Dedicado a Claudia Salto.
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Reza a lenda que, como o Japão no passado foi um país muito pobre e, por causa disso, propagador de doenças, seus filhos aprenderam (e se acostumaram) a evitar o toque, o contato, o aperto de mãos, o beijo etc. Ainda no Brasil, e mais de uma vez, ao cumprimentar alguma japonesa com os famosos beijinhos no rosto, notei que a desinfeliz beijava com a bochecha ou, pior, a orelha; ou seja, tinha medo, nojinho ou ao menos falta de experiência pra tascar um suculento e babento beijo no rosto de quem a cumprimentava. Em certa ocasião cheguei mesmo a dar umas aulas pra uma amiga japa, mas o tempo passou e percebi que ela não se graduara. E agora, em pleno século XXI, no auge da civilização e num momento em que as pessoas aprenderam a deixar os ódios de lado(?), eis que nos vemos obrigados, nosotros, los que no somos japoneses, a imitá-los nessa feia e fria forma de cumprimento.
Eu estou vivendo na Terra do Sol Nascente há pouco mais de dois anos e, apesar das saudades do Brasil, vinha defendendo muito como as coisas funcionam aqui, meio que como aqueles deslumbrados turistas que acham que tudo o que é de fora é bom e tudo o que é de dentro é ruim... se é que me entendem. Entretanto, passado esse tempo todo, e com o advento do coronavírus, saquei recentemente que todo país capitalista é igual: pensa primeiro na economia, depois em sua população. O Japão — até pela proximidade — foi, se não me engano, o primeiro país fora da China a contrair o vírus. Porém, até duas semanas atrás parecia que tudo por aqui estava na maior tranquilidade. Ou seja, a capacidade japonesa de sobreviver às tragédias tinha mais uma vez se sobreposto a mais essa calamidade/fatalidade.
Entretanto, adiadas as Olimpíadas, descobrimos que o surto, pelo contrário, aumentava. O que me fez pensar que as autoridades, com medo de perder dinheiro, investimentos e quetais, estavam maquiando os estragos do vírus dentro do país, pois, bastou que adiassem o evento pro ano que vem, revelou-se um aumento nos casos da malfadada corona (não confundir com a gostosíssima Corona beer — a piada funciona melhor em japonês). Ou seja, com Bolsonaro ou sem Bolsonaro, com panelaço ou sem panelaço, os "Robertos Justus" do mundo inteiro continuam pensando que milhares de mortezinhas são fichinha perto do caos que pode acontecer se todo mundo ficar em casa. E eu, que mando uma banana pra economia mundial, acho mais é que o mundo inteiro devia passar esse mesinho de abril em casa...
... Lendo, descansando, orando, vendo um filminho, compondo uma musiquinha etc. e tal. E, de preferência, às custas dos que têm grana, mas sempre dependem de nós. Claro, porque, a exemplo do que tem acontecido no Brasil, quando percebemos que a pobralhada se recolhe, a economia mundial entra em colapso. Mas eles que se fodam e que liberem seu cascalho pra que a população do mundo — que mantém o cascalho deles — siga com saúde pra que, passada essa pandemia, possa voltar a trabalhar e mover a máquina. Há que se fazer algum sacrifício, sempre. O que não podemos é achar que dá pra pôr em risco a vida de alguns porque os outros não estão infectados. Até porque, todos sabemos — ou deveríamos saber...
... Que quem espalha o vírus são os sãos, aquela galerinha que, como sabe que não vai morrer, transita livre, leve e solta "pelaí". Só que depois volta pra casa achando que tem uma gripinha qualquer e contamina pais, avós e cia. ilimitada. Porque quem não morre do vírus também o propaga, o que faz que essas criaturas, em seu livre arbítrio de ir e vir, possa contaminar geral. Resumindo, seu Bostonaro: o problema não são os que podem morrer por causa do vírus, mas os que não morrem, mas flertam tranquilamente, viajam, trabalham, fodem (e fodem os outros) e levam pra cima e pra baixo o coroninha. Capisci? Pena que você não o pegou numa dessas inúteis viagenzinhas que tem feito, caso contrário não continuaria pregando desinformação e pondo em risco a vida dos brasileiros.
Ah... mas este texto era pra falar do abraço... Sorry, Salto, deste parágrafo em diante falarei dele: comecei estas virulentas linhas pensando nessa minha amiga, que é a pessoa que gratuitamente distribui o melhor abraço que já recebi na vida. E fiquei pensando que, neste período em que se aproximar de alguém por uma distância inferior a um metro é considerado crime, como ela deve estar sofrendo. Claro, estamos sofrendo todos, mas os beijoqueiros, os abraceiros, aquelas pessoas que só sabem falar tocando no outro... esses são aqueles que mais devem estar sofrendo com esse griposo muro de Berlim. Eu, que vivo no Japón há mais de dois anos que o diga. Aqui, onde durante um ano dá pra contar nos dedos da mão (do Lula) quantas pessoas cumprimentei tocando, seja beijando ou simplesmente com um aperto de mão.
Mas vai passar, viu, Claudioca? E nos voltaremos a abraçar e lambuzar de beijos, como bem manda a bíblia da amizade — né, Mecca? Entretanto, e enquanto isso, além do abraço, há o poder do aço; o soco no baço; o infeliz do cabaço; o mais infeliz do devasso (ultimamente); a falta (ou a sobra) de espaço; o "enquanto isso o que é que eu faço?"; as saudades de um golaço; ... e de um homoabraço (ou de um hétero e tal); até as saudades de uma porrada que leva a um inchaço; a letra jota, que não dá rima; o que mais nos une: o laço; quem gosta de um maço (nem que seja de cigarro) — eu prefiro o mormaço; todos os dias em que eu (re)nasço; o fato de que a vida tá osso; o (verdadeiro) palhaço; aqueles que falam "queisso?"; o atual cagaço do ricaço; aqueles a quem eu (infelizmente) não satisfaço; o Jereissati, Tasso (passo); os mais velozes que eu não ultrapasso; o míope que se acha vivaço; e o Z do Zorro, com o qual termino essa prosopopeia em que deixo aqui registrada minha jura de voltar, Salto, a lhe dar... aquele abraço! E, no caso, quando falo de Cláudia Salto, ela representa, metaforicamente, a todos vocês, meus sempre abraçáveis amigos. O vírus passará; nós continuaremos. Love.
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PS1: A palavra foi, mais uma vez, escolhida por mim.
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PS2: Já ia deixar de trilha sonora Aquele Abraço, ou ainda Apesar de Você, mas cada época com suas canções, né? Portanto, mudei de ideia e resolvi trazer pra cá uma canção fresquinha composta por Marcio Policastro e este humilde escriba. Poli, que, como (quase) todos, está confinado, pede perdão pela gravacão, feita com poucos recursos e violão de aço que não afina nem com reza. Relevem. Está perfeitamente de acordo com nosso...
Tempo de Trevas
Foi quando o abraço ficou perigoso
O gozo virou um pecado mortal
Até os carentes fugiam de um beijo
Desejo podia levar pro hospital
As casas passavam o dia fechadas
Ninguém na fachada, ninguém no jardim
E nós dentro delas contando as horas
Lá fora, à espreita, esperava o fim
As festas viraram uma espécie de crime
Os times jogavam sem ninguém pra ver
Até respirar dava um pouco de medo
E os dedos fugiam das mãos sem prazer
Foi quando nós fomos perdendo o jeito
Virou um defeito o ir e o vir
Um tempo de trevas, de muros e grades
Foi tudo verdade; meninos, eu vi!
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