Esquerda, Volver: 27) O stalinismo do "Messias"

Uma das coisas mais perigosas do mundo é delegar poder a um medíocre. Mais até que a um imbecil. Sim, porque em geral os imbecis são inofensivos; quando, porventura, conseguem algum destaque, acabam caindo sozinhos, vítimas de sua própria imbecilidade. Já no caso dos medíocres a coisa muda de figura, pois entre eles há aqueles que podem vir a ser bastante nocivos. Um medíocre com poder começa a acreditar que é especial, e, quando tem um pouco de lábia ou carisma, o que gera relativo poder de convencimento, aí fodeu. O cara se torna um arrogante, inclusive esquece que todo poder é limitado — e temporário —, e passa a agir como se fosse — pasmem! — um monarca. E daqueles bem mimados.

Antes de continuar, preciso me desculpar com os medíocres. Todo mundo, em certa instância, pode ser chamado de medíocre — fora os gênios —; afinal, ninguém é bom em tudo, não é verdade? — e, na fila da mediocridade, orgulhosamente me vejo entre os primeiros. Claro que há aqueles que conseguem ser bons em várias coisas ao passo que outros logram sê-lo em bem poucas, mas a verdade é que todo ser humano tem algum talento, nem que seja um talento pequeno ou inútil. Mas nada é verdadeiramente inútil quando se tem uma boa cabeça pros negócios, pois nesse caso o dono desse talento inútil pode vir a ganhar dinheiro — e, assim, respeito — com seu talento. O problema é quando esse medíocre, ao não descobrir seu talento — arvora-se em transitar por searas outras.

É este o caso de nosso atual excelentíssimo (?) senhor presidente da República Jair Messias Bolsonaro. E reparem que a coincidência de ter um "messias" no nome não é um fator de pouca relevância, pois pode tê-lo levado a pensar desde jovem que, sim, era um messias. Até porque, convenhamos, ele tem realmente um comportamento um tanto messiânico. Em seu modo de se dirigir às massas e na maneira como movimenta os braços há muito de messianismo — e nazismo. E quando digo "realmente" não estou meramente usando o advérbio como muleta estilística; pelo contrário, estou atentando ao fato de que nosso Jair, além de estar se achando — e aqui no sentido também coloquial — um messias, comporta-se também como se rei fosse.

Donde o "realmente" ganha caráter de realeza. E tanto é verdade isso que os únicos intocáveis de seu governo são justamente... os filhos. Que, aliás, numa democracia séria nem fariam parte dele. Nem mesmo Lula, que é tão criticado pela direita classicista, caiu nessa armadilha. Já nosso Jairzinho, medíocre que é — e medroso, pois todo medíocre é medroso —, só tem confiança nos laços sanguíneos. Afinal, uma esposa pode se tornar ex-esposa, e até um grande amigo pode da noite pro dia vir a se transformar, se não em inimigo, ao menos em desafeto. Os únicos imutáveis nessa inconstância toda são aqueles "eleitos" em cujas veias corre o sangue real, azul, o messiânico sangue bolsonarista. Os filhos, pois.

É chegado o momento de justificar o "stalinismo" do título. Stalin, todos sabemos, era um medíocre que chegou ao poder puxando o tapete de seu maior rival, Trotski. Porém, seu medo — que é o substantivo que pro medíocre é sinônimo de respeito — não o deixou dormir tranquilo por anos a fio enquanto não conseguiu acabar — literalmente — com a vida de seu desafeto. Não bastava tê-lo exilado e ameaçado os países que porventura o viessem a ajudar; tinha que destruí-lo. Pois só ele sabia o quanto suava frio em suas noites de insônia temendo que lá fora, em algum lugar do globo, Trotski pudesse estar tramando algo pra derrubá-lo. Assim, dominado por esse medo, o único sonífero eficaz nessa situação era a cabeça de Trotski numa bandeja (já escrevi mais sobre o assunto aqui).

Mas não foi suficiente. Pra um medíocre, todas as pessoas de seu entorno podem vir a ser um novo Trotski. A saída, nesse caso, é eliminar a concorrência; o método utilizado não importa. Quando um medíocre está no poder, alguém brilhar mais que ele é um crime. E todo crime merece punição. Stalin inventava-os, levava ao cárcere seus — inocentes — desafetos e os liquidava, fosse com a pena de morte, a prisão perpétua ou o exílio; já a Jairzinho, coitado — nosso pobre projeto de monarca —, como governa uma democracia — pelo menos por enquanto —, não lhe resta outra alternativa que não seja "usar sua caneta" como se fosse uma espada e com ela "decepar" de seu entorno esses tantos pequenos Trotskis que começaram a se comportar como "estrelas".

Bebianno, coitado, morreu de desgosto; Joice Hasselmann pegou o boné e se mandou, assim como nossa "coronada" — não confundir com "coroada" — Janaína Paschoal; e lá se foi também o ex-ator pornô Alexandre Frota; o ex-ministro da saúde Mandetta foi outra vítima da caneta (pra rimar); os governadores Wilson Witzel e João Doria, depois de ganharem as eleições colados no messias, mudaram de doutrina; até o roqueiro Lobão (quem diria?) tirou a alcateia de campo; por falar em lobo, o deputado Luciano Bivar também passou a uivar (contra); também marcharam pra longe generais, coronéis e outros cabos/peões desse jogo de xadrez que mais parece um dominó viciado; sem falar que o próprio PSL, partido pelo qual o isolado Jair — "às vezes, no silêncio da noite..." — chegou ao poder e que tem hoje a segunda maior bancada do congresso, já foi descartado pelo "lobo (louco?) solitário". Dizem as más línguas que a próxima vítima será o super-herói brasileiro Sérgio (Súper?) Moro... Por esperar não perdes, ilustre Guedes!

Jair Messias Bolsonaro, o ex-militar que sempre arrotou que "não abandona soldado ferido", é uma piada que a cada dia que passa vai perdendo mais a graça. Enquanto era só mais um "tiozinho do churrasco" (né, Policastro?), a gente ria de suas "tosquices"; porém hoje, quando põe a vida de milhões de brasileiros em risco, percebemos que a comédia está em vias de se transformar em tragédia. E, como o velho Jair virou uma acuada rainha da Inglaterra, resolvendo tudo "numa canetada", não duvido nada que os próximos que ele abandonará serão seus próprios eleitores, esses a quem ele cumprimenta e abraça e com quem tira selfies nos intervalos entre uma tossida e uma emissão de perdigotos. Na verdade, depois de reler tudo o que acabo de escrever, a impressão que tive é que Jair, além de medíocre, é também imbecil — a foto que ilustra esta crônica diz mais que mil gabinetes do ódio.

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