terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Crônicas Desclassificadas: 115) O estranho mundo dos vencedores

Ser uma boa pessoa não significa necessariamente ser um derrotado. Conheço muita gente que possui um bom emprego, uma boa situação financeira, e nem por isso se tornou mesquinha. O problema é que hoje nos ensinam desde cedo que, pra nos tornarmos vencedores, temos de ser competitivos; daí vamos, aos poucos, tornando-nos egoístas. Confesso que tenho um preconceito ainda remanescente contra esse tipo de gente. Podemos perceber um deles nas menores coisas. Um exemplo básico dessa espécie se revela no trânsito. Já vi essa cena um milhão de vezes: um carro está saindo da garagem, o semáforo fecha, o carro que está na faixa da direita, em vez de parar pra possibilitar que o outro saia da garagem, o que faz? Dá aquela aceleradinha básica e fecha a passagem ao outro, que fica ali, em cima da calçada, esperando que o semáforo abra, o imbecil que o fechou dê partida e todo o fluxo diminua, pra só então sair.

Qualquer um que vê a cena de fora acha ridícula a atitude do "piloto", mas a maioria de nós, estando no lugar dele, pensa diferente, que o correto, sim, é não aceitar a ultrapassagem, que, no caso, nem é ultrapassagem, mas simples passagem. E por quê? Porque, segundo o pensamento do pobre pretendente a vencedor, quem cede nas pequenas coisas cede nas grandes. Há alguns livros que chegam ao cúmulo de ensinar que, se quisermos vencer na vida, devemos nos afastar dos "derrotados", como se estes possuíssem alguma doença contagiosa. Ora, pensemos: hoje estamos empregados, pertencemos ao grupo dos "vencedores", ostentamos um crachá como se fosse um troféu, mas, caros irmãos, quem nos garante que amanhã não vamos receber um honorável pontapé na bunda?

E aí? Quando estamos do lado de cá, tudo é lindo e maravilhoso, mas, quando atravessamos a ponte, vemos que o buraco é mais embaixo. E então, caros amigos? Vocês, que vão aos jantares chiques e às festas badaladas e costumam rir dos desafortunados, acreditando naquela máxima de que só é pobre quem quer, sentir-se-ão felizes ao notar que nenhum de seus "amigos" os convida mais pra tais jantares e festas? Bem, se vocês chamam a isso amizade, por favor não me liguem, não me enviem e-mails, sobretudo não me adicionem no facebook (HAHAHAHAHA!!!), pois pra mim amizade é algo um tanto mais visceral, a conta bancária do amigo vale menos que a firmeza de seu caráter. Ficar desempregado é mais ou menos como contrair câncer. Independe de nosso currículo.

Claro, há aqueles que se entregam, pois, assim como existem pessoas que possuem o "espírito" de vencedor, também há os derrotistas, aqueles que acham que o mundo conspira contra eles e que tudo o que acontece em suas vidas é culpa de terceiros. Estes possuem um problema de falta de autoestima, carecem de tratamento psicológico – não confundir com autoajuda. Porém, a verdade é que, quer seja você um vencedor, um derrotista ou simplesmente uma pessoa comum que se preocupa apenas em acordar pra mais um dia de trabalho, a casa cai pra todo mundo cedo ou tarde. Se não é sob o aspecto financeiro ou profissional, pode ser por outros vieses, como o da saúde, que, sem aviso, vem a faltar a um filho, o cônjuge, o pai ou a mãe, e, pronto!, lá está a vida do vencedor transformada num caos. O caminho do obcecado pela vitória é demasiado cruel pra que continue vivendo tendo que conviver com o fracasso.

Da mesma forma, o oposto também pode acontecer. Um golpe de sorte, uma escolha mais arrojada, ou mesmo por pura obra do acaso, e, de repente, lá está você vivenciando momentos maravilhosos. Sei lá, seu chefe se aposenta e te escolhem pro lugar dele; a empresa abre uma filial em Paris e você tinha feito um curso de francês, enfim, como escrevi numa canção (em parceria com meu mano Gabriel), "o mundo é mau, mas é uma maravilha" justamente porque coisas assim acontecem. Claro que você tem de estar capacitado, tem de estar pronto, pois, quando a oportunidade pinta, se você não fez aquele curso ou não aprendeu a destrinchar certo programa, a oportunidade vai pro colega ao lado; mas isso não significa, sob nenhuma hipótese, que ele é seu inimigo (ou não deveria significar).

E eu queria chegar justamente aí. Viver é uma sucessão de escolhas, e nós somos a soma delas. Tudo o que nos tornamos nada mais é do que o resultado do que nos preparamos pra ser. Ok, o mundo é injusto, as oportunidades são desiguais, e, sobretudo, cruzamos com muitos fdp pelo caminho. Mas, se nos tornarmos também um deles, nada estaremos fazendo pra possibilitar a existência de um mundo melhor. Ser um fdp é mais fácil, admito, mas também é verdade que ninguém gosta de conviver com um. Suponhamos que você se torne um deles. Sua esposa (aquela gostosa fútil) vai ter te escolhido pra marido pela grana (e toda as noites vai rezar pra que você morra, pra ficar com a herança); seus amigos, seus filhos, enfim, todas as pessoas de seu círculo de relações, vão estar a seu lado por interesse, mas ninguém, NINGUÉM vai gostar de você de verdade.

E, pra fechar a tampa, e o mais triste disso tudo, é que nem você vai se suportar! Daí, pra não pensar no assunto, vai se encher de brinquedinhos eletrônicos, vai trocar de carro todo ano, vai comprar uma casa na praia, quiçá um iate, enfim, vai ocupar seu tempo cada vez mais colecionando inutilidades, pra não precisar se deparar consigo mesmo. É, meu caro vencedor, um homem pode suportar tudo, a hipocrisia das relações, a bajulação dos gosmentos subalternos, a inveja dos concorrentes, a consciência de que não é amado por ninguém, pode suportar olhar nos olhos dos filhos e perceber que eles só veem em você um imenso (e em negrito) cifrão ($$$), pode suportar até o sexo apático com a esposa que está pensando no amante... mas um homem não pode suportar por muito tempo representar uma personagem, encarar o espelho e notar que se tornou uma grandecíssima mentira. 

Por essas e outras vejo tais ambiçõezinhas mais com lástima que condescendência. Nenhum de nós pilota nossas vidas. E mesmo estes que hoje pilotam bilhões de vidas alheias andam um tanto aterrorizados ante a evidente derrocada do capitalismo. Obviamente que eles não podem deixar transparecer, pois ainda paira sobre todos a temerosa (temerária?) sombra do cadáver insepulto do comunismo. Mas esta é uma questão mais complexa que vai ficar pra outra ocasião. Por ora, pra ficar no âmbito do indivíduo, queria finalizar dizendo apenas que aprendi a odiar uma pequena palavrinha que tem sido bastante usada no métier dos vencedores: feedback! Quer ser meu amigo? Me ligue, me convide pra uma breja (pode ser um café)... mas, por favor, tenha a bondade de NÃO ME DAR UM FEEDBACK! Combinado?


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