui ver Pat Garrett & Billy the Kid, minhas expectativas não eram das menores. Após o "the end", até que não achei o filme ruim, só que percebi que ele estava bem abaixo tanto da média dos faroestes (incluam-se os italianos spaghetti western) quanto da média do próprio Peckinpah. Fiquei encafifado e pensei: "Será que o problema foi minha grande expectativa?" Só que depois pesquisei a respeito e descobri que não estava só em minha decepção. Li que as exigências dos produtores acabaram prejudicando o resultado final, o que refletiu num público abaixo do esperado.
Como disse, o filme até que não era ruim. O talento de Peckinpah fez o que pôde, mas, em minha opinião, o que salvou mesmo esse faroeste do fiasco total foi um presente que o diretor ganhou: ele queria outro ator pra fazer o papel de Billy the Kid, mas quem o acabou interpretando foi o ator/cantor (não exatamente nessa ordem) Kris Kristofferson, que trouxe consigo alguns de seus chegados, entre eles ninguém menos que Bob Dylan, que, além de ter feito uma participação pequena – mas cativante – como ator, foi responsável pela trilha sonora do filme. Repito, o filme não era ruim, mas, se não fosse a trilha de Dylan, certamente teria perdido pelo menos umas duas estrelas em minha avaliação. Porque achei o filme fraco, mas sua trilha é digna dos clássicos. Não à toa, foi pra essa trilha que ele compôs Knockin' on Heaven's Door, um de seus maiores hits.
Dylan sempre esteve entre meus cantautores "não brasileiros" preferidos. Acompanho-o (ainda que a certa distância) desde a juventude (a minha, frise-se). Ainda adolescente, perdia horas traduzindo suas canções (pela deficiência no inglês, que ainda hoje carrego). Pouco tempo depois, "descobri" o Brasil e perdi de vista meus velhos ídolos de língua inglesa. Vez em quando, ainda ouvia uma ou outra novidade, mas a quantidade de gente boa fazendo um som da mais alta qualidade (e pertinho de mim) era tanta, que levei anos (diria décadas) pra estar ao corrente de ao menos um pouco do que produzia/produz esse povo todo. E virei um ouvinte deslumbrado, ufanista, daqueles que acham que só no Brasil há música boa. Foi aí que veio me salvar a língua espanhola...
Sim, depois que estudei espanhol e entrei em contato com essa "nova" cultura até então sempre desprezada (por mim, em particular; pelos brasileiros, em geral), percebi que o buraco é mais embaixo e que todo radicalismo é tolo e restritivo. Assim, depois de me fartar de música (com direito a altas doses generosas de Mercedes Sosa, Joaquín Sabina, Charly García, Fito Páez, Jorge Drexler, Andrés Calamaro, León Gieco, Pedro Guerra & cia.), cinema e literatura em espanhol, voltei às boas finalmente com a canção em inglês. Notem: foi só há bem pouco tempo que descobri outro cantautor genial: o velho e bom Leonard Cohen, vinho de excelente e rara safra! Ah, antes de tudo isso, lá nos primórdios, houve também um flerte com a música italiana. Lucio Dalla, por exemplo, sempre fará parte de minha discografia afetiva.
Voltando a Dylan: foi aí que então assisti a Não Estou Lá, um filme tão interessante quanto esquisito inspirado nas andanças do bardo judeu de Minnesota, no qual vários atores fazem o papel deste em diferentes fases de sua vida. E eis que eu, que não estava lá – aliás, não estava nem aí –, dei a mão à palmatória e fiz as pazes com o cara que segue soprando no vento. Uma canção em particular (e que eu não conhecia) me arrebatou no filme: One More Cup of Coffee, cuja linda e longa introdução tocou em determinada cena com Richard Gere e, confesso, me obrigou a repeti-la uma infinidade de vezes. Daí, fui obrigado a fazer uma versão dela, que meu camarada (o nunca suficientemente incensado) Sander Mecca tem cantado "pelaí".
Outras versões vieram, mas já passou da hora de explicar por que resolvi escrever justamente sobre esse disco, que é semi-instrumental, visto que fiquei fã de Dylan por suas letras. Foi assim: estava eu até há pouco trabalhando numa empresa que fica a cinco minutos de casa, acomodado, quase querendo me aposentar ali, apesar de o salário não ser lá aquelas coisas, quando fui gentilmente convidado a, digamos, devolver o crachá. Então, veio a fase "meu mundo caiu", depois veio a fase "foda-se", em seguida veio a fase atual, na qual voltei a ralar pra pôr em minha mesa o sa(n)grado pão de cada dia e blá-blá-blá. Pois bem, nesta fase atual, em meu longo tempo gasto em metrôs ou em caminhadas, dei pra ouvir diariamente – religiosamente – justo esse bendito disco.
Ele tem exercido em mim uma função tão relaxante quanto dizem que exerce em adultos o ato de pintar livros (sou do tempo em que livros eram pra ser lidos...). Aliás, minto, relaxante não é exatamente a palavra que procuro. Acho que a palavra certa é "viajante", assim mesmo, entre aspas, pois ouvi-lo, por exemplo, no metrô lotado (guardei-o em meu iPod), me deixa quase em transe, viajandão, como se estivesse sob o efeito de psicotrópicos, indo pra, sei lá, São Tomé das Letras e não indo fazer um frila logo ali. É por essas e outras que a música nunca acabará. Claro, está em constante mudança com o passar dos séculos, mas na vida de cada um de nós sempre há determinado disco (ou determinada canção) se fazendo de trilha sonora dos piores (ou melhores) momentos. Prova disso sou eu, em pleno 2015, enfeitiçado por um disco de 1973.
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Pra fechar, compartilho com vocês versão libérrima que fiz pra esse punhado de canções que Dylan batizou de Billy:
FORA DA LEI (BILLY)
Bob Dylan/versão: Léo Nogueira
Cara, eles têm você na mira
Apaga a fogueira, cala a lira
Ser tão livre assim provoca ira
Cara, eles não gostam de você
Cara, o lance é o que você pensa
Isso em sua mente é quase ofensa
Não é só questão de recompensa
Eles te perseguem por prazer
Cara, essa garota é tão bonita,
Mas a escuridão que nela habita
É de uma solidão infinita
Lá, você não vai chamar de lar
Cara, quem atravessa o deserto
Tem que dormir com um olho aberto
O precipício pode estar por perto
E sempre ter alguém pra te empurrar
Cara, os caras que não têm coragem
Na calada da noite é que agem
Liberdade é libertinagem
Por isso você é um fora da lei
Cara, você é inteligente
Podia fazer como toda gente
Pra que foi querer ser diferente?
Onde isso vai dar é que eu não sei
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Pat Garrett & Billy the Kid – Bob Dylan (1973 – Columbia Records)
Lado A
1. Main Title Theme (Billy)
2. Cantina Theme (Workin' for the Law)
3. Billy 1
4. Bunkhouse Theme
5. River Theme
Lado B
1. Turkey Chase
2. Knockin' on Heaven's Door
3. Final Theme
4. Billy 4
5. Billy 7
(Todas as canções são de autoria de Bob Dylan)
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Ouça o disco na íntegra aqui:
Encontrei um link pra quem quiser ver o filme, mas está com legendas em espanhol. Ei-lo aqui (ah, há que se cadastrar antes...).
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Excelente texto. Há discos assim. E esse é, sem dúvida, um discaço!
ResponderExcluirValeu, Alan!
ExcluirAbração,
Léo.