quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Trinca de Copas: 38) Dose dupla de Adolar Marin + Kana (e Marcio Policastro)


1) CRIAÇÃO

Já contei esta história antes (aqui), mas agora, animado pelo vídeo que a turma do Peixe Barrigudo fez dela, e também porque ela será uma das que farão parte do novo trabalho de Adolar Marin (só com parcerias nossas), volto a tratar do tema: em certa ocasião, fui tomado por um desejo muito grande de compor, mas, quando olhava pra folha em branco, nada vinha. Atualmente, costumo compor no computador, mas vez em quando ainda exercito o ato de escrever em papel. E, confesso, a folha em branco é um desafio pra qualquer compositor (ou escritor). Mas voltemos a esse dia. De repente, escrevi na famigerada folha "Do nada também se cria". Daí pra diante, a caneta praticamente se moveu sozinha e a letra se autoescreveu. Enviei o resultado a Adolar, e ele me devolveu uma belíssima canção, que batizamos de, obviamente, Criação. Vejamos sua interpretação neste precioso vídeo:

CRIAÇÃO

Do nada também se cria
Nosso Senhor que o diga
Se até em barriga vazia
Nasce lombriga

Se até no chão da caatinga
Um mandacaru se atreve
Do corpo que dança sai ginga,
Do céu cai neve

Do ventre da mãe sai filho
Que cresce e vira pai
Do mesmo olhar que tem brilho
Lágrima cai

Então, creia no que se cria, no que se cria,
Creia na criação

Da explosão de um segundo,
A Terra em flor se abriu
E o mar que banha esse mundo
Ontem foi rio

Do nada também se cria
E sempre tem lugar pra pôr
Em meu peito nada cabia
E hoje é moradia do amor

***



2) KABUKI

Há alguns anos, eu e Kana tivemos a interessante experiência de passar duas semanas em Cuba. Escrevi até uma espécie de diário (leia aqui). E, claro, uma das coisas que mais me impressionaram foi a musicalidade desse povo que tanto se parece com o nosso. Outra coisa que me chamou a atenção foi que os cubanos evitam ao máximo falar de política. Um deles até me deu uma charmosa resposta, que roubo de meu diário pra resumir (não confundir com reduzir) o pensamento de um cubano (humano?). Disse-me ele: “Homem, pra que falar de política? A política é o mal da humanidade, que gera as guerras e a miséria. Pra mim só há uma certeza: vamos morrer. Então, nada mais me importa além de comer, beber, dançar, fazer sexo e dormir.” Sugestiva filosofia de vida, não?


Mas calhou que, de tanto ouvir música cubana, acabei compondo uma interessante melodia que, meio na brincadeira, passava o dia cantarolando. Tempos depois, já de volta a Sampa City, vez em quando me lembrava dela e tornava a cantarolá-la. De tanto ouvir, Kana se apossou dela e concluiu-a, tornando-se esta nossa primeira parceria de melodia. O problema foi que, como tinha a letra original na cabeça (que era meio uma brincadeira sem pé nem cabeça), não conseguia ter uma nova ideia pra ela. A verdade é que demorei anos pra resolver o problema; houve muitas tentativas e com vários parceiros, mas nada resultava que nos agradasse. Até que a enviei a Marcio Policastro, que teve uma bela ideia, que acabamos finalizando a quatro mãos. Demos-lhe o nome de Kabuki, e esta também ganhou um vídeo de Kana gravado no Japão, da mesma safra da Né?, sobre a qual já mostrei aqui. Vamos ao novo vídeo:


KABUKI

Quando vejo esse encosto
Não me canso de perguntar
Se é Barrabás ou Cristo
Se a cruz é o seu lugar

Umas vezes, divino
Outras, filho de satanás
Empatou meu destino
Quê que eu faço co'esse rapaz?

Ai, que amor!
My hell and my heaven
Ai, Senhor!
Nem no éden eu tenho paz

Quanto mais o venero
Mais quero que se exploda
Ele é minha salsa, meu bolero
Da fortuna, minha roda
(É) meu jogo de azar

Somos eu e meu comparsa
Num kabuki
Canastrões em uma farsa
Até o pano cair

***


3) PEQUENAS ETERNIDADES

Recebi, faz alguns anos, um e-mail de meu parceiro Fernando Cavallieri no qual ele relatava uma grande tristeza. Havia chegado de um cemitério fazia pouco tempo. Fora ao enterro de um rapaz de 20 e poucos anos, filho de um amigo. Disse-me ele que o choro convulsivo desses pais ficara fixado em sua mente como uma das cenas mais tristes que já presenciara na vida. Acrescentou ainda que naquele dia o mundo acabou foi pros pais, que ficaram, e quis escrever uma letra tratando do tema, mas a dor era tanta que não conseguiu. Então me pediu que, sem compromisso, pensasse em algo a respeito. Fiquei com essa frase na cabeça em que ele disse que o mundo tinha acabado era pra quem ficou, e foi justamente ela a mola propulsora desta letra. Quando a terminei, enviei-lha, mas ele, talvez pela comoção, nunca a musicou.


Conheço Cava (pros íntimos) de outros Carnavais. Sei que ele, quando é pra fazer, faz na hora. Assim, peguei a letra de volta e a mandei pra Adolar, que, ao contrário de Cava, tem o costume de compor a prazo. E o tempo passou e eu me esqueci completamente dela. Até que ano passado Adolar me convidou pra gravarmos um CD só com nossas parcerias, o que nos motivou a compor uma nova e bela safra de canções. Mas pro disco não queríamos nenhuma razoável (em nossa concepção, diga-se), então limamos muitas e percebemos que ainda faltavam canções; foi quando ele apelou pro baú, ou seja, pra pastinha de velhas letras do Léo... e encontrou a danada da esquecida letra, pra quem de cara tascou uma melodia mortal. O problema foi que, ao ouvir a canção, fiquei um tanto envergonhado da letra, que era de outros tempos, e precisei dar-lhe, digamos, uma recauchutada. Mas fiquei convencido de que o trabalho resultou bom. Tirem suas próprias conclusões, uma vez mais em vídeo do Peixe Barrigudo:


PEQUENAS ETERNIDADES

Não temo a morte, nem o inferno,
Ou o fim do mundo
O seu amor me faz eterno
Nele eu me fecundo

Não temo dor e nem doença,
Terremoto ou guerra
Eu ter você me recompensa
E o mal em si se encerra

Nunca me deixe, minha aurora, 
Luz no meu breu, água da bica
Quando alguém morre ou vai embora, 
O mundo acaba é pra quem fica

Não somos mais que pó de estrelas
E a vida é um instante
Mas com você ela é mais bela
E o que vem vai distante

***

PS1: Inscreva-se no canal do Peixe Barrigudo e saiba mais sobre o trabalho desses caras, que são feras (aqui).

PS2: Em tempo, pegando carona no vídeo de Kana, aproveito pra avisar que ela começa um novo projeto em Sampa, no Viana Grill, onde irá se apresentar esporadicamente com sua banda. As primeiras datas serão os sábados 21 e 28 de janeiro. No repertório, uma mescla de MPB, canções de sua autoria e sambas e marchinhas, já antecipando um pouco do que será um baile de Carnaval que fará em fevereiro. Ah, a entrada é grátis, e o palco estará aberto a canjas. Além do som, há também o charme da casa, que conta com um belo cardápio e preços módicos. Curta sua página e saiba mais (aqui).

***


4 comentários:

  1. A trinca aqui também, do barulho, tri legal pra mim, somos eu, Léo e Kana, já há uns quase 20 anos cantando, escrevendo, tocando, compondo, flertando, se flertando, trombando e se trombando. Divertido e prazeroso ver como a gente, mesmo falhando uns anos aqui, outros ali, continuamos nos encontrando, sorrindo e fazendo música. Ah, bebendo e comendo também, muito! Sempre!
    Fazendo "musicomemoração".
    A esse nosso trio musical aguerrido, meus beijos, sorrisos e abraços comemorativos aqui também.

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    1. Assino embaixo, Dodô! Só faltou acrescentar também o Poli, que participa desta publicação como parceiro na "Kabuki" e é também companheiro dessas arruaças musicomilantes. É nóis!

      Beijos bakanas nos barrocqueiros! rs

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  2. Sensacional, Léozíssimo!
    Tudo lindo!

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