Por
volta dos 12 anos, eu tinha um amigo negro que, apesar de ser um dos
maiores da classe, possuía uma voz fininha, mas teimava em falar bem
alto. Como morávamos perto, voltávamos da escola no mesmo ônibus.
Ocorreu que, em certa ocasião, conversávamos animadamente dentro do
coletivo, quando fomos interrompidos por outro homem negro, que pousou
um olhar penetrante em meu amigo e sentenciou: "Ó o barulho, rapá! Negão
tem que falar baixo!". Sua voz era grave e forte, pois, apesar de ele
falar quase num sussurro, podíamos ouvi-lo perfeitamente. Meu amigo
esboçou uma reação, mas puxei-o de lado e fomos pro fundão do veículo,
onde tentamos continuar o papo, sem muito sucesso. Senti que o impacto
nele fora grande, e jamais esqueci essa lição, que, embora tenha mirado
um alvo, acabou acertando outro.
Entendo
as diferenças culturais; famílias italianas, assim como as nordestinas
(de onde provenho) e algumas outras, são bastante animadas, e basta
haver dois de seus representantes em um ambiente pra que a conversa
possa ser ouvida a um quarteirão de distância. Nesse caso, embora admita
que me sinto um pouco incomodado (sobretudo se estou dentro de um
transporte público tentando manter a concentração na leitura),
resigno-me e aceito. O que não suporto mesmo são as pessoas que, embora
se note que detêm certa escolaridade, falam alto pra chamar a atenção,
pra que sejam ouvidas INCLUSIVE por aqueles a quem não estão se
dirigindo, como se estivessem enviando uma mensagem a terceiros nas
entrelinhas de sua fala.
Certo
dia estava eu com a esposa num restaurante, quando entrou um homem
gordo, alto, de bigode, que ostentava orgulhosamente um chapéu de
fazendeiro, acompanhado de dois fulanos com ar de submissão. Falava ao
celular. Sentou-se, pediu comida e bebida sem desligar o aparelho e
continuou a conversa mesmo enquanto comia. Ver aquela boca aberta
espirrando farofa entre uma frase ou outra não era uma coisa muito
bonita de se ver, mas o infeliz escolhera uma mesa bem em frente à
minha, o que não me deu alternativa, visto que já havia chegado nosso
pedido. A voz de trovão do sujeito por vezes se tornava áspera, era
fácil perceber que falava com um subordinado, mas o mais cômico foi
que todos no recinto ficaram sabendo de suas transações; ouvi palavras
como helicóptero, venda de automóvel, fazenda, sei lá quantas cabeças de
gado...
Sou
terminantemente contra vozerio em ambientes públicos, sobretudo
fechados, como bancos, restaurantes, local de trabalho, bibliotecas (obviamente), mas o que percebo é que, em determinadas ocasiões, quem fala
alto sente que está exercendo um direito, como se os altos decibéis de
sua voz lhe houvessem sido conferidos por uma espécie de status. São
cidadãos pertencentes àquela ridícula categoria dos que ainda hoje
arrotam um "você sabe com quem está falando?". Em nossa fauna política
vemos muitos espécimes dessas aberrações, em geral velhos decrépitos
imbuídos de um espírito de coronelismo decadente oriundo de uma época em
que as leis funcionavam diferentemente de pessoa pra pessoa (pensando
bem, as leis não mudaram tanto assim).
Acima
citei "escolaridade", mas reconheço que não necessariamente poder
aquisitivo e educação caminham juntos. Como o Brasil vive um bom momento
financeiro e nossa moeda vem se valorizando, é cada vez mais comum
brasileiros viajarem ao exterior; dependendo do país de destino, a
viagem chega a ser mais barata do que pra certas cidades brasileiras. E
se há uma coisa que me deixa constrangido é presenciar patrícios mundo
afora dando piti. Na maioria das vezes isso ocorre porque a pessoa acha
que ter dinheiro basta, daí chega no país e quer que todo mundo fale
português(!!!). Já contei aqui que uma vez estava em Machu Picchu com
esposa e sogra e presenciei o escândalo causado por uma brasileira que
não entendia o guia em espanhol. Mas ela o escolhera porque tampouco
entendia o guia em inglês...
Na
verdade estas maltraçadas vêm a título de desabafo. Sinto em meu íntimo
que possuo uma personalidade um tanto atrofiada (personalidade, não caráter), tenho mesmo
dificuldade de me fazer ouvir, visto que, ao contrário dos alto-falantes
(autofalantes) acima, falo muito baixo. Uma amiga chegou mesmo a me
sugerir que fosse a um fonoaudiólogo. Como convivo com minha voz há mais
de quatro décadas (embora não confortavelmente, admito), adiei tal
visita a um futuro incerto, mas sei que lá no fundo o que sinto é uma
pontinha de inveja desses retumbantes falantes, sobretudo porque sei que
em nosso país ainda é mais respeitado aquele que canta de galo. Aos
humildes está reservado (com uma ou outra exceção) um futuro
profissional igualmente humilde, independente de sua capacidade.
Quer
um exemplo do sucesso dos que esbravejam? O reino do telemarketing é
perfeito pra exemplificar. Suponhamos que você tenha se sentido lesado
em algum serviço ou até mesmo queira se livrar de alguma taxa etc. Você
liga e conversa educadamente com um robô que educadamente lhe vai
responder que tal solução é impraticável. Após 20 minutos, muita
canseira, ligações que caíram misteriosamente, você resolve berrar que
quer cancelar sua assinatura. O robô do outro lado, ainda educadamente,
pede-lhe que espere um minuto na linha ao fim do qual lhe revela
magnanimamente que, devido a sua bela relação com a empresa X ou Y,
milagrosamente o pedido que 20 minutos atrás era impraticável agora,
por poderes divinos, será atendido. E isso se aplica a praticamente
tudo; telefonia, cartões de crédito, canais de TV por assinatura,
serviços de operadoras de celular e o que mais lhe vier à cabeça. O que
me faz pensar que esse desconto que lhe foi feito será cobrado de algum
infeliz que não grite.
As
pessoas que falam gritando são donas de potentes aparelhos de som que
igualmente gritam. Acho que o silêncio as aterroriza. Talvez sofram de
algum problema de autoestima, julguem-se desprovidas de talento ou algo
que o valha. Sabemos que um animal, acuado, ataca. As pessoas que falam
gritando fogem de situações de desconforto atacando antes, pra impor
respeito e, assim, atemorizar o hipotético adversário. Em situações de
comando o patrão sempre é o que fala mais alto, pra que não haja a
possibilidade de que alguém o interrompa ou divirja de sua
opinião/sentença. Mas o século XXI tem sido generoso com essas pessoas,
inclusive criou ferramentas que servem como belas válvulas de escape.
Entre tantas destaco as redes sociais. Sempre que ligo meu computador e
entro no, por exemplo, facebook, chega a ser engraçado, pois, por mais
que reine um silêncio absoluto, sinto-me como um surdo que sabe que a
seu redor estão todos gritando.
***
É fato, Léo. Tem muita gente sem noção de volume ou do quanto a vida própria não interessa necessariamente a todos.
ResponderExcluirTambém me incomodo muito com gente que fala alto em qualquer lugar, sem respeitar o fato de que não está na sala da própria casa.
Nos restaurantes eu mudo de mesa, se não consigo estar somente com quem me acompanha, sem ouvir a conversa da mesa ao lado.
Já nos transportes públicos é um absurdo o número de pessoas que falam no celular bem alto o caminho todo, como se sua vida fosse muito interessante para os outros passageiros. Tenho vontade de "gritar": não quero saber da sua vida, lugar de DR é em casa... E por aí agora.
Em redes sociais muita gente também GRITA para se sobressair. Outro dia ousei avisar uma amiga que escrever ASSIM equivale e fui taxada de arrogante. Ela achava muito legal GRITAR, pois denotava SUA PERSONALIDADE ITALIANA. rsrs...
Ops, corrigindo:
Excluir"E por aí afora"
"...escrever ASSIM equivale a gritar..."
É, Esther, parece que a privacidade hoje é ofensiva. Os anônimos se baseiam em seus ídolos, que abrem as casas pras "Caras" e lavam a roupa suja em revistas de fofoca. Tudo é promoção... e sai caaaaro...
ExcluirBeijos,
Léo.
Ao longo do tempo, descobri que falar baixo é uma das coisas melhores que adquiri com a maturidade. Também, sendo de uma família co-dependente emocional,aprendi cedo que quem falasse + alto seria mais respeitada. Ora...falar alto, além de má educação, é desgastante para a voz! 25 anos de terapia familiar me colocaram no eixo!
ResponderExcluirMe incomoda pessoas no metrô aos berros no celular, contando suas desgraças ...rs Já mudei de lugar em restaurantes, em ônibus, e acho que até meu desencarne farei isso, pois as pessoas estão cada vez mais mal educadas, estressadas e exibicionistas!
Tô contigo e não abro, Irinéa!
ExcluirBeijos,
Léo.
Já vivi algumas dessas situações...
ResponderExcluirValeu a presença, Vampa!
ExcluirAbração do
Léo.
Léo Nogueira:
ResponderExcluirMuito bom, gostei.
Parabéns.
Também detesto barulho.
Abraços
Paulinho das frases
Valeu, Paulinho!
ExcluirAbração,
Léo.