sábado, 30 de março de 2013

Crônicas Desclassificadas: 80) Inclusão social

Pois bem, depois de tanto tempo expondo os podres da esquerda, resolvi variar um pouco. Antes preciso dizer que não vejo outra saída pro Brasil que não seja via esquerda. Contudo, carecemos de ética, educação, inteligência, gentileza, elegância... ah, e descer uns dois ou três degrauzinhos na escadaria da arrogância. É pedir muito? Talvez, mas são coisas necessárias pra aplacar o ódio burguês que tem se disseminado Brasil afora. Nosso país, chega a ser até irônico, mas, ao passo que a cada dia aparece um novo partido político, tem, surpreendentemente, se tornado um país que está perdendo a pluralidade de ideias. Hoje o Brasil se divide entre os radicais de esquerda e os radicais de direita, ambos escancarando seus preconceitos e suas mazelas (e não se arruma a própria casa apontando a bagunça da do vizinho). Como a direita agoniza, traveste-se de centro-direita, mas continua direita, ou seja, errada. Já a esquerda, como o comunismo capotou, aprendeu a usar as armas do adversário à frente do discurso e pende ao centro, mas continua esquerda, e continuará enquanto houver dois ou três homens de colhões com coragem pra limpar a própria casa.

Tal fenômeno tem deixado perplexa até a classe musical, que sempre se acreditou de esquerda. Na década de 1970 tínhamos certeza de tudo. Compúnhamos canções de libertação, verdadeiros hinos, gritos de guerra contra os opressores. Sabíamos quem eram nossos inimigos, lutávamos contra eles e sonhávamos com um país que poderíamos reconstruir quando fôssemos livres. Mas, lá em nosso íntimo, apesar da guerrilha e de tudo o mais, não queríamos admitir, mas sabíamos que não passava de um sonho burguês, como a revolução francesa e a inconfidência mineira. Queríamos a liberdade pra continuar dominando os dominados de sempre. Queríamos ser servidos, e quem quer ser servido precisa de serviçais que não se insurjam contra ele, que mantenham a fidelidade de cãezinhos, que se portem como alguns submissos escravos de antigamente que viam no patrão um ídolo (viram a personagem de Samuel L. Jackson no Django de Tarantino?).

Recentemente vi no facebook depoimento de um camarada representante da classe artística (a mim não representa – tá na moda isso, né? rs) indignado com os rumos do Brasil, que, segundo ele, tem apostado na ignorância pra exercer a tal inclusão social, e hoje se resume a idiotas pulando atrás de um trio elétrico ou aplaudindo picaretas num palanque. Oras, desde que o Brasil é Brasil os ignorantes têm (com acento, minha gente!) procurado motivos quaisquer pra fazer a festa. Aliás, acho que essa tem sido uma das maiores qualidades do brasileiro ao longo desse punhado de séculos. E essa situação sempre foi confortável pra quem estava no poder. Um pouco de pão e circo era suficiente pra calar a boca das massas e mantê-las nessa ilusão de felicidade causada por um entorpecimento das ideias. Por isso havia que as manter ocupadas, fosse com música, com esporte, com religião, com drogas (lícitas ou não), com tecnologia... Nada disso mudou. O colega do facebook se espanta com tudo isso como se se tratasse de novidade, mas essa novidade é mais velha que nossos tataravós. A diferença está justamente no fato de que essas pessoas hoje querem mais! E estão prontas pra agarrar o que querem.


Ver essa sede nos olhos dos serventes, garçons, porteiros, domésticas etc., isso sim é novidade. Porque é uma sede que pode ser saciada dentro da lei, e não mais apenas por meio de um três-oitão. E é isso o que talvez assuste o colega artista, que compõe uma canção que é ininteligível às massas. Também eu às vezes me sinto ferido no ego por achar que compus uma lindeza e perceber que tal canção não fez eco nos ouvidos violentados das massas por décadas de disparates musicais. Mas é o preço. São as pedras no caminho de um país mais justo onde o burguês não tenha medo de sair de casa e se ver vítima de assalto, sequestro-relâmpago ou coisa que o valha. Estamos assustados porque os filhos deles estão forçando a barra pra serem admitidos nas escolas de nossos filhos... Os filhos DELES, os ignorantes! Mas não tem jeito, trata-se de um caminho sem volta, quer aceitemos ou não. O governo é assistencialista? É. Quer tapar o sol com a peneira? Quer? Comete erros, quer consertar de cima pra baixo? Sim, o governo erra, engatinha nessa corrida rumo à justica, tropeça, cai, se equivoca, mas não tem a intenção de retroceder.


Portanto, meus caros colegas assustados, preparem-se pra mais sustos, porque o pobre, quando vislumbra a possibilidade de ter direitos ao que nunca teve, fica hipnotizado, começa a sonhar mais alto. O pedreiro sonha em ter um filho engenheiro. O porteiro crê que seu filho possa vir a comprar um apartamento no prédio onde ele trabalha. O metalúrgico trabalha na construção de um carro que ele tem certeza de que vai ser comprado pelo filho. A enfermeira trabalha num hospital onde ainda verá o filho atendendo como médico. O garçom do restaurante chique ainda vai ver o filho entrar por aquela porta como cliente. E por aí vai. Ferrou, colega! Virou uma bola de neve. E bola de neve montanha abaixo não tem como ser detida. Se você se meter a besta e resolver entrar na frente, com os braços estendidos, vai ser engolido por ela. O país está barulhento, cheio de pessoas falando alto pelas ruas, escutando aquela porcaria que eles chamam de música no som de seus possantes, estão se sentando a nosso lado nos assentos dos aviões, com seus filhos remelentos sujando nosso terno com seus salgadinhos... Pois saiba que VAI PIORAR! É um processo. Piora antes de melhorar de verdade.

Estamos todos tristes porque quem paga a conta dessa farra do boi somos nós, a classe média. Pagamos uma fortuna, uns quatro ou cinco salários mínimos, pra que nossos filhos estudem nas melhores escolas, pra depois ver aqueles negrinhos bregas entrarem na mesma faculdade onde ralamos pra ver nossos filhos serem aceitos. VAI PIORAR! Vai chegar o momento em que os filhos desses negrinhos entrarão nessa faculdade por competência própria, ao passo que nossos netos perigarão não passar no vestibular. Uma sociedade mais justa se torna mais competitiva, porém, todos competem em igualdade de condições, não vai ser mais aquela partida de futebol de onze contra meia dúzia. Vai demorar ainda, tropeçaremos mais, surgirão outros mensalões, outros caixas dois, mas a sujeira não vai mais ser varrida pra debaixo do tapete, como sempre havia sido antes. Porque aprendemos a gritar por nossos direitos, aprendemos que os Renans e os Felicianos NÃO NOS REPRESENTAM! E nos representarão cada vez menos. E daqui a pouco esses pobres meninos sairão das ruas e irão pra Brasília lutar por justiça e expulsar de lá os velhos caquéticos que grudaram suas bundas naqueles confortáveis assentos.

E será nesse grande dia, quando a ralé de hoje se tornar por fim a classe média, que talvez ela tenha coragem de fazer o que a classe média de hoje, cegada pelo egoísmo, nunca fez: lutar pra diminuir as distâncias mirando não nos pobres, mas nos milionários. A classe média de hoje acha que o inimigo é o pobre, mas não é. O inimigo é aquele inconsequente que enriquece mais e mais a cada dia à custa do pobre, é aquele que polui, desmata, mata, fomenta guerras, faz o diabo pra não perder um centavo de sua fortuna, mesmo que pra isso seja necessário que milhões de pessoas sobrevivam em condições desumanas. São esses, meu querido colega bem-nutrido, os inimigos. São esses que criaram o pobre ignorante que tanto você odeia, o tal do pobre que pula atrás do trio elétrico e que aplaude o picareta no palanque. Você nunca percebeu porque seu umbigo não tem olhos. Mas fique tranquilo. Você não precisa fazer nada. Continue cigarra, compondo sua cançãozinha inteligente pra tocar em encontros de gente culta regados a uísque caro. Amanhã, mais tardar depois de amanhã, a formiga, o filho do filho de sua empregada doméstica, que vê o mundo como ele é e não protegido por uma redoma, fará o que você devia ter feito enquanto reclamava dos culpados errados.

Nesse dia seu neto será será grato ao neto daqueles que você odeia hoje!

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Trilha sonora (pra ajudar na reflexão) de Adolar Marin e este que lhes escreve, Teimosia, do novíssimo Epílogo:



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6 comentários:

  1. Unknown, no presente caso, sou Etel Frota

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  2. Valeu queridos Unknown e Etel! rsrs

    Beijos,
    Léo.

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  3. vc podería traduzir, mudar uns nomes e lugares ..e estaría falando da Argentina...nao é em vao que nos chamamos de países irmaos, nao é?

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  4. Así es. Pero estamos mejorando. Dios, que es brasilero, ya puso en el Vaticano un papa argentino para echar una mirada hacia nosotros. jeje!

    Besos,
    Léo.

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  5. Lá em cima o correto é "ininteligível". Corrigi. rs

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