Eu Não Vi, Mas Me Contaram...: 3) O namorado de Bebê
... sim, eram ao todo 13 fi, ô possa ser que eram 14, sabe como é? Uma ruma de gente, de modos que 12,
13 ô 14 num faz lá munta diferença, num é? O negoço é que lá nessa cidade de onde eles vinheram não devia de ter televisão,
não, visse? A novela era otra. Hi hi hi! De modos que a dona Luzia deve
de ter passado a maior parte da vida dela buchuda. A pois, a dona Luzia
era a mãe. Uma santa mulher! Caridosa que nem ela eu tô pa vê. Vivia
na igreija, dava caticismo pa essa mininada toda, e inda arrumava tempo
pa dá a comunhão pos duente de dumingo. Era, sim. Acabava a missa,
ela pegava as hóstia na sacristia e ia simbora, cuidar dos seus duente.
Ela dizia "os meus duentim de Jesuis". E ói, cá pa nós: era mais
rezadeira que muito pade por aí. Sim, porque hoje, com essas
mudernidade toda, os pade num usa mais nem batina. Credo em cruz!
A pois, o seu Firmino, o marido. Era o marido. O seu Firmino
era um hômi bom tumém. Trabaiadô. Tinha se apusentado, porque um fi
cunhicia um vereadô, daí que ele mexeu os pauzim, juntô os tempo de roça
do seu Firmino mais os tempo que ele trabaiô aqui em Sum Paulo, nas
firma, e deu a conta certinha dele se apusentá. Mas, oxe!, quem disse
dele pará queto num canto? Que nada! Ele era predero, de modos que se
apusentô, mas continuô fazeno seus bico. Fosse que dia fosse, dava 5
hora, lá tava ele de pé. Tomava seu café preto e saía pa trabaiá. E ói
que, mermo quando era dumingo ô feriado, ele tumém acordava na merma
hora. O hômi paricia um dispertadô. Hi hi hi! Munta gente aqui da rua
acordava com ele bateno o portão pa i trabaiá. Diziam que o seu Firmino
era o dispertadô deles. Mas eu num tô dizeno?
De modos que tudo ia bem, a maioria dos fi casô, tiveram fi
tumém, e a famia foi cresceno, tudo com saúde, trabai, e tudo rezadô
tumém, que era o inzemplo da mãe, né? A pois, nessa épuca só tavam
morano com eles três fi, o resto tinham casado. Era a Das Dô, que era a
mais veia, que tinha istudado pa sê frera, mas parece que se ingraçô por um pade e acabô disistino, de modos que
morava com eles. Era infermera. Tinha puxado pa mãe. Gostava de
duente. A Das Dô. Depois tinha o Inaço... Ói, esse aí era mei
pobremático. Era um minino bom, só que num era munto chegado em trabai,
sabe como é? Dizia que quiria sê jogadô de futibol e passava o dia todo
na rua, zanzano. Quando num tava jogano, tava impinano papagai. Na épuca
ele era ainda de menor. Era o caçula. E tinha a Bebê.
Qué dizê, Bebê era como todo mundo chamava ela desde minina,
que o nome dela de verdade era Isabé. E como ela era a mais nova...
Das muié. Era a mais nova das muié. Mas era mais veia que o Inaço, já
era de maió. Trabaiava e tudo. Mas aí foi que ela se perdeu. Foi. Purque
inventô de fazê a tal da faculdade, sabe como é? Esses istudo depois
que acaba os istudo. A famia era contra, quiriam que ela siguisse o
inzemplo das irmã e procurasse um hômi bom pa casá e tê fi, que é o mió
distino da muié, mas a bicha era teimosa que só, bateu o pé, chorô,
amiaçô i simbora de casa... Veja só como o capeta atenta, até numa casa de
oração... Mas num dizem que em toda famia tem a uveia que se disgarra? A
pois, o jeito foi dexá.
Maldita hora! Foi quando ela por fim passô a i pa essa tal de
faculdade que cumeçô a danação toda. E você veja que essa minina quais
que num vivia mais em casa. Saía cedim pa trabaiá, de lá ia direto
p'essa faculdade, e quando chegava em casa já ia dano quais mea-noite.
Eu num tô dizeno? Uma muié moça, que ela era ainda moça, num sabe? Num
cunhicia hômi... A pois, uma moça nessa idade, inveiz de arrumá um
marido e se aquetá, passano o dia interim que Deus deu bateno perna na
rua? Só pudia dá no que deu! Sim, pois num deu seis meis que essa minina
tava fazeno essa faculdade, chegô em casa dizeno que tava namorano. No
começo a famia ficô foi filiz, pois pensaram que ela ia acabá disistino
dos istudo pa casá, num sabe?
Aí se arresolveram a fazê um almoço, que era pa cunhicê o
rapaiz. Diz que era inteligente que só. Tumém fazia faculdade, só que
esse já tava mais avançado nos istudo. Adivogacia. É, diz que ele fazia
adivogacia, que ia sê dotô. Quando Bebê disse isso, foi um alvoroço,
todo mundo ficô numa aligria, minino, pricisava de vê! Você veja que
daquela ruma di fi num tinha um que tivesse faculdade, aí justo a Bebê
aparicia cum namorado dotô? Daí no dia puseram logo foi a mesa na
laje... Minto, num foi uma mesa só, não, juntaram foi umas treis mesa,
que a famia era grande e vinham quais tudo. Até eu ajudei, que vinheram
me pidi deu imprestá a mesa daqui de casa. Não, num me convidaram, não,
mas tumém, né? Cum aquele povaréu todo... Num fiz questão, não,
imprestei cum gosto. Antes num tivesse imprestado. A pois, daí, quando
já tinham chegado quais todo mundo, bateu palma no portão um pretim.
E
ói que eu até me arripi só de me alembrá. Que o que era pa sê uma
festona virô foi um veloro. Ninguém sabia onde infiá a cara. E o seu Firmino? Esse num fez nem questão de sê educado, amarrô a cara e num
falô um "a" cum esse Ataliba. Que era Ataliba que ele chamava. Me alembro
como se fosse hoje. Tumém, cum esse nome como eu hovera de isquecê? Até o
nome ajudô a atrapaiá. O negoço foi que os otros fi até que trataram
bem o moço, mas ele num era besta, percebeu logo que era purque ele era
preto. E tinha uma coisa: o seu Firmino, que era lá do Ciará, num é que
ele num gostasse de preto, ele tinha era medo! Achava que dava azá. Você
veja que, quando ele chegô em Sum Paulo, se ele saísse e fosse pegá um ôimbus e visse que o motorista era preto, ele discia e isperava otro. É
que eles diziam que lá na cidade deles num tinha preto, daí que eles
achavam que dava azá. Num vô dizê que era tudo que pensava assim, mas
era quais tudo.
Não, eu não. Eu num sô preta, eu sô morena.
Mas eu num tenho implicança, não, pa mim tudo é fi de Deus. E eu sô da Paraíba. Lá, preto tem é munto. Mas o
negoço foi que, quando terminô o almoço, o seu Firmino chamô a Bebê e
disse só uma coisa. Ele disse que ô ela dismanchava esse namoro ô ia tê
que abandoná a faculdade. Naquela casa o tal do Ataliba num pisava mais
os pé. A dona Luzia quis até dizê alguma coisa, que o importante era ele
tê fé, mas o seu Firmino num quis nem sabê. Fia dele num casava cum
preto. Rapaiz, mas a bichinha dava até dó. Caiu num chororô, e ficô
dum jeito, que nem Ataliba nem faculdade. Abandonô os istudo. E foi
ficano mei lesada, num sabe? Cumeçô a num batê bem das bola, num dizia
coisa cum coisa...
É, meus fi, essa casa onde vocês vai
morá tem histora! Deus me cegue se eu tivé mintino! Hoje os véi já morreram os dois, o Inaço foi preso robano carro, e
ficaram só as duas irmã, a Das Dô e a Bebê, que findaram por se mudá pa
uma casa menó. Tumém, né? Só as duas nessa casona... Mas dexa eu terminá
minha histora. Por fim o jeito foi interná a bichinha num hospiço. É um
que tem aqui pertim, na avinida, o Sanatoro Santo Antôim. Vocês deve
de ter passado em frente quando vinheram. A pois. A coitada da Bebê
passô um ano internada. Quando por fim deram alta e ela voltô pa casa,
já era otra. Ficô assim que nem criança, num sabe? Nunca mais trabaiô,
num quis mais sabê de faculdade, nunca casô... Só tinha uma aligria: a
igreija. Se apegô cum Deus que dava gosto. A dona Luzia dizia que num
tinha um mal que num truxesse um bem. E todo Natal era ela que fazia um
presepo. Pricisava de vê como ficava uma buniteza. Só tinha uma coisa
que ela fazia que ninguém tinha corage de reclamá: o minino Jesuis que
ela butava na manjedora era pretim pretim.
***
O conto acima é livremente inspirado em fatos reais. Pra mim foi delicado escrevê-lo, pois os fatos que me serviram de inspiração ocorreram no seio de minha família. Ver eu não vi, pois na época ainda era muito pequeno, portanto, trago na lembrança apenas o disse não disse, que por fim virou tabu e, se não foi esquecido, ao menos foi silenciado. Por isso não sou capaz de jurar sobre a Bíblia a respeito da veracidade do acima relatado. Afinal, quem conta um conto...
espectacular!!
ResponderExcluirGracias, Marce! Lo comprendiste todo? jaja
ExcluirNão sei... Transcrever variações linguísticas não é para muitos... Achei um pouco cansativo, se posso opinar.
ResponderExcluirA crítica tem mais valor quando assinada, caro anônimo. No mais, acrescento que a leitura de textos com variações linguísticas tampouco é pra muitos. Talvez seja o seu caso.
ResponderExcluirAbraço,
Léo.
Você deveria levar menos para o pessoal as críticas, meu querido! Nem tudo que escreve é " espetacular", acontece às vezes!
ResponderExcluirNão fui eu quem disse que tudo o que escrevo é espetacular. O que eu disse é que valorizo mais a opinião de quem a assina. Ex.: a Marcela escreveu que o conto é "espetacular" e uma pessoa que não quer que saibamos quem é escreveu que é "cansativo". Claro que prezo mais a primeira opinião, embora nenhuma das duas afete o que eu acho dele. Não vou perder meu sono hoje nem por vaidade nem por frustração. Se quiser continuar essa prosa, que seja ao menos em igualdade de condições. Eu sou o Léo, muito prazer. Você é quem mesmo?
ExcluirUm leitor.
ExcluirLeitores são bem-vindos.
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