segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 117) Fossa social

*** AVISO *** 
Se você é uma pessoa que não tem estômago pra ler textos sujos ou com palavras consideradas de baixo calão, ou seja, intrínseco-intestinais, economize seu tempo e sua pureza de alma e pare já. Se preferir continuar, depois não adianta vir me jogar pedras. Está avisado!
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Fossa social

A merda desta cidade não é a que se esconde nos subterrâneos. Não, esta não passa de pouca merda. A acachapante, a verdadeira, a avassaladora, a lava fecal, é aquela que rasteja pela superfície, que paira nos ares, que está em todos os lugares. É esta a que realmente fede, impregna, penetra, deixando um tão insuportável cheiro em nossas roupas, que, de tão forte, chega a parecer inodoro, a ponto de não o sentirmos mais. Ou de acharmos natural que esteja em nós, transformando-nos em cidadãos-merda que perambulam por aí defecando pela boca, a plenos pulmões, seja por alto-falantes, celulares ou ondas radiodifusoras.

Mas aí é que está a fonte da fedentina, da fetidez, do fétido, do féretro sobre o qual evacuamos, mortos-vivos: merda não nasce sozinha, é preciso que alguém a produza. Portanto, quem faz a merda que faz nossa cidade feder somos nós: eu e vocês. Nós somos a merda! Somos merdas egoístas que se sentem imperadores sentados no trono de seus automóveis egoístas, ouvindo uma música de merda no último volume, pra encher de merda tímpanos alheios. Somos merdas que gritam aos celulares merdas inúteis que, além de atingirem o interlocutor, também se espalham ao redor, encharcando os transeuntes que por (falta de) ventura estejam por perto.

Transeuntes que, por sua vez, espalham suas próprias merdas, num intercâmbio merdívoro digno de uma merdocracia. Somos orgulhosos merecedores de nossa merda. A mesma que transformou o Tietê num rio de merda. Nossa merda impermeabilizou o solo e entupiu os bueiros, e, quando a chuva vem lavá-la e levá-la embora, não tendo por onde fazer escoar toda essa podridão, alaga de merda nossas ruas de merda. Nossa merda encheu de desabrigados a cidade: mendigos, pedintes, viciados, menores abandonados e excluídos em geral, que, obviamente, espalham suas merdas sob os viadutos (ou pra onde quer que apontem seus aparelhos evacuadores, suas cavidades cagais...), assim como os cães. 

Estas linhas fecais na verdade são resultado de um pedido. Um amigo (e parceiro musical), indignado com algumas mazelas de nossa cidade, pediu-me que fizesse uma letra na qual expusesse nossa evidente piora, no que se refere à condição de seres humanos, visto que nos convertemos em crédulos, egoístas, alienados, hipócritas, conservadores, inconsequentes, preconceituosos, futriqueiros, estrelosos, superficiais, superexpostos exibicionistas... Enfim, caberiam muitos mais adjetivos, mas eu estaria sendo redundante. O fato é que ele me pediu que fizesse uma letra que tratasse desses assuntos, e deu o título: Cidade de Merda.

Fiquei alguns dias pensando na tal letra, até porque comungo de sua indignação em relação à cidade. Porém, de repente comecei a abstrair, a tirar o olhar do micro e lançá-lo ao macro. E pensei que seria injusto com tantas outras cidades de merda se taxasse apenas a nossa como tal. São Paulo é uma cidade de merda tanto quanto qualquer outra. Umas mais, outras menos, todas têm lá suas toneladas dessa matéria fecal. E fiquei ali, filosofecando, e, sem chegar a grandes conclusões, percebi que o problema não é a cidade. É A SOCIEDADE! Nós, as pessoas como um todo, ou o indivíduo em particular, somos fruto dessa sociedade merdificante, que trata a merda como o suprassumo do consumo e as grandes questões da humanidade como se fossem merda.

Saindo da cidade de São Paulo e enveredando pelos interiores, notamos que há muita merda por lá. Por exemplo, a merda do preconceito racial, do conservadorismo, da música feita pra que um homem dance em cima de um boi... Indo um pouco além, subindo um pouco, vemos na Cidade Maravilhosa a merda de uma quase guerra civil, com suas balas perdidas (e achadas)... Saltando pelas regiões brasileiras, deparamo-nos com a merda da ignorância patrocinada por um coronelismo de merda que teima em continuar empesteando o ar em pleno século XXI (Pedrinhas não me deixa mentir)... Ultrapassando as fronteiras geográficas vemos as merdas de esquerda e as de direita; as sociedades que vivem (economicamente falando) da merda da guerra; as que, de modo merdíocre, utilizam-se de religiões pra propagar a merda dos preconceitos étnico e de gênero; a merda europeia, que acha que fede menos por ser de primeira; a...

Ou seja, países, Estados, cidades, vilarejos, bairros, residências... todos eles fabricam suas merdas. O que varia é a quantidade dela. Em algumas nações onde problemas básicos como desemprego, fome e falta de educação foram superados, as pessoas acham que não cagam, que são superiores, e estão cagando pras merdas alheias. O que faz que eu me lembre de que minha mãe já dizia que "a merda do rico fede igual à do pobre". Sábias palavras! Só posso resumir de tudo isso que o homem é um merda! Pra ter sucesso, grana, poder, transforma os outros homens a seu redor em merda, e os trata como tal. E a coisa só vai mudar quando aprendermos a enxergar como doença nossa merdessência e percebermos que tratar o capital como deus e o homem como merda periférica é que é a grande fossa social... e que fede a céu aberto.

Desculpe, caro leitor, por este texto de merda. Em minha defesa alego que ao menos assumo minha parcela de culpa na produção dela. E você, prefere lavar as mãos?

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