1) ANACORETA BLUE
Ano passado, o bróder Sander Mecca me apresentou a um músico feraça chamado Márcio Guimarães e me disse que, como este se tratava de um "monstro", acreditava que nós nos iríamos dar bem (cri, naquele momento, que ele me chamava também, de tabela, de "monstro". rsrs – putz, usei um "rsrs" num texto! Phodeu!). Fiquei com o nome do do sujeito na memória, pois, quando algum amigo faz esse tipo de apresentação, costuma dar samba. Já me havia ocorrido o mesmo tempos antes quando outro chegado, o também parceiro Daniel Ramos, numa feliz madrugada, me apresentou ao próprio Sander.
O tempo passou e nada de o gajo dar sinal de vida, até que, por falar em vida, um dia depois de David Bowie abandonar a sua, eis que recebo um e-mail do "monstro" com uma melodia (sem trocadilhos) mor-tal. Não me falou nada sobre o tema, mas, como o título que ele escolheu pro tópico que me chegou era "Astronauta Zen" e no corpo do e-mail escreveu "Bem, o dia é segunda, faz frio em janeiro, Bowie zarpou, tudo estranho... quem sabe nasce um flor no asfalto...", vi que o tema da canção, nas entrelinhas (pra bom entendedor...), devia ser o próprio Bowie. Assim, pus mãos à obra e tasquei na melodia dele essa novíssima Anacoreta Blue. De lá pra cá, fizemos mais duas, mas, por ora, fiquemos com esta, que é uma espécie de homenagem a Bowie e, por extensão, a todos esses astronautas malucos que nos formaram musicalmente:
É que o astronauta zen
Tem o céu por ribalta
Por mosteiro, o além
Também, na falta de oração,
Adora tocar flauta
Noutra constelação
Ouvi que um tempo esteve aqui
Por temporada breve
Mas resolveu partir
Após 69 verões
E agora quando chove
Comovem, as canções
Montado numa estrela
O alado trovador
Do rock'n'roll
Espalha amor
Seu som se propagou no vácuo
Lá vai ser interestelar
Deixar no pó seu rastro
De astro e de star
Banzai, anacoreta blue!
Na cauda de um cometa
Mirando a terra azul
Caiu no abraço do abissal
Regaço do infinito
Brincar em seu quintal
Que tal o salto no vazio?
Ser um meteorito
No espaço sideral?
Foi logo ali
Pra descobrir qualé que é
A do lado de lá
Foi de rolê
Lá onde as mágoas vão rolar
Na via láctea a pé
Bem pra lá do mistério
E do monastério
O astronauta zen
O astronauta vai
Bye-bye, sayonara
E não vai voltar
Ser interestelar
Deixar no pó seu rastro
De astro e de star
Banzai, anacoreta blue!
Na cauda de um cometa
Mirando a terra azul
Goodbye
***
2) MÁSCARA DE CERA
Faz um tempão que não trombo um parceiro querido chamado Lalo Guanaes, que tem lindas melodias e uma baita voz aveludada de locutor de rádio (uma de minhas preferidas é parceria com ele, Garrafas ao Mar – ouça aqui). Só que dia desses ele postou no face esta parceria nossa, que é bonita pra caramba!, e da qual, pra ser sincero, nem lembrava mais, visto que é antigona. Pois bem, fiquei lá ouvindo-a e resolvi trazê-la pra cá. A história dela é simples: Lalo me mandou a melodia com o mote – que também era título: Cigano Coração/Gitano Corazón. Como ela tem um quê de flamenco, ele queria que eu fizesse uma letra que abordasse esse tema e fizesse também alguma parte em espanhol. O resultado é este que ora vocês ouvirão (troquei o título, como verão):
MÁSCARA DE CERA
Lalo Guanaes – Léo Nogueira
Ponho os óculos escuros
Porque hoje é lua cheia
Vou saltar meus próprios muros
Ouço o canto da sereia
Tenho a lâmina dos erros
Na garganta, atravessada
O amanhã, com mão de ferro,
Me tirando da jogada
Um sorriso amanhecido
Mera máscara de cera
Tropeço, passo ao largo e vou sem eira
Nem beira
E sigo assim
Sem ter direção
Troquei seu corpo, que já não estava em mim,
Por um cigano coração
Sobre os ossos, resta a pele
Sobre a pele, um sobretudo
Sobretudo, resta aquele
Que espalhou seus restos, mudo
Até cair em si
Afinal, pior que a queda,
É ser bola na caçapa,
O outro lado da moeda,
Ter que dar a cara a tapa
Até cair em si
Tropeço, passo, mas não tô vencido…
Decido
Y sigo así
Sin una dirección
Cambié tu cuerpo, que ya no estaba en mí,
Por un gitano corazón
***
Porque hoje é lua cheia
Vou saltar meus próprios muros
Ouço o canto da sereia
Tenho a lâmina dos erros
Na garganta, atravessada
O amanhã, com mão de ferro,
Me tirando da jogada
Um sorriso amanhecido
Mera máscara de cera
Tropeço, passo ao largo e vou sem eira
Nem beira
E sigo assim
Sem ter direção
Troquei seu corpo, que já não estava em mim,
Por um cigano coração
Sobre os ossos, resta a pele
Sobre a pele, um sobretudo
Sobretudo, resta aquele
Que espalhou seus restos, mudo
Até cair em si
Afinal, pior que a queda,
É ser bola na caçapa,
O outro lado da moeda,
Ter que dar a cara a tapa
Até cair em si
Tropeço, passo, mas não tô vencido…
Decido
Y sigo así
Sin una dirección
Cambié tu cuerpo, que ya no estaba en mí,
Por un gitano corazón
***
3) REFÉM DA FANTASIA
Eu e outro Marcio, o Policastro, temos meio que um acordo tácito à la Roberto & Erasmo. Como gostamos de prosear, tomar outras e umas e compor, muitas vezes compartimos canções que não necessariamente precisariam da intervenção do outro pra vir ao mundo. Claro que é uma meia verdade, pois da minha parte necessito mais que ele, por motivos óbvios: Poli pode fazer uma canção sozinho, tocá-la e cantá-la; já em meu caso, mesmo que tenha uma ideia melódica e lhe faça uma letra, sempre vai faltar o arremate e, quando estiver pronta, quem toque e cante.
Mas, voltando, por causa dessa cumplicidade, demos à luz várias canções que saíram com ambas assinaturas muitas das quais um fez bem mais que o outro. Antes, é preciso esclarecer que fazer uma canção é uma atividade muito diferente das comerciais (pelo menos em se tratando de música não comercial), envolve muitos aspectos subjetivos; às vezes, uma intervenção aparentemente pequena pode enriquecer muito uma canção. Um exemplo é Vai Passar, de Chico Buarque e Francis Hime. Li que Chico já tinha esse samba quase pronto, mas não conseguia finalizá-lo; um dia, recebeu Francis em sua casa, mostrou-lhe o que fizera o visitante rapidamente lhe deu um desfecho e ajudou a transformá-la nessa obra-prima que é hoje.
Da mesma forma, dadas as devidas distâncias, foi o que ocorreu com esta nossa Refém da Fantasia. Quando Poli ma mostrou, ela já tinha melodia e grande parte da letra. Faltavam, contudo, alguns versos, e outros careciam de certa lapidação. Como dizem, duas cabeças pensam melhor que uma, e eu, de cabeça fresca, sem ter ficado horas e horas debruçado sobre ela, fui dando sugestões certeiras, um arremate aqui, outro acolá, até que conseguimos chegar a um resultado que nos agradou bastante. Sem falar que é uma canção que possui uma forte dose de ironia que se aplica perfeitamente a esses nossos dias de certezas absolutas e crenças cegas tanto à esquerda quanto à direita. E, além disso, conta com uma frase que dura cinco versos – pra fundir a cuca dos preguiçosos. Vejam se descobrem qual é:
Mas, voltando, por causa dessa cumplicidade, demos à luz várias canções que saíram com ambas assinaturas muitas das quais um fez bem mais que o outro. Antes, é preciso esclarecer que fazer uma canção é uma atividade muito diferente das comerciais (pelo menos em se tratando de música não comercial), envolve muitos aspectos subjetivos; às vezes, uma intervenção aparentemente pequena pode enriquecer muito uma canção. Um exemplo é Vai Passar, de Chico Buarque e Francis Hime. Li que Chico já tinha esse samba quase pronto, mas não conseguia finalizá-lo; um dia, recebeu Francis em sua casa, mostrou-lhe o que fizera o visitante rapidamente lhe deu um desfecho e ajudou a transformá-la nessa obra-prima que é hoje.
Da mesma forma, dadas as devidas distâncias, foi o que ocorreu com esta nossa Refém da Fantasia. Quando Poli ma mostrou, ela já tinha melodia e grande parte da letra. Faltavam, contudo, alguns versos, e outros careciam de certa lapidação. Como dizem, duas cabeças pensam melhor que uma, e eu, de cabeça fresca, sem ter ficado horas e horas debruçado sobre ela, fui dando sugestões certeiras, um arremate aqui, outro acolá, até que conseguimos chegar a um resultado que nos agradou bastante. Sem falar que é uma canção que possui uma forte dose de ironia que se aplica perfeitamente a esses nossos dias de certezas absolutas e crenças cegas tanto à esquerda quanto à direita. E, além disso, conta com uma frase que dura cinco versos – pra fundir a cuca dos preguiçosos. Vejam se descobrem qual é:
Na ampulheta dessa espera
Tava entrando areia, creia
Porque o real e a quimera
Não repartem uma ceia, nem meia
Eu apostei numa esperança
Tola e desesperada
Abracadabra
Não há mudanças em um jogo
Que é de cartas marcadas
Macabras
Mas fica fria
Que a alforria é filha de um refém
Da fantasia de que um dia fique tudo bem
E alguma rima nos redima amanhã
Amém
Eu quis ser triste, rancor em riste
Mas o palhaço diz:
Riso aponta pra ponta do nariz
***
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